domingo, 29 de julho de 2018

Quadrinhos: "Crononautas", "Hell, No!" e "Nada a Perder"


Olha essa escalação: Mark Millar (Kick-Ass) no roteiro e criação, Sean Gordon Murphy (Punk Rock Jesus) na arte e criação e o mestre Matt Hollingsworth responsável pelas cores. Não tem como dar errado, correto? Pois é, é difícil de acreditar mas deu em “Crononautas”. Se deu. Lançado nos EUA em 4 edições entre março e junho de 2015 ganhou edição nacional em 2018 pela Panini Books com capa dura, 120 páginas e tradução de Eric Novello. A história é uma ficção científica que não ambiciona detalhamento ou expandir conceitos, o que passa longe de ser um problema, diga-se aqui, porém a caracterização e condução da trama é rasa demais até para esse tipo de modelo, parecendo ter sido feita com pressa e com certa preguiça. Bancados pelo governo os amigos Corbin Quinn e Danny Reilly conseguem desvendar a viagem do tempo e depois do sucesso das primeiras tentativas partem para uma missão tripulada. Seus trajes lhe permitem passear por qualquer momento da história e isso causa um problema danado depois que a dupla simplesmente resolve mandar o governo às favas e viver a própria vida. Para dizer que não tem nada que se salve, a arte de Sean Murphy rende bons momentos. E só.

Nota: 3,0


Lúcio é um garoto no mínimo peculiar. Ele é filho do Diabo com uma humana. Sim, o Diabo mesmo. O próprio. Como ele é - por assim dizer – mestiço, tem que aguentar a convivência nada tranquila com os dois irmãos enquanto frequenta a escola que logicamente fica no inferno. Para complicar mais as coisas, seu melhor amigo é um pequeno demônio que curte Deus e só anda com a bíblia. Esse é o mote de “Hell No!”, criação do quadrinista brasileiro Leo Finocchi (de “Nem Morto”) que já tem duas edições (uma de 2017 e outra de 2018), ambas viabilizadas através de financiamento coletivo em conjunto com a Balão Editorial. Cada uma tem 30 e poucas páginas e com uma pegada bem jovem, tem no humor a grande força. A história é bem divertida explorando tanto a parte visual quanto piadas do cotidiano e quando os irmãos se colocam no meio de um diabólico (ok, não me controlei, foi mal) plano que visa destituir o Diabo do comando e são enviados a Terra para viver no meio dos humanos a coisa passa a render mais ainda. Publicado também de modo online no site Tapastic, “Hell No!” é uma aventura despretensiosa no melhor sentido e bem bacana.

Nota: 7,0


Nascido em 1976 o canadense Jeff Lemire é provavelmente o quadrinista mais interessante da atualidade. Com grandes trabalhos autorais no currículo como a obra-prima “Condado de Essex”, exibe também passagens relevantes nas editoras maiores como DC, Marvel e Dark Horse. Tudo (ou quase tudo) que carrega o seu nome é digno de nota e não é diferente com “Nada a Perder” (Roughneck, no original), publicação nacional desse ano da editora Nemo com 272 páginas e tradução de Jim Anotsu. Com o habitual traço e dessa vez se utilizando de tons mais azuis aliados ao preto e branco, Lemire conta a história de Derek Ouelette, um ex-jogador profissional de hóquei que tinha um futuro promissor, mas que ferrou com tudo devido ao temperamento. Hoje vive na pequena cidade que nasceu, mora em um buraco e trabalha na cozinha de uma lanchonete. É um cara difícil, amargurado e violento que tem o álcool como melhor amigo. Um babaca brigão, em resumo. Porém, quando alguém que já parecia perdida reaparece, as coisas tomam um inesperado caminho. Explorando recursos já usados anteriormente como frio, neve, dor, arrependimento e culpa, o autor constrói um triste e silencioso balé que tem origens profundas e parece não oferecer nenhum tipo de redenção ou esperança.

