domingo, 30 de outubro de 2016

Séries: "Luke Cage" e "Luther"


No final de setembro a Netflix deu continuidade a relação com a Marvel e estreou a série estrelada por Mike Colter como Luke Cage. O personagem criado por Archie Goodwin, John Romita e George Tuska no início dos anos 70 faz parte do circuito “urbano” da editora e a série vem no encalço de “Demolidor” e “Jessica Jones” (disponíveis na plataforma). Criada por Cheo Hodari Coker, produtor com trabalhos na tevê como “Ray Donovan”, se alterna entre ser uma história de origem e conversar com eventos recentes vinculados as demais produções da Marvel. Além disso investe pesado (e acerta muito nisso) na relação do personagem e da série em si com a cultura do Harlem - onde estão ambientados os episódios - e com a música negra. Por exemplo, todos os 13 episódios são nomes de canções do grupo Gang Starr que mesclava jazz e hip-hop e trazia o falecido rapper Guru como integrante. Após o assassinato da esposa e da relação fracassada com Jessica Jones (exibida na série dela), Cage tenta seguir a vida trabalhando em uma barbearia até que fatos desencadeados pelo gângster Cottonmouth (o sempre competente Mahersala Ali) e a prima Mariah Dillard (Afre Woodard) o fazem surgir como herói, mesmo sem ele querer isso. Fantasmas do passado surgem e os atos que o levaram a ter a pele invulnerável invadem a trama que durante seu percurso inclui a enfermeira Claire Temple (Rosario Dawson, exuberante) e conhecidos dos quadrinhos como Willis Stryker (Erik LaRay Harvey) e Misty Knight (Simone Missick). “Luke Cage” é uma série que apesar dos diálogos meio rasos e sem inspiração alcança seu objetivo e é peça importante dentro desse universo que a Netflix vem criando junto com o Marvel, sendo superior as duas temporadas de Demolidor, mas abaixo de Jessica Jones. Ainda brilha ao colocar a música como parte fundamental em uma trilha que reúne funk, jazz, soul, rap, hip-hop e R&B e exibe apresentações de nomes como Charles Bradley e Method Man (Wu-Tang Clan) para fechar com a grande Sharon Jones e seus Dap-Kings.

Nota: 8,0


O detetive policial que precisa resolver casos da mais complexa e absurda estirpe enquanto tem a vida pessoal brincando na corda bamba a cada hora do dia é um tipo de personagem utilizado com bastante frequência seja no cinema, televisão, quadrinhos ou literatura, mas que costumeiramente rende boas histórias. É o caso de “Luther”, série inglesa da BBC que está toda disponível no Netflix. Como acontece nas produções da emissora as temporadas exibem poucos episódios (são 16 no total de 4 anos), o que serve para deixar a trama mais sintética e assim exercer um poder maior no telespectador. Mesmo usando essa espécie conhecida de protagonista, “Luther” se sobressai pela intensidade com que acontece e pela atuação impecável do elenco, principalmente de Idris Elba que faz o detetive cheio de perturbações, problemas e transtornos que é brilhante no trabalho que praticamente suga toda a sua vida. Luther é o tipo de pessoa que carrega o passado nas costas sempre que sai de casa e no caso dele isso se reflete em todos os casos que resolveu e as pessoas que sofreram com eles. Contudo, Idris Elba não faz disso um fardo que deixe a série como um dramalhão chinfrim, mas assume isso como parte integrante do que faz o personagem existir, sem choro nem vela e muito menos buscas por redenção (por mais que elas estejam encobertas por ali). Criada por Neil Cross (que depois criaria “Crossbones), “Luther” traz bons e calejados atores no elenco como os parceiros de força interpretados por Michael Smiley e Dermut Cowley e novos nomes como Ruth Wilson (que tem uma relação complicada com o detetive) e o parceiro vivido por Warren Brown. Trabalhando entre o nublado e o cinza e tomando atitudes não convencionais durante o caminho (o que faz o telespectador se perguntar com constância se os meios justificam os fins), temos uma ótima série policial que supera os chavões que exibe devido a força e profundidade com que se apresenta.

