Dois amigos se aventuram pelo extenso
Rio Danúbio em uma pequena embarcação apreciando as paisagens e conhecendo
novos lugares num ritmo lento e tranquilo de aventura. Ao atracar para passar a
noite em uma ilha pequena afastada de tudo o cenário passa a mudar e pequenas
coisas vão acontecendo aqui e ali lentamente o que leva os dois perceberem
(ainda que de modo relutante em certos momentos) que não estão sozinhos como
imaginavam, existe alguém ou algo circundando temerosamente ao redor. Esse é
mote de “Os Salgueiros” (The Willows, no original), obra clássica
do britânico Algernon Blackwood (1869 - 1951) publicada pela primeira vez em
1907 e que H.P Lovecraft considerou como “a melhor weird story que já lera”. A editora Empíreo fez uma cuidadosa edição
nacional bilíngue e ilustrada que passou por um processo de financiamento
coletivo e saiu esse ano com capa dura, 152 páginas e tradução conjunta de Stefano
Danin e Anna Civolani. Com um texto elegante o autor insere gradativamente o
medo, um medo que não tem forma, não se exibe, não se apresenta para que o
leitor possa ter um alvo a quem destinar o foco. É um medo do desconhecido que
aparece sem explicação podendo tanto ser uma pessoa, um animal, um alienígena
ou forças sobrenaturais que não se tem a mínima ideia do que sejam. A escolha
dos salgueiros na paisagem natural tanto do caminho navegado quanto na própria ilha
aumenta ainda mais a sensação desse pânico silenciado explorado habilmente pelo
autor.
Nota: 7,5
“The Underground Railroad – Os Caminhos Para a Liberdade” é o livro
que deu ao escritor Colson Whitehead o consagrado prêmio Pulitzer de 2017. Publicado
nos EUA em 2016 ganhou edição nacional pela Harper Collins Brasil no ano
seguinte com 320 páginas e tradução de Caroline Chang. Ambientado no século XIX
assume ao pé-da-letra a história da “ferrovia subterrânea” - uma rede
constituída por brancos e negros livres que ajudava escravos que fugiam a
migrar para as terras livres do país ao norte – e cria nas páginas efetivamente
uma estrada com trilhos funcionando debaixo da terra. Usando a jovem Cora como protagonista,
nascida escrava em uma fazenda de algodão, onde sua mãe também era escrava,
assim como a avó, o autor traça uma narrativa muito bem escrita de um período
histórico para lá de sombrio. Withehead que esteve no Brasil para a Flip do ano
passado constrói uma trama que ao cortar os estados americanos provoca
sentimentos diversos ao leitor tais como a raiva pelos atos cometidos e a emoção
pelas parcas vitórias conseguidas. É uma constante ficar inquieto na leitura,
largar um pouco as páginas para respirar ao mesmo tempo em que se envolve mais
e mais com os personagens. Passagens como a estadia de Cora trabalhando em um
museu enquanto tem um pequeno alívio na fuga ao caçador de recompensas no seu
encalço, como também o final apresentado exibem situações (ainda mais) revoltantes,
situações que se olharmos com precisão infelizmente não estão tão distantes assim
dos nossos dias.
Nota: 8,5