Vivemos tempos desanimadores, com
nuvens mais e mais carregadas a cada dia que passa. As penosas vitórias
conseguidas em busca de um país mais justo e igualitário para todos são
derrubadas com uma velocidade impressionante e é só dar uma passeada nas redes
sociais ou conversar com um grupo que não seja a própria bolha para a cabeça
pesar e uma tristeza assumir o comando das ações. Mas, para tempos assim,
existe a arte como alívio, a arte como instrumento de força. Sempre existiu e
sempre existirá.
E foi isso que presenciei no 14º
Festival Se Rasgum em Belém.
Realizado em 4 dias – fora as
festas surpresas, aberturas, oficinas, cursos e bate-papos – o festival que é
sinônimo mais do que nunca de resistência tendo em vista a longevidade e
constante busca de melhora, exibiu em termos estruturais e de conforto algo
igual ou maior do que estamos acostumados a ver em produções de grande porte
país afora e finca assim de vez o pé no topo desse mercado. Com uma curadoria
diversa e bem pensada, tivemos dias de risos, posicionamentos, afirmações,
abraços, boas conversas, imposições e – claro - música, muita música.
Longe de querer passar uma
varredura completa e detalhada de todas as atrações me concentro naquelas que
mais me animaram, acalmaram ou chamaram a atenção, já registrando aqui o imenso
pesar que foi perder o show do Suzana Flag tocando o disco “Fanzine” na íntegra
no Pier da Casa das 11 Janelas em dia gratuito (31.10), que de acordo com todos
os comentários que ouvi foi emocionante. Difícil acontecer isso novamente no futuro,
infelizmente. Então, parto do dia seguinte que passou para o Espaço Náutico Marine
Club e que no dia primeiro de novembro iniciou com um show do paraense Pratagy.
Logo depois, ainda antes das 21hs
o Bazar Pamplona subiu ao palco para tocar as canções de um dos melhores discos
do ano, o “Banda Vende Tudo”, que ainda contou com a participação luxuosa da
Ana Clara e sua encantadora voz e persona em faixas como “Prumar”. Anna Suav
& Bruna BG – que eu não conhecia – fizeram na sequência um show poderoso,
com banda repleta de vigor e discurso forte e preciso. Na sequência os mineiros
do Moons promoveram um dos shows mais bonitos do festival para mim,
intercalando músicas dos dois últimos álbuns encheram o ar com melodia.
Talvez a atração mais esperada
dessa edição e com um disco ao vivo recentemente lançado que recebe críticas
positivas a todo momento, Gal Costa adentrou ao palco logo com “Dê um Rolê” e
pouco depois com “Vaca Profana”, para já mostrar que a banda renovou as versões
e deu gás em novas canções como “Motor” dos baianos no Maglore. Mesmo com um
pequeno deslize cometido e consertado ao final com grande maestria e humildade,
Gal encantou, fez dançar, cantar junto, abraçar a pessoa desconhecida ao lado.
Fez o que se espera de uma artista do porte dela. A sexta ainda teria a energia
do Mulamba e a malemolência dos Amantes (Jaloo & Strobo).
No sábado cheguei na hora do
Dingo Bells (com um show bem insosso) e não vi o Nic Dias e Rakta. Na sequência
veio a Brvnks que mesmo sem empolgar tanto o público fez um show do bom e velho
indie rock e alegrou o coração por algumas dezenas de minutos. Com um clima
totalmente diferente vieram os mineiros do Black Pantera, um rolo compressor em
forma de power trio que aliou pancadaria sonora, simpatia e discurso enfático.
Um dos shows da edição, sem dúvida. Depois do constrangimento que foi o show do
Joe Silhueta, veio o combo do Mastodontes para trazer novamente as coisas para seu
devido lugar. Outro grande show do festival, saíram do palco deixando o público
ainda sem saber muito bem o que tinha acontecido. A Nação Zumbi que há tempos
não vinha na mangueirosa encerrou a noite com um bom show, com Lúcio Maia reafirmando
o músico fantástico que é, mas deixou a sensação que podia ter sido melhor.
Domingo - para o meu gosto - era
o dia que menos animava. Festival é assim mesmo, você não tem como conhecer
todos os artistas, admirar todos os estilos, curtir todas as atrações, você tem
é que ir com a mente aberta para o que vier pela frente e estar disposto a se
divertir acima de tudo. E assim foi o domingo desde o início com o brega (e
outras cositas mais) do Farofa Tropikal com a presença do ícone Tonny Brasil.
Depois foi a Larissa Luz que encantou com uma força tão imensa que não se sabia
da onde estava vindo tanta massa sonora. Muito, mas muito mais potente que os
discos, sem dúvida. Outro show para figurar entre os melhores dessa edição.
Na sequência os cariocas do Heavy
Baile fizeram literalmente o chão tremer com o funk que estourava das caixas de
som. Divertido a beça. Na apresentação seguinte a Tássia Reis que está com um
belo disco lançado esse ano, não conseguiu transportar isso para o palco e
ficou no meio termo. A noite de domingo e o festival se encerraria com os
experimentalismos do Teto Preto e o vigor do Àttooxxá que subiu ao palco com a
bandeira paraense estirada para receber a Keila (ex-Gang do Eletro).
O Se Rasgum é como aquele velho
amigo que você passa o ano todo sem ver, mas sabe que quando se encontrarem vai
rolar aquele abraço grande e virão sorrisos e novas histórias para serem
contadas no futuro. É aquele amigo que você sabe que pode contar para aliviar a
mente ao mesmo tempo em que reafirma suas posições enfaticamente e percebe que
existem outras pessoas ao seu lado, que você não está só na briga. E ao sair do
Espaço Naútico Marine Club durante o último show a sensação já era de saudade,
mas também de expectativa para edição de 15 anos. Afinal, sobreviveremos a tudo
e a arte será uma das forças do processo.
Por fotos do festival é só ir
aqui: http://www.festival.serasgum.com.br/
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