Nota: 8,5

Assista a trailers das séries:


sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Quadrinhos: "Ghetto Brother, Uma Lenda do Bronx" e "O Legado de Júpiter"


O condado do Bronx no final dos anos 60 e início dos anos 70 não era uma das paisagens mais exuberantes da cidade de Nova York. A violência e a pobreza marcavam o terreno prejudicado por uma série de medidas do governo que levaram a desindustrialização da área e a falta de investimentos externos, culminando assim em desemprego e tudo que isso traz. Para os jovens que lá viviam com suas famílias oriundas de diversas partes da cidade devido ao custo de moradia era praticamente impossível não ingressar em uma das dezenas de gangues que demarcavam os territórios com ferocidade. Em 8 de dezembro de 1971 a cidade estava pronta para uma guerra que o poder público pouco se importava. Mais de 100 líderes se reuniram devido ao brutal assassinato de um integrante dos Ghetto Brothers. Foi quando o líder dessa gangue tomou a palavra e em vez de pregar a violência, pediu a paz aos demais. Um gesto que ao ser acolhido plantou pequenas sementes que por mais que fossem novamente desvirtuadas lá na frente, foram fundamentais para a época. “Ghetto Brother, Uma Lenda do Bronx” conta essa história focada em Benjy Melendez, o imigrante porto-riquenho responsável pelo gesto citado. A graphic novel saiu esse ano pela editora Veneta e traz 128 páginas com extras que explicam mais aquilo que os autores alemães Julian Voloj e Claudia Ahlering se dispuseram a contar. Originalmente publicada em 2015, a obra é um retrato de um período conturbado que traça paralelos com diversas outras situações. A arte em preto e branco é rabiscada e escura expondo bem os momentos que apresentam e apesar da empatia talvez demasiada dos autores pelo personagem principal, é importante para marcar não só questões profundas como a paz, como serve de atestado do início da cultura hip-hop (o grande Afrika Bambaataa é integrante de uma das gangues) que germinaria em um movimento que hoje movimenta milhões e milhões de dólares pelo mundo.

P.S: Os Ghetto Brothers também fizeram (boa) música. Procure o álbum “Power Fuerza” de 1972 e confira.

Nota: 7,0



Uma pergunta recorrente para quem lê quadrinhos com pessoas com superpoderes, alienígenas invulneráveis ou magos quase invencíveis é como seria um mundo governado por eles, um mundo em que eles tomassem para si o poder na base da força e medo. Essa questão desde sempre é explorada, DC e Marvel, por exemplo, a usam em futuros distópicos ou realidades paralelas. Fora das duas gigantes muito já se leu nesse sentido também, com um mundo não só governado por indivíduos imbatíveis como com estes como bala de canhão do governo. Difícil imaginar então que se extraia algo de novo e bom ainda dessas diretrizes, algo que ainda não tenha sido explorado. Mas, Mark Millar (“Kick-Ass” e “Superior”) e Frank Quitely (“Grandes Astros: Superman”) conseguiram. Em “O Legado de Júpiter” os dois autores usam essa normativa para construir uma história que se à primeira vista não apresenta nada de realmente novo reúne tantas e tantas referências que validadas pelas talentosas mentes e mãos da dupla criam uma trama empolgante e cheia de boas ideias. Inserida no universo criado por Millar (o Millarworld), “O Legado de Júpiter” é publicada aqui esse ano pela Panini Books em um encadernado de capa dura com 140 páginas juntando as edições originais de 1 a 5 lançadas entre 2013 e 2015. Millar apresenta um mundo (abrilhantado pela arte sempre magistral de Quitely) que envolve não só aventura e super-heroísmo, mas também questões como família, herança, futuro, responsabilidade, economia e política envoltas com traições, drogas, redenções e golpes drásticos. Com início remetendo a dura crise dos EUA no final dos anos 20 e decorrer dos anos 30, pula para os dias atuais onde o autor aproveita e critica não só o comportamento da sociedade e sua postura, como também quanto pode custar a ambição em detrimento de tudo mais. Ao final da leitura do volume fica aquela ansiedade e vontade de ver logo o que vem pela frente, coisa bem rara de se conseguir.

