Baseado nos últimos quatro anos
do cenário político, econômico e social brasileiro alguns futuros se apresentam
como possíveis, sendo que nenhum deles é muito animador. Não se trata de
pessimismo ou terrorismo precoce, mas a verdade é que nossa nação retrocedeu
demasiadamente nesse período, mesmo considerando as situações propícias para
tanto. Desses futuros um dos que mais assusta é a implantação de um governo
baseado e ancorado em doutrinas religiosas acima de tudo e de todos. Inclusive
do próprio Deus.
É nesse cenário que o diretor
pernambucano Gabriel Mascaro mergulha em “Divino Amor” que estreou recentemente
nos cinemas. Ambientado em 2027 apresenta um país na beira do fundamentalismo e
que não recebe em cena quaisquer sinais de revoluções ou insatisfações tão
inerentes nesse estilo de ficção. Quando esses sinais aparecem são mais por
conta da burocracia extremada para servir aos interesses do governo (retratada de
modo excelente em uma cena de um arquivo de pastas), do que por reclamações do
estilo de vida.
A protagonista é Dira Paes, que vive
Joana, uma funcionária de Cartório que atende a casais querendo se divorciar.
Como acredita fielmente no governo e suas crenças (para ela não se trata de distopia
e sim de utopia), ela usa de todos os artifícios para interferir na vida desses
casais, dando opiniões e colocando empecilhos mil para que eles não se divorciem.
E se vangloria para tudo e todos quando consegue “salvar” algum casamento que
na maioria das vezes recebe o auxílio da igreja que dá nome ao filme e frequenta
com o marido Danilo (Júlio Machado).
Narrado em off por uma voz de
criança quase robótica, “Divino Amor” mostra sinais da intervenção do
estado na vida pessoal como na cena da praia onde as mulheres estão cobertas e
os homens de sunga, na maneira que fala dos “desgarrados” ou nos scanners espalhados
nas entradas de lojas e repartições. Exibe alguns alívios cômicos que usam da
sátira como o Drive-Thru de oração comandado por um pastor interpretado por
Emílio de Mello, a festa do Amor Supremo - uma espécie de rave nacionalista religiosa
que substitui o carnaval - ou nas práticas para lá de peculiares da igreja frequentada
por Joana.
Gabriel Mascaro traz do seu filme
anterior (“Boi Neon” de 2015) as cores, luzes, estilo sonoro e o sexo como
força representativa da trama, além da exploração individual de pequenas características
dos personagens. Com uma atuação brilhante de Dira Paes tem na fotografia de
Diego Garcia e na direção de arte de Thales Junqueira, outros fortíssimos
pontos técnicos. Por não ser um filme longo, algumas situações apresentadas que
poderiam ser mais discutidas acabam ficando meio no ar, contudo isso não afeta
o resultado.
“Divino Amor” é um filme
que pode ser interpretado de diversas maneiras, partindo simplesmente da
distopia apresentada que é plenamente possível – onde até os absurdos geram
risadas meio tensas - ou indo para discussões sobre individualismo, mística e o
uso da religião como força de coação dos pobres e vulneráveis para o ganho de
poucos. Mas, sobretudo, expõe brilhantemente que em um sistema fascista por
mais devoto que você seja, basta um pequeno erro ou desentendimento para que
esse sistema se volte contra você e o esmague. Simples assim.
Nota: 9,0
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