quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Literatura: "Faca de Água" e "Sombras de Reis Barbudos"


Quando um livro ambientado em cenários futuristas ou distópicos apresenta situações que em determinadas instâncias são plenamente possíveis de acontecer algum dia, isso acrescenta ao trabalho um grau maior de interesse, prendendo mais o leitor e fazendo com que se discuta posteriormente um ou outro fato. Esse é o caso de “Faca de Água” (The Water Knife, no original), publicado nos EUA em 2015 que ganhou lançamento nacional pela editora Intrínseca no ano passado. Com 400 páginas e tradução de Alexandre Raposo é o primeiro trabalho do escritor americano Paolo Bacigalupi em terras tupiniquins. O autor que já ganhou prêmios importantes como o Hugo e o Nebula ganha uma bonita edição para mostrar o inteligente thriller que concebeu. A trama se passa em um futuro não especificado onde os EUA estão quebrados e divididos com os estados soberanos, sendo a União um mero lembrete para casos extremos. A briga é por rios, lagos e fontes, ou seja, por água. A água se tornou o bem mais valioso e tudo que acontece na sociedade se origina dela. Angel Velasquez é um Faca de água, uma mistura de agente, espião e assassino privado, que toma conta dos interesses de Catherine Case, a chefona de Las Vegas. Quando surge em Phoenix uma situação que pode mudar o status geral, ele se manda para a cidade onde cruza caminho com a hábil jornalista Lucy Monroe e a jovem sonhadora Maria Villarosa. “Faca de Água” tem várias qualidades. Além de tratar sobre um cenário verossímil enrosca economia, política e meio ambiente com tudo aquilo que o ser humano é capaz para sobreviver. Seus personagens – mesmo os de maior bondade – também são passíveis de atos nada nobres em prol de interesses próprios, o que deixa o leitor pisando em terreno minado sobre o que esperar nas páginas que virão.

Nota: 7,5

Leia um trecho direto do site da editora, aqui.

Twitter do autor: http://twitter.com/paolobacigalupi  


Anos 70. Uma pequena cidade do interior que pode ser de qualquer estado do Brasil, principalmente longe dos centros mais famosos. Progresso chegando a passos de cágado, quando de repente uma novidade surge e atiça todos os moradores. Uma novidade que promete mudar as coisas daquele ponto em diante. Essa é a diretriz básica de “Sombras de Reis Barbudos”, livro do escritor goiano José J. Veiga publicado originalmente em 1972 quando o digníssimo general Garrastazu Médici comandava o período mais duro da ditadura que assolou nosso país. Em 2015 a Companhia das Letras começou a republicar o autor em caprichadas e detalhadas edições, uma atitude mais que louvável que deu a chance de novos leitores conhecerem um dos grandes escritores nacionais. Com 152 páginas, pode-se dizer que não é o trabalho mais conhecido dele, esse mérito fica com o ótimo “A Hora dos Ruminantes” de 1966 que também ganhou reedição em 2015, contudo, por sua vez, é ainda melhor e mais completo. Quem narra a história é um adolescente que retorna aos 11 anos de idade quando a Companhia Melhoramentos de Taitara chega a cidade através de um tio que logo é deposto do comando. A partir disso a empresa sai distribuindo desmandos e proibições ilógicas pela cidade e logo vira um pesadelo para os habitantes que se veem presos as ordens estapafúrdias e opressivas. Como de costume em suas obras, José J. Veiga insere humor nas frases, expressões e modo de falar dos personagens e no último terço brinca com o realismo fantástico que tanto lhe atribuem. A narração entre a descoberta, a ingenuidade e o inconformismo calado guia todas as alegorias e analogias que são feitas para o regime político do país na época (e tem paralelos diretos até com nossos conturbados dias atuais), resultando em uma obra que não pode ganhar uma alcunha menor do que essencial.

Nota: 9,5

Leia um trecho direto do site da editora, aqui.

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