Nota: 9,0


sábado, 15 de outubro de 2016

Quadrinhos: "Mônica: Força" e “O Inescrito: Tommy Taylor e o Navio Que Afundou Duas Vezes”


A Mônica foi criada por Mauricio de Sousa em 1963 e pouco tempo depois se tornou a principal personagem entre tantos e tantos que habitam as histórias concebidas pelo autor e estúdio no decorrer dos anos. Virou aquele personagem que é impossível não reconhecer de imediato, com vestidinho vermelho, cara emburrada e aqueles dois dentões saltando a vista. Em geral resolve todos seus problemas na base da porrada, seja contra o Cebolinha ou o Cascão, ou com algum invasor alienígena ou vilão que apareça no meio dos quadrinhos. Dentro do projeto Graphic MSP, a turminha já teve duas ótimas releituras (“Laços” e “Lições”), porém era esperada a hora que a dona da rua aparecesse em uma aventura solo. Para fugir do tradicional, essa história denominada habilmente de “Força”, coloca a nossa velha amiga gorduchinha na frente de uma situação que ela não pode resolver na porrada. Cabe lembrar que a Mônica não passa de uma criança e como tal, por mais esperta que seja, ainda não está acostumada a todas as neuroses e orgulhos dos adultos (ainda bem). Para tocar tal enredo o nome escolhido não podia ser mais acertado: Bianca Pinheiro. Sim, a criadora de “Bear” que já chega ao terceiro volume nas bancas e livrarias nesse ano é uma das quadrinhistas em ascensão no mercado nacional e tem a sensibilidade necessária para tocar essa nova edição do projeto Graphic MSP. “Força” mantêm o formato que já nos habituamos com duas edições de capa, texto introdutório de Mauricio de Sousa e texto sobre a primeira aparição da personagem, além de alguns extras. Com 82 páginas traz roteiro e arte de Bianca Pinheiro e explora uma situação que muito provavelmente emocionará a todos que leem e, acima disso, pode levar a enxergar a Mônica com outros olhos, o que é mais importante ainda. “Força” merece o título e acerta a mão na arte e no enredo que é delicadamente conduzido pela autora sem descambar para o piegas.

Nota: 7,5


Foram 66 edições dispostas em 2 volumes entre julho de 2009 e março de 2015. Nesse período Mike Carey (Hellblazer) e Peter Gross (Lúcifer) exploraram nuances diversas e entraram com vontade em estradas forradas pela literatura em “O Inescrito”. Lançada completamente em 12 encadernados aqui pela Panini, a aclamada série é daquelas que suscitam considerações adicionais após a leitura e promovem discussões sobre o caminho e as referências. Ambientada no selo Vertigo e em teoria dentro do mesmo universo de coisas como “Fábulas” de Bill Willingham (tem até crossover no meio das edições), os autores exploram dentro do universo da fantasia a questão da idolatria desmesurada de fãs, assim como a proliferação disso nas mídias, além de versar sobre o poder de manipulação que as histórias possuem e enxertar doses e mais doses de referências a literatura em uma trama envolvente, com ação, mas que não deixa de lado a inteligência. O personagem principal é Tom Taylor, filho do escritor Wilson Taylor, que serviu de base para a criação mais importante dos últimos anos, um pequeno mago chamado Tommy Taylor que vendeu milhões de livros e invadiu brinquedos, games e tudo o mais. Acontece que existem muitas coisas escondidas nessa “inspiração” e a saga trabalha com fantasia e real se cruzando até coexistir, onde Tom é Tommy e vice-versa e precisam lidar com conspirações antigas e vilões nada habituais. “O Inescrito” é claramente calcado em personagens como Harry Potter de J.K. Rowling e Timothy Hunter de Neil Gaiman, além de se correlacionar com diversas outras obras da fantasia. Isso, no entanto, não funciona como plágio e sim como sustentáculo para uma crítica bem realizada. Agora em 2016, a Panini Books publica a graphic novel “O Inescrito: Tommy Taylor e o Navio Que Afundou Duas Vezes” com capa dura, 160 páginas e papel de boa qualidade (LWC). Lançado originalmente em 2013 essa espécie de spin-off desmistifica o início de tudo e é mais um saboroso prato elaborado por Carey e Gross para os leitores de quadrinhos.

Nota: 9,0


segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Popload Festival com Wilco - Urban Stage - 08.10.2016


O que é mágico hoje em dia?

Em tempos tão fúteis, cínicos e de rápido consumo da arte como um todo é muito raro se deparar com algo que realmente mereça a alcunha de mágico. Para a sorte das pessoas e do mundo a música ainda consegue possibilitar momentos que justifiquem essa denominação. E dentro da música, pode-se afirmar com um alto nível de exatidão que a banda estadunidense Wilco tem capacidade de elaborar essa proeza.

