“O maior perigo para o homem é o
próprio homem”.
A frase acima por mais que tenha
estilo de filosofia barata não deixa de ser uma grande verdade. Ela está em “Um Estranho Numa Terra Estranha” (Stranger in Strange Land, no original),
obra bem importante da ficção científica escrita pelo americano Robert A.
Heinlein em 1961. O livro ganha esse ano nova edição nacional pelas mãos da
editora Aleph, com 576 páginas e tradução de Edmo Suassuna contendo um devotado
prefácio do Neil Gaiman.
O livro que nasceu primariamente do
desejo do autor em escrever algo mais “adulto”, pois fazia muitas obras juvenis
nos anos 50, conseguiu ir bem longe. Ganhou o prestigiado prêmio Hugo (assim
como outras três obras de Heinlein como “Tropas Estelares”), virou referência
na contracultura dos anos 60 e gerou muita, mas muita discussão sobre os temas
nele envolvidos.
No livro a humanidade chegou as
estrelas, mais precisamente a Marte. 30 anos depois da primeira expedição ao
planeta vermelho outra espaçonave chega e se depara com um improvável
sobrevivente. Um humano, nascido em solo marciano, que foi criado diante das
concepções e ideias dos habitantes do lugar. Autorizado por esses anciões retorna
a Terra para conhecer seu lar, digamos assim.
Assim que Valentine Michael Smith
(esse é seu nome) põe os pés na Terra, ainda tentando adequar a fisiologia as
mudanças, cai logo nos braços do governo que logicamente busca adequar essa
nova realidade da maneira que melhor sirva aos próprios interesses. Porém,
quando um repórter xereta chamado Ben Caxton e uma enfermeira chamada Gillian
Boardman entram no seu caminho, as coisas ficam um tanto mais complicadas.
Nessa primeira parte de adequação
diversos temas surgem com destaque. A questão econômica é uma devido ao fato
desse sobrevivente ser dono ou beneficiário de várias coisas, inclusive até
mesmo de Marte pelas esdrúxulas leis terráqueas. No meio das burocracias estapafúrdias,
percebe-se de imediato que o autor não terá piedade com isso. Depois que Jubal
Harshaw aparece na trama isso vai além junto com suas excentricidades,
polêmicas e mau humor.
A partir desse ponto o autor foca
a metralhadora com mais ferocidade para dois controversos temas: religião e
sexo. Heinlein que nunca acreditou em Deus e teve várias visões políticas
durante os anos, nunca apreciou quaisquer governos na plenitude. Foi um
escritor repleto de contradições. Ao mesmo tempo que detonava os temas acima,
por exemplo, e expunha conceitos libertários no que tange a questões
individuais, apresentava outros que iam contra isso, além da misoginia sempre
presente no texto.
Mesmo publicado em 1961, a
essência de “Um Estranho Numa Terra
Estranha” foi calcada nos anos 50 e é de lá que vem os conceitos que ele
tenta quebrar ou involuntariamente até amplifica. Há de se imaginar o choque
causado por isso na época. Lido hoje o livro causa rebuliço um pouco menor e até
incomoda por outras questões (como o tratamento das mulheres na trama, ainda
que sejam de vital importância), apesar de se entender que isso é retrato do
tempo em que foi gerado.
Contudo, naquilo onde é mais animalesco
e brutal, a obra de Heinlein é devastadora, não deixando pedra sobre pedra.
Revertendo conceitos religiosos a cada momento e explorando a farsa embutida em
quantidades generosas dentro das igrejas e principalmente das pessoas que as comandam
e que revertem qualquer coisa em “divina” desde que lhe sirvam bem, o livro
explora e explode questões ainda bem vívidas dentro do nosso mundo. Mesmo tanto
tempo depois.
Nota: 8,0
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