Aviso antes de prosseguir: esse é
um texto com extremas doses de saudosismo e nostalgia. E isso não é
necessariamente ruim. Pelo contrário.
Há um tempo nem tão distante
assim era comum pegar um disco e dedicar dias e dias para ouvir, estabelecendo
ligações entre a ordem em que as músicas estavam dispostas, e, caso gostasse, voltar
esse álbum várias e várias vezes no som. Isso servia não somente para prestar
atenção mais detalhada nas letras, como também descobrir sons ocultos aqui e
ali que passaram batidos nas audições anteriores.
E isso não era feito somente na
época que o vinil dominava, não precisa se exibir um saudosismo de boutique
aqui. Isso foi feito nos cassetes, nos cd’s e até mesmo naqueles mp3’s baixados
pela madrugada. Os trabalhos é que ditavam isso. Lógico que pode ser feito
tranquilamente na época do streaming, mesmo sabendo que não é assim. Os discos
cheios perderam o sentido, essa é verdade. Faixas são pinçadas aqui e ali, colocadas
em playlists, em vídeos feitos para visualizações ou divulgados em redes
sociais, mas o disco, o conceito em si, pobre coitado, quase não é apreciado
mais.
E eis que em 2017 dois irmãos
escoceses já veteranos da cena musical, que passaram por todas as fases acima citadas,
lançam uma obra que reverte tudo isso e apresenta de novo o prazer de se
escutar um álbum do início ao fim, saber o número de cada faixa, antecipar os
acordes de cada canção que virá. Falo de Jim e William Reid e seu “Damage And Joy”, sétimo disco de
inéditas de uma carreira que desde 1985 nunca foi palco de trabalho ruim e
ainda jogou pequenos clássicos no caminho como “Psychocandy” de 1985 ou “Stoned
& Dethroned” de 1994.
O Jesus And Mary Chain não
lançava nada desde “Munky” de 1998 e “Damage
And Joy” supre essa longa ausência com 14 faixas em pouco mais de 53
minutos. Logo na primeira canção já sabemos que se trata de um disco da banda. Impossível
não perceber. É “Amputation” com suas
guitarras, microfonias ao fundo, ritmo, backing vocals chicletudos e ótima
melodia cantada por Jim de uma letra ácida e raivosa. Não é um disco que exala
novidades, longe disso. É 100% do que se acostumou a ouvir da banda e isso é
bom.
Após o término de “Amputation” temos um exemplo de cada
faceta que o grupo ofereceu dentro do seu universo específico de sonoridade. Tudo
em nível elevado que podia muito bem se ver contido em qualquer outra época em
que estiveram na ativa. Se com “War on
Peace” o ritmo cai um pouco remetendo ao ótimo “Darklands” de 1987, a dobradinha
“All Thing Pass” e “Always Sad” resolve tudo em duas
pequenas pérolas que já devem automaticamente constar em futuras coletâneas.
“Damage and Joy” também conta com uma produção extremamente
azeitada e precisa. Como de costume nos últimos trabalhos há convidadas que
dividem o vocal com Jim Reid. Bernadette Denning faz o dueto em “Always Sad”, Isobel Campbell engradece
“Song For a Secret” e a formidável “The Two Of Us”, a irmã Linda Fox está
em “Los Feliz (Blues And Greens)” e
na mais dançante “Can´t Stop The Rock” que fecha o trabalho e Sky Ferreira
surpreende na balada “Black And Blues”.
Com lançamento pela Artificial
Plastic Records e todas as faixas compostas pelos irmãos Reid (em separado ou
juntos), “Damage And Joy” é um disco
que destoa completamente dos nossos dias. É um disco que faz o ouvinte se
apegar, não querer deixar ele em nenhum momento, um disco para decorar as
letras e cantar junto. E mais importante: funciona tão bem para os fãs antigos
como tem potencial para angariar novos adeptos do som característico e tão
copiado da banda.
Quem diria que em pleno 2017 o
amor e a paixão por um disco específico e o prazer de escutá-lo inúmeras vezes
fosse ressuscitado por dois irmãos briguentos que sempre andaram bem a margem
do mainstream e do sucesso (e na verdade nunca fizeram questão nenhuma disso).
Escute “Damage and Joy”. Escute e
por mais ridículo e clichê que isso possa aparecer: Se apaixone. Simples e fácil
assim.
Nota: 9,5
Assista “The Two Of Us” em uma
execução ao vivo:
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