domingo, 12 de maio de 2019

Literatura: "Os Salgueiros" e “The Underground Railroad – Os Caminhos Para a Liberdade”


Dois amigos se aventuram pelo extenso Rio Danúbio em uma pequena embarcação apreciando as paisagens e conhecendo novos lugares num ritmo lento e tranquilo de aventura. Ao atracar para passar a noite em uma ilha pequena afastada de tudo o cenário passa a mudar e pequenas coisas vão acontecendo aqui e ali lentamente o que leva os dois perceberem (ainda que de modo relutante em certos momentos) que não estão sozinhos como imaginavam, existe alguém ou algo circundando temerosamente ao redor. Esse é mote de “Os Salgueiros” (The Willows, no original), obra clássica do britânico Algernon Blackwood (1869 - 1951) publicada pela primeira vez em 1907 e que H.P Lovecraft considerou como “a melhor weird story que já lera”. A editora Empíreo fez uma cuidadosa edição nacional bilíngue e ilustrada que passou por um processo de financiamento coletivo e saiu esse ano com capa dura, 152 páginas e tradução conjunta de Stefano Danin e Anna Civolani. Com um texto elegante o autor insere gradativamente o medo, um medo que não tem forma, não se exibe, não se apresenta para que o leitor possa ter um alvo a quem destinar o foco. É um medo do desconhecido que aparece sem explicação podendo tanto ser uma pessoa, um animal, um alienígena ou forças sobrenaturais que não se tem a mínima ideia do que sejam. A escolha dos salgueiros na paisagem natural tanto do caminho navegado quanto na própria ilha aumenta ainda mais a sensação desse pânico silenciado explorado habilmente pelo autor.

Nota: 7,5



“The Underground Railroad – Os Caminhos Para a Liberdade” é o livro que deu ao escritor Colson Whitehead o consagrado prêmio Pulitzer de 2017. Publicado nos EUA em 2016 ganhou edição nacional pela Harper Collins Brasil no ano seguinte com 320 páginas e tradução de Caroline Chang. Ambientado no século XIX assume ao pé-da-letra a história da “ferrovia subterrânea” - uma rede constituída por brancos e negros livres que ajudava escravos que fugiam a migrar para as terras livres do país ao norte – e cria nas páginas efetivamente uma estrada com trilhos funcionando debaixo da terra. Usando a jovem Cora como protagonista, nascida escrava em uma fazenda de algodão, onde sua mãe também era escrava, assim como a avó, o autor traça uma narrativa muito bem escrita de um período histórico para lá de sombrio. Withehead que esteve no Brasil para a Flip do ano passado constrói uma trama que ao cortar os estados americanos provoca sentimentos diversos ao leitor tais como a raiva pelos atos cometidos e a emoção pelas parcas vitórias conseguidas. É uma constante ficar inquieto na leitura, largar um pouco as páginas para respirar ao mesmo tempo em que se envolve mais e mais com os personagens. Passagens como a estadia de Cora trabalhando em um museu enquanto tem um pequeno alívio na fuga ao caçador de recompensas no seu encalço, como também o final apresentado exibem situações (ainda mais) revoltantes, situações que se olharmos com precisão infelizmente não estão tão distantes assim dos nossos dias.

Nota: 8,5

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Quadrinhos: "Frankestein 200", “Capitã Marvel: Mais Alto, Mais Longe, Mais Rápido e Mais", "Escapo" e “Vagabundos no Espaço – Volume Um”


Usando a obra-prima escrita por Mary Shelley e publicada originalmente em 1818, um grupo de quadrinistas se uniu para fazer um trabalho com seis histórias que tomam por base esses escritos e exploram essa base além. Organizada por Jorge de Barros, Alex Mir e Hector Lima, “Frankestein 200” passou por campanha de financiamento coletivo no final de 2018 e no início desse ano saiu pela editora Clepsidra em edição luxuosa de formato grande (29,7cm), capa dura e 108 páginas em preto e branco com arte de capa de João Pirolla. Nas histórias que compõe a obra três merecem destaques: “Jurupari” de Ana Fiori (roteiro) e Alex Genaro (arte), “A Noiva de Shelley” de Hector Lima (roteiro) e Gio Guimarães (arte) e “Francis” de Lexy Soares (roteiro) e Ton Albuquerque (arte). Apesar do resultado inconstante com histórias bem boas e outras nem tanto, “Frankestein 200” é iniciativa agradável, principalmente para fãs de terror/horror.

Nota: 6,0

“Capitã Marvel: Mais Alto, Mais Longe, Mais Rápido e Mais” aproveita o sucesso obtido pelo filme e a obtenção de grande quantidade de novo público. Com 136 páginas, capa dura, roteiro de Kelly Sue DeConnick e arte de David Lopez, a Panini Comics publica uma trama balanceada entre o humor e a força da personagem enquanto heroína e dona do próprio nariz. A arte apenas funcional não produz maiores efeitos, mas conta com cores bem utilizadas. Essa publicação resgata uma fase que saiu nos EUA em 2014 e apresenta Carol Danvers equilibrando vida pessoal, amor e as questões de heroína com o desejo de querer mais. Por conta disso vai para o espaço onde se envolve em uma trama libertadora para vários envolvidos. Com a participação incisiva dos Guardiões da Galáxia, todo seu poder é demonstrado nessa história divertida e emocionante que fica bem longe de ser banal ou piegas.

Nota: 7,0


“Escapo” é uma publicação da editora Mino de março desse ano. A obra do quadrinista americano Paul Pope foi lançada originalmente em 1999, com histórias concebidas entre 1996 e 1998. Elaborada em várias cidades mostra o autor de “Batman: Ano 100” na busca por um caminho na sua arte enquanto mistura o tradicional com o experimental. O protagonista é um artista circense que se livra das mais improváveis situações e perigos, mas vive atormentado e deslocado no meio de tudo. Com capa dura, em preto e branco, 96 páginas e tradução de Dandara Palankof, “Escapo” nasceu no meio de um turbilhão de sentimentos que inundavam o coração e a mente do autor na época e que se confundem diretamente com as do personagem que se ilude no amor, tem um encontro vívido com a morte, se questiona sobre a estrada que segue e busca uma nova definição de futuro enquanto vai adiante.

Nota: 7,0


Seres desajustados e esquisitos em uma mistura de aventura, espaço sideral, acidez, crítica comportamental e humor. Só isso já seria interessante, mas adicione que é uma história criada, escrita e desenhada pelo Raphael Salimena de “Na Linha do Trem” e temos algo interessante e mais ainda. Com lançamento no final de 2018 pela editora Draco com 104 páginas, “Vagabundos no Espaço – Volume Um” reúne a parte inicial do trabalho que o autor publica online desde 2015. Zix é um adulto que não faz nada da vida a não ser jogar videogame, comer (muita) besteira e ter um conhecimento absurdo de cultura inútil. Justamente por conta disso acaba selecionado para estrelar um reality show interplanetário, onde conhece os improváveis Margo e Soha. Às vezes usando uma arte exagerada para espelhar as maluquices e absurdos, cerca estas de realidade na essência o que diverte e assusta por conta dos rumos que a sociedade atual opta.

Twitter do autor:  https://twitter.com/linhadotrem 

Nota: 8,0