sábado, 22 de junho de 2019

Música: Telekinesis, Idlewild e Bad Religion


O Telekinesis é um projeto do músico e compositor Michael Benjamin Lerner que desde 2011 é conduzido individualmente por ele assumindo todos os instrumentos e vocais. Em fevereiro deste ano tivemos o lançamento do quinto disco chamado “Effluxion” com 10 músicas em 31 minutos, distribuído pela Merge Records com gravação e mixagem do próprio Lerner e masterização de Jeff Lipton (Magnetic Fields). É um trabalho com muita unidade que se aproxima do “12 Desperate Straight Lines” de 2011 e se distancia da inconstância de “Dormarion” de 2013 e dos timbres eletrônicos de “Ad Infinitum” de 2015, registros antecessores bem medianos. O álbum começa com violões, uma bonita melodia e letra com toques de desesperança da faixa-título e vai até o pop espacial de “Out For Blood” com teclados no comando e leves considerações sobre se encontrar e sobre o tempo. No meio disso temos diminutas joias como a cantarolável “Cut The Quick”, a doce “Running Like A River” e a viciante “Suburban Streetlight Drunk”. Mesclando indie pop e powerpop, o Telekinesis tem em “Effluxion” provavelmente o melhor álbum da carreira.


Nota: 7,0



O último álbum de estúdio da banda escocesa Idlewild foi em 2015 (“Everything Ever Written”). “Interview Music” vem suprir essa ausência de alguns anos com 13 músicas em 52 minutos e conta com mixagem e produção do competente Dave Eringa que esteve por trás do ótimo “The Remote Part” de 2002. O Idlewild é uma daquelas raras bandas que dificilmente decepciona e novamente essa premissa se repete. Rod Jones (guitarra) e Roddy Woomble (vocal e letras) estão entre os melhores da sua geração e logo em “Dream Variations” que abre o disco com a participação classuda de Laura Burheenn isso fica evidente. A melodia, os vocais, a simplicidade do instrumental funcionando em torno da canção e a mudança de andamento são marcas bem características do grupo. Destaques maiores para a mais dançante “There’s a Place For Everything”, o indie rock de “Same Things Twice” e a bela “Lake Martinez” que encerra a experiência. Mesmo caindo um pouco de qualidade na segunda metade, “Interview Music” é para ser ouvido sem dosagem, um registro que faz bonito na discografia da banda.


Nota: 7,0




Vivemos tempos preocupantes, muito preocupantes. Nos EUA, no Brasil e em parte relevante do mundo as coisas caminham de maneira sombria. Alguns músicos como sempre buscam se posicionar, se opor a esses fatos e retratar esses tempos. E o punk, na sua essência mais pura e clara, apresenta isso através do Bad Religion e seu “Age Of Unreason”, lançado esse ano com 14 faixas pela Epitah Records. Uma banda punk de verdade que honra a história e o estilo e que depois de tantos e tantos anos ainda soa (muito) relevante. “My Sanity” (uma das músicas da temporada) e “Lose You Head” são perfeitas para quem está na corda bamba todo dia com notícias ruins e comentários nefastos invadindo a mente, “The Approach”, “Old Regime” e “Downfall” são excelentes e “Chaos From Within” e “Do The Paranoid Style” é para escutar em volume altíssimo. Com ótimas baterias de Jamie Miller, o trio de fundadores Jay Bentley, Brett Gurewitz e Greg Graffin lideram os outros dois guitarristas em um trabalho poderosíssimo que não pode de forma alguma ser desassociado das letras.

Nota: 9,0

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Literatura: “Valsa Brasileira: Do Boom ao Caos Econômico” - Laura Carvalho



“Como a economia de um país continental evoluiu, em apenas sete anos, da euforia de um cenário de crescimento bem acima da média das últimas décadas, com vigorosa geração de empregos formais e alguma redução das desigualdades, para uma das maiores crises de sua história?”