O Wilco não vinha ao Brasil desde 2005 onde fez uma única apresentação, sendo que dessa vez desembarcou para três shows: um no Rio de Janeiro e dois em São Paulo. Atração do Popload Festival junto com Bixiga 70, Ava Rocha, Ratatat e The Libertines, o grupo subiu ao palco do Urban Stage na capital paulista exatamente às 20:30 para o que seriam duas memoráveis horas de execuções perfeitas, simpatia e emoção.

Com uma carreira sólida onde possui 10 discos lançados (o mais recente “Schmilco” desse ano), o grupo liderado por Jeff Tweedy está no auge, exibindo perfeição técnica no palco, onde se sente extremamente à vontade e faz até músicas medianas como as do novo álbum crescerem de tamanho. Na quinta, a banda já havia se apresentado sozinha no Circo Voador no Rio de Janeiro e tudo que se ouvia e lia a respeito era extremamente animador para o show do Popload.

Show de festival sempre é diferente, isso é sabido, mas pelo que se viu na noite do dia 8, parece que para o Wilco isso não tem muito a ver. A banda abriu com o riff marcante de “Random Name Generator”, uma das boas faixas de “Star Wars” do ano passado e de lá engatou uma sequência com “The Joke Explained”, “I Am Trying To Break You Heart”, Art Of Almost”, “Either Way” e uma bela versão de “Misunderstood”. Com o público já na mão ali veio com 3 canções do novo registro, o que acalmou um pouco clima, apesar de “Cry All Day” ter ganho força no palco.

Logo depois veio outro bloco de pérolas com “Via Chicago”, uma arrebatadora “Impossible Germany” com direito a show particular do monstro Nels Cline, “Hummingbird”, “Handshake Drugs” e “Side With the Seeds”. “Locator” do trabalho desse ano serviu como passagem para aquela que foi a parte mais elevada de uma apresentação cheia de pontos altos.

Entre outras apareceram “Forget The Flowers”, “Box Full Of Letters”, “Heavy Metal Drummer”, a fantástica “Jesus, etc” e “I Got You (At The End Of The Century)” e “Outtaside (Outta Mind)” em exibição quase surreal, canções do incrível “Being There” de 1996 que encerrou o show antes do Bis. E que Bis! Foram duas canções do “ A Ghost Is Born” de 2004: “Spiders (Kidsmoke)” em seus mais de 10 minutos e “The Late Greats” fechando com o público cantando junto acordados depois do transe coletivo.

Um show, principalmente de festival, não tem na maioria das vezes o impacto de uma exibição solo. O público está lá para ver uma ou outra determinada banda e isso não foi diferente no Popload Festival. Muitos que ali estavam tinham ido ver o Libertines, a dupla caótica formada por Pete Doherty e Carl Barat com a formação original da banda. Outros, estavam ali pelo evento em si, isso é normal. O Wilco então mesmo sendo o melhor show disparado da noite, não envolveu a todos os presentes, no entanto emocionou a maioria dos que lá estavam.

Toda essa experiência positiva também só é possível por conta do cuidado que o Popload Festival tem para o público, o que só melhora a cada ano. Acesso fácil via metrô (distribuíram tickets gratuitamente para o retorno), poucas filas, variedade de comidas, excelente sonorização e sem perrengues. Na questão dos shows além do Wilco, o Bixiga 70 fez o que sabe muito bem ainda na abertura, Ava Rocha pulou do interessante para a chatice algumas vezes, Ratatat não deve ter agradado mais do que 50 pessoas e o Libertines fez um show divertido, pra cima, que remeteu a década passada com mérito, apesar dos erros.

Contudo, como já foi dito, o dono da noite foi o Wilco. A banda ainda viria a fazer mais uma apresentação no dia seguinte para 800 pessoas no Auditório do Ibirapuera em São Paulo, que também ganhou superlativos de todos os lados. Falando em superlativos, eles nunca foram tão válidos para uma banda atualmente quanto nesse caso, mesmo levando em conta todos os exageros. Simplesmente não dá para ver um show do grupo e sair impune. Aqueles que foram ao Popload Festival presenciaram isso, presenciaram a magia acontecendo.

Obs: Fotos retiradas da página oficial do evento (http://www.poploadfestival.com)

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