quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Música: Bob Mould e Dinosaur Jr.


Em 2012 Bob Mould reapareceu de fôlego renovado com “Silver Age”. Não que o antecessor “Life and Times” de 2009 fosse um disco ruim, porém não exibia nada além do (bom) mais do mesmo já conhecido. Após o álbum de 2012 foi a vez de “Beaty & Ruin” em 2014, outro belo trabalho, alimentado em grande parte por brigas internas do artista e o falecimento do pai. Depois do lançamento do disco foi a vez da mãe partir para vislumbrar melhores paisagens e esse é um dos assuntos que dão força para “Patch The Sky”, registro que completa uma espécie de tríade de raiva e fúria que o músico elaborou depois dos 50 anos. Lançado pela Merge Records em março deste ano tem 12 faixas espalhadas em 41 minutos. Todas as músicas são de autoria de Bob Mould que se trancou sozinho por seis meses para compor. O trio formado já algum tempo por ele na guitarra, teclados e vocal, Jason Narducy no baixo e Jon Wurster na bateria está cada vez mais entrosado e o resultado disso é visível e extremamente avassalador. Do início potente de “Voices In My Head”, uma canção que remete a sua antiga banda Sugar, com versos de medo, vazio e solidão, até o final com a escuridão e arrependimento de “Monument” temos o trabalho mais nervoso desses já citados, apesar de estar um pouquinho abaixo em termos mais gerais. Durante o percurso o ouvinte se depara com letras nada fáceis, sem felicidade aparente surgindo no horizonte, recheado com questionamentos dos mais diversos. Destaques ainda para as envenenadas guitarras de “The End Of Things”, os ecos de Hüsker Dü em “You Say You” e “Pray For Ruin” e a urgência juvenil de “Hands Are Tried”. Aos 55 anos, Bob Mould mostra com “Patch The Sky” que ainda tem muita lenha para queimar e muitas questões para serem exorcizadas através da música.

Nota: 8,0

Site oficial: http://bobmould.com 


Namore com alguém que nunca te decepcione, assim como o Dinosaur Jr. Sim, utilizando o meme da internet, dá para descrever de modo simplificado a banda de J. Mascis, Lou Barlow e Emmett Murph, que desde a estreia em 1985 lança discos no mínimo bons, independente dos integrantes a época. A formação original que voltou com “Beyond” em 2007 apresenta um novo trabalho agora em 2016. “Give a Glimpse Of What Yer Not” tem lançamento pela gravadora Jagjaguwar, casa da banda desde 2009 e apresenta 11 faixas em 46 minutos com mixagem do grande John Agnello que já havia cuidado do “Farm” de 2009 e tem no currículo álbuns com Sonic Youth, The Breeders e Buffalo Tom. O décimo-primeiro registro de estúdio da carreira abre com a distorção alta de “Goin Down”, de pegada precisa e vocal de Mascis adocicando a letra repleta de dúvidas e perguntas. “Tiny” vem na sequência - uma das grandes músicas do ano - e até o final do disco com “Left/Rigth” cantada por Barlow com o uso de violões em uma canção que quebra e retorna de modo constante, o Dinosaur Jr. prova que está em grande forma. Barlow canta mais outra sua (“Love is...”) e Mascis vai intercalando grandes momentos seja na guitarra caótica de “I Told Everyone”, no flerte com o metal de “I Walk For Miles”, no pop raro de “Lost All Day” ou na densa “Mirror". Em uma carreira que tem obras como “You´re Living All Over Me” (1987), “Where You Been” (1993) e “Beyond” (2007), esse “Give a Glimpse Of What Yer Not” não fica devendo em nada e faz bonito com canções mais curtas e com melodia e ferocidade se alinhando em uma intensa relação de amor, fazendo assim com que depois de tantos anos o Dinosaur Jr. ainda consiga manter sua chama muito acesa.

Nota: 9,0

Site oficial: http://www.dinosaurjr.com 

Textos relacionados no blog:

- Música: “Farm” de Dinosaur Jr. (2009)
- Música: “Several Shades Of Why” de J Mascis (2011)
- Música: “District Line” de Bob Mould (2008)
- Musica: “Silver Age” de Bob Mould (2012)

Assista Bob Mould ao vivo com "The End Of Things" na KEXP:


Assista o Dinosaur Jr. com "Tiny" ao vivo no programa do Jools Holland:


sábado, 20 de agosto de 2016

Quadrinhos: “Esquadrão Suicida: Chute na Cara” e “Tom Strong: A Origem”


Como é de costume quando um filme que tem os quadrinhos como matéria-prima chega a telona, as bancas recebem novas edições com esses personagens em destaque. Não seria diferente com o Esquadrão Suicida que estreou filme no Brasil no início de agosto. Um pouco antes disso a Panini Comics colocou no mercado o encadernado “Esquadrão Suicida: Chute na Cara”, com 160 páginas e capa dura que reúne as edições originais de 1 a 7 do grupo publicadas nos EUA entre novembro de 2011 e maio de 2012. Essas histórias já haviam sido lançadas aqui em revistas anteriores, mas agora aparecem juntas e dão uma amplitude maior para as ações e dilemas dos vilões que são forçados a serem heróis para diminuir um pouco a pena. O Esquadrão Suicida teve origem no final dos anos 50, mas a roupagem que ficou conhecida é a da metade dos anos 80 quando o quadrinhista John Ostrander resolveu utilizar supervilões para ingressar na Força-Tarefa X sobre o comando de Amanda Waller. É essa roupagem que é recontada nesse volume que engloba o time dentro do projeto “Novos 52” da DC Comics e conta com roteiro de Adam Glass (da série televisiva “Supernatural”). Nesse novo início lá estão Pistoleiro, Arlequina, El Diablo, Voltaico, Aranha Negra e Tubarão-Rei, recrutados a duras provas para um resgate no meio de uma multidão ensandecida. Depois outros vilões entram e dão sequência para que ainda exista um controle de rebelião e uma caçada a um dos seus. Um dos pontos altos do Esquadrão Suicida sempre foi o confronto de personalidades e desejos dos integrantes e Adam Glass faz isso muito bem, deixando a trama com bons picos de ação e drama intercalados. Único ponto a se questionar dessa edição é a arte, que por passar na mão de vários desenhistas como Federico Dallocchio, Scott Hanna e Clayton Henry, acaba sendo inconstante e não ajuda muito.

Nota: 7,5


Alan Moore criou Tom Strong em 1999 junto com Chris Sprouse durante o tempo em que ficou na WildStorm, uma espécie de selo alternativo da DC Comics. O autor de obras como “Watchmen” e “V de Vingança” concebeu um personagem de aventura com a ciência em nível de igualdade com as habilidades físicas. Criado dentro de um silo pelos pais em uma ilha distante e obscura, pois assim não teria contato com os males da humanidade antes de ser forte o suficiente e não teria dessa maneira o julgamento comprometido, ele emerge depois de um acidente na ilha e com a ajuda dos habitantes locais e seu alto nível de inteligência realiza várias proezas técnicas antes de partir para o mundo de verdade, mais precisamente para a ficcional Millenium City na costa oeste dos EUA. A série que já havia sido publicada aqui no Brasil antes pela Devir e pela Pixel (mas nunca de maneira completa), agora ganha novo lançamento pela Panini Comics, com a promessa de ir até o final. “Tom Strong: A Origem” é um encadernado com 212 páginas de capa cartonada e alguns esboços como extras, reunindo as edições 1 a 7 que chegaram nas bancas dos EUA entre junho de 1999 e março de 2000.  A história começa com um garotinho lendo a história do nascimento de Tom Strong em uma revista e vai alternando entre fatos do passado e do presente, conduzidos ricamente por Alan Moore que joga diversas referências das épocas de ouro e prata dos quadrinhos, assim como da literatura pulp do começo do século passado. Os desenhos de Sprouse auxiliados pela arte final de Alan Gordon são limpos e claros e comungam dessas mesmas referências. Nos relançamentos que a Panini vem apresentando nos últimos anos, Tom Strong é um dos mais interessantes. As aventuras e confrontos do protagonista em conjunto com a esposa, a filha, um esperto robô e um gorila com alto nível de inteligência, remetem a missão pioneira dos quadrinhos que é divertir a quem lê.

Nota: 8,0 


sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Quadrinhos: “Elektra: Linhagem Assassina” e “The Shaolin Cowboy: Buffet de Shemp”


Na metade de 2014 a Marvel resolveu novamente dedicar uma revista mensal para a personagem Elektra, criada pelas mãos de Frank Miller no início dos anos 80. A assassina que coleciona idas e vindas nos quadrinhos desde que foi criada, dessa vez teve o recomeço através do roteirista W. Haden Blackman (Batwoman) e do artista Michael Del Mundo (Hulk). Essa nova inserção não foi bem sucedida e não chegou a durar nem um ano (foram só 11 edições), sendo que a Panini Comics juntou as 5 primeiras revistas em um encadernado com capa cartonada de 116 páginas agora em 2016. “Elektra: Linhagem Assassina” apresenta a Sra. Natchios tentando seguir em frente finalmente assumindo aquilo que faz de melhor que é matar pessoas. Para tanto procura uma contratante chamada Casamenteira que lhe encaminha um serviço nada simples: encontrar um lendário assassino de nome Corvo Encapuzado. Elektra aceita a missão e parte atrás desse fantasma enquanto procura acalmar os próprios sentimentos e os seus problemas de cabeceira que ainda lhe atormentam muito. No meio dessa busca se depara com vários outros assassinos, mas principalmente um australiano que ao comer pedaços de pessoas e animais ganha os poderes e lembranças da vítima. “Elektra: Linhagem Assassina” pode ser considerada uma tentativa válida de reativar a personagem que agora deu as caras na segunda temporada da série do Demolidor na Netflix (ainda que bem diferente da tradicional) depois de aparecer no filme do personagem lá de 2003. Contudo, fica somente nisso, em uma tentativa. O roteiro que flerta com o sobrenatural é raso e não empolga e o real mérito da história fica apenas na bela arte do filipino Michael Del Mundo, o que ainda assim é bem pouco.

Nota: 5,0


Geoff Darrow nasceu no estado de Iowa nos Estados Unidos em 1955. Na carreira como designer e artista gráfico, além de quadrinhista, tem trabalhos na Hanna-Barbera e na trilogia “Matrix”, assim como parcerias com os craques da nona arte Moebius e Frank Miller. Em 2004 criou o personagem Shaolin Cowboy, um monge que é expulso do templo porque armaram contra ele em “questões nutricionais”. De porte avantajado com uma barriga que salta aos olhos e sem o menor estilo de lutador, mas com ensinamentos também de um velho cowboy dentro da cabeça além do kung-fu, essa ímpar figura se mete quase que sem querer no meio de estapafúrdias confusões. A Editora Mino lançou recentemente um belíssimo encadernado de capa dura, com papel couchê e vários mimos contando uma história desse singelo protagonista. “The Shaolin Cowboy: Buffet de Shemp” tem 136 páginas e é a versão nacional da publicação da Dark Horse de 2015. Antes de entrar na história o leitor é apresentado aos fatos até ali, que envolvem além do nonsense e surreal que permeia o personagem, a uma vasta gama de trocadilhos e sátiras com nomes variados, principalmente políticos como Donald Trump, Sarah Palin e Dick Cheney, essas vergonhosas personalidades. A trama é simplíssima e quase não tem diálogos. Depois de mais uma aventura impossível, ele escapa e acaba no meio de um deserto e para sua surpresa se depara com uma multidão de zumbis que precisa enfrentar usando apenas duas serras elétricas amarradas a um pedaço de bambu. O primordial do álbum é a arte de Darrow, e esta é fenomenal. Com o auxílio das cores do premiado Dave Stewart, o autor esbanja detalhamento e humor em cenas de ação que mais parecem uma dança coreografada. Autores do porte de Frank Quitely, Mike Mignola, Walter Simonson e Sergio Aragonés são fãs confessos de Geoff Darrow e com essa publicação da Mino finalmente dá para se entender mais a razão disso.

Nota: 9,0

Site oficial do autor: http://geofdarrow.com 



quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Séries: "Stranger Things"


Ano: 1983. Local: Hawkins, uma pacata cidade dos Estados Unidos sem muita coisa diferente de tantas outras iguais espalhadas pelo país. Hormônios em ebulição nos adolescentes, crianças brincando de RPG e lendo quadrinhos, pais querendo ter o mínimo possível de mudança na vida, nada muito longe do comum e rotineiro. A única situação distinta é que nos arredores da cidade, perto de uma grande floresta há uma instalação governamental que supostamente tem como foco o trabalho com energia. Supostamente.

Dia 15 de julho estreou no Netflix a série “Stranger Things” idealizada e concebida pelos irmãos Ross e Matt Duffer, os Duffer Brothers. Os 8 episódios dessa primeira temporada (ainda não há confirmação de uma segunda, mas provavelmente