O questionamento acima está no início de “Valsa Brasileira: Do Boom ao Caos Econômico”, primeiro livro da Laura Carvalho, doutora em economia pela New School for Social Research e professora da USP. Publicação da Todavia Livros de 2018 com 192 páginas tenta não somente responder a essa primeira pergunta, como também elucidar para o leitor os anos da nossa economia do final do segundo governo FHC até o governo de Michel Temer.

A autora divide a parte principal em três pontos: 1) O Milagrinho Brasileiro, onde versa sobre esse final do FHC e os ótimos anos de Lula como presidente, 2) A Agenda Fiesp, sobre os primeiros quatro anos de Dilma Rousseff e 3) A Panaceia Fiscal, tratando do segundo governo da presidenta Dilma interrompido pela palhaçada do impeachment e a transição para o governo Temer. Nos capítulos “Acertando os Passos” e “Dançando com o Diabo” traz considerações, reflexões e possíveis caminhos para o futuro.

“Valsa Brasileira” é um livro importantíssimo para expor e explicar os fatos que levaram a (provavelmente) pior crise econômica que atravessamos (e ainda não saímos). Com foco na parte econômica, mas sem deixar de levar em consideração toda política, como também a influência de alguns setores poderosos nas tomadas de decisões, Laura Carvalho coloca de modo didático e da maneira mais simples possível suas colocações, estendidas ainda em mais de 120 notas de rodapé, tão interessantes quanto o texto principal.

Passa pelo grande avanço que o país obteve na década passada ancorado na alta dos preços das commodities exportadas (petróleo, minério e soja), mas não somente por isso. A política econômica do governo Lula distribuiu renda na base da pirâmide (via o Programa Bolsa Família, por exemplo, que em 2010 atendia a mais de 12 milhões), proporcionou mais acesso a crédito, valorizou o salário mínimo e aumentou consideravelmente os investimentos públicos em infraestrutura tanto física quanto social (que em contrapartida estimularam investimentos privados). A redução da pobreza e da desigualdade de renda mudaram o padrão de consumo da sociedade, com a inclusão de uma parcela significativa da população nesse mercado.

O ciclo de alta das commodities encerrou em 2011 contribuindo para a trágica performance da economia nacional nessa década, junto com uma instabilidade política apavorante e medidas do governo de Dilma Rousseff que para a autora se provaram desastrosas como a contenção de investimentos públicos, desvalorização da moeda, redução da taxa de juros, dezenas e estapafúrdias desonerações tributárias e o BNDES expandido em demasia agindo como ator principal. Foram decisões que cumpriram exigências das elites empresariais e financeiras e pioraram a situação mais e mais (elites que depois tiraram a presidenta do poder de modo circense e patético para capturarem de novo o país).

O descrito no parágrafo acima aumentou de modo alarmante com o advento do governo Temer – e depois a extensão calamitosa para o atual mandatário da nação –  criando o que a autora chama de “hipocrisia fiscal” onde tivemos vendas de ilusões, mentiras institucionais, punição direta das classes mais baixas que estão novamente sufocadas e a aprovação de legislações sem reflexo permanente para o processo de retomada, deixando o país ainda patinando e caindo. Uma crise não tem causa única e é preciso rever o que deu errado até aqui, mas isso não parece ser do interesse de quem comanda, já que os ricos estão mais ricos e os remédios mágicos que vivem alardeando nos seus planos não trazem quaisquer resultados.

Em determinada passagem no final do livro Laura Carvalho fala que “a política de desenvolvimento produtivo, assim como todos os demais elementos da política econômica, não deve ser moldada pelo interesse de grupos econômicos específicos, e sim por uma análise dos benefícios gerados para o conjunto da sociedade”. Nada mais justo e verdadeiro e que deveria ser o sustentáculo inviolável de todo governo e seus órgãos, contudo, tirando alguns anos da nossa história isso foi feito de modo esporádico e excepcional. E sofremos por isso.

Nota: 9,5