Quando “Forrest Gump” estreou nos
cinemas em 1994 o sucesso foi imediato. O filme dirigido por Robert Zemeckis
(da trilogia “De Volta Para o Futuro”) fez 480 milhões de dólares de bilheteria
no mundo e de quebra levou 6 Oscars, entre eles melhor filme, diretor, ator e
roteiro adaptado. O roteiro construído por Eric Roth (de “O Curioso Caso de
Benjamin Button”) teve como material o livro de Winston Groom lançado em 1986,
que tinha vendagem razoável até então e viu tudo se transformar depois do
longa, alcançando a marca de mais de um milhão de cópias vendidas.
Ano passado o livro completou 30
anos e a editora Aleph publicou uma edição belíssima da obra que merece um
lugar de destaque na biblioteca de qualquer um. Com 394 páginas e tradução caprichada
de Aline Storto Pereira a edição ainda é abrilhantada por diversas ilustrações
do gaúcho Rafael Albuquerque (de “Vampiro Americano”), um dos quadrinistas de
maior destaque do país e conta com textos adicionais, incluindo um excelente ao
final que compara livro e filme com muito mérito.
Isso é válido porque depois de ler
“Forrest Gump” é impossível não
compará-lo ao filme, visto que as diferenças são gritantes (e na maioria dos
casos para pior). Lógico que literatura e cinema são coisas distintas e o que
funciona em um campo pode não funcionar bem em outro. Realmente, se fosse para
imaginar a transição das histórias do personagem principal para a sétima arte o
roteiro deveria ajustar todos os excessos que Winston Groom se dá ao luxo de cometer
no livro.
No livro, Forrest é um idiota
como no filme, mas um idiota completamente diferente, consciente dos seus atos
e que sabe bem onde está pisando. Além disso, carrega consigo uma carga
satírica e crítica (ao seu modo) para o país e suas instituições como Exército
e NASA. Ressalte-se também que o Forrest do livro é um cara com habilidade
intelectual em certos segmentos e não aquele virgem pueril e sortudo que o
filme de Zemeckis fez cravar na memória de todos.
Essa edição da Aleph é
extremamente bem-vinda porque traz a uma gama nova de leitores o texto ácido e
repleto de desconstrução que o autor imaginou para o protagonista. Mesmo
considerando algumas forçadas além do ponto (principalmente na parte final), “Forrest Gump” ainda é um livro
saborosíssimo de ser degustado, que deixa o leitor constantemente rindo sozinho
no contraste provocado entre o absurdo e o ingênuo, como instiga pelas
cutucadas que distribui para todos os lados.
Na construção que fizeram para o
cinema além de adocicarem e amansarem o texto até não poder mais, praticamente
todo o cunho político da obra foi retirado para agradar o americano médio, já
que em determinada análise o filme nada mais é do que uma representação do “american way of life”, onde até mesmo
um idiota sem muito conhecimento pode vencer na vida e virar um milionário. É
de imaginar até que o Forrest do filme fosse por exemplo um dedicado eleitor de
Donald Trump, enquanto o do livro iria pelo caminho inverso.
Mesmo que a decisão
cinematográfica tenha obviamente rendido muitos frutos e o filme seja hoje um
clássico com uma trilha sonora esplendorosa, o livro mostra o verdadeiro
Forrest Gump imaginado pelo autor, um personagem que carrega até semelhanças
com ícones da contracultura como Sal Paradise (de “On The Road” do Jack Kerouac)
e passa distante do herói bobo que a maioria conhece. Então, leia o livro, pois
vale muito a pena ainda mais nessa caprichada edição.
Nota: 9,0
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