Nota: 9,0



sábado, 28 de julho de 2018

Quadrinhos: "Todos Os Santos", "Sem Volta" e "A Propriedade"


“Talco de Vidro”, “Hinário Nacional” e principalmente “Tungstênio” (que virou filme esse ano) fazem do carioca nascido em Niterói Marcelo Quintanilha, um dos quadrinistas mais relevantes e importantes do cenário nacional com obras publicadas em vários países com sucesso. Mesmo morando em Barcelona na Espanha desde 2002 continua versando como poucos sobre as coisas da vida nacional, principalmente do estado natal. “Todos Os Santos”, publicação da editora Veneta desse ano com 114 páginas em capa dura e zeloso trabalho editorial é um compêndio bem amplo das coisas que o autor já fez desde que começou em 1988 desenhando histórias de terror e artes marciais para a Bloch Editores. Temos alguns textos, partes de entrevistas, páginas dos primeiros trabalhos, ilustrações em revistas e tiras publicadas no Estado de São Paulo, onde já mostrava a toada que estaria presente nas suas obras mais conhecidas e respeitadas. Além disso, apresenta impressa pela primeira vez a história “Acomodados!! Acomodados!!” que ganhou a primeira Bienal Internacional de Quadrinhos do Rio de Janeiro lá no já longínquo ano de 1991. “Todos Os Santos” é um preciso atestado de versatilidade e construção de uma carreira, contudo se faz interessante somente para aqueles que já conhecem o autor e querem ir mais além.

Nota: 7,0


Se fosse só por “Black Hole”, Charles Burns já teria um merecido lugar no panteão dos grandes autores de quadrinhos de todos os tempos. Mas o norte-americano não se contentou com isso e criou outro trabalho intenso e perturbador em “Sem Volta” que ganha edição nacional pelo selo Quadrinhos na Cia. da Companhia das Letras, com 176 páginas, formato grande (20.8x27cm) e tradução do quadrinista Diego Gerlach. A edição nacional compila as três edições lançadas lá fora em 2010 (X´ed Out), 2012 (The Hive) e 2014 (Sugar Skul) que trazem o jovem Doug como confuso e imperfeito personagem central. Ambientada na segunda metade dos anos 70 com a efervescência do punk em segundo plano, Charles Burns traz uma história sobre amadurecimento, primeiros amores, inquietude, decisões erradas e muita culpa. Como de costume embala os temas usando bichos e criaturas estranhas, delírios e devaneios complexos e situações incomuns. O protagonista inicia a obra jogado em uma cama, com curativos na cabeça e sem se lembrar de quase nada dos motivos de estar ali. Na busca de lembrar e entender o que aconteceu, temos um desfile do que o autor sabe fazer de melhor (dessa vez em cores) e de onde o leitor nunca sairá ileso.

Nota: 8,5

Leia um trecho gratuitamente, aqui.



Mica Segal é uma israelense que decide acompanhar a avó em uma viagem para a Polônia que tem como objetivo principal recuperar um imóvel perdido durante a segunda guerra mundial, quando as tropas de Hitler tomavam conta do país. A avó chamada Regina conseguiu fugir e se salvar, enquanto pessoas da família e conhecidos sucumbiram ao terror imposto pelo nazismo. No contato não muito fácil com a avó, Mica descobre aos poucos que a questão do imóvel pode ser apenas um falso pretexto para essa viagem encoberta por mais segredos que ela ousaria pensar. “A Propriedade” da quadrinista israelense Rutu Modan ganhou o prêmio Eisner de melhor novela gráfica original em 2014, tendo edição nacional no ano seguinte pela editora WMF Martins Fontes com tradução de Marcelo Brandão Cipolla e 224 páginas. A autora de “Exit Wounds” (ainda inédito no Brasil) que também lhe rendeu um Eisner, elabora uma história que consegue não somente ser sobre família, como também envolve um amor antigo e a ambição desmesurada das pessoas, sem esquecer de algum humor para aliviar o quadro geral pesado e destrutivo em que é construído. Uma bela obra com ótimo uso das cores e carregada de sutilezas e emoções.

Nota: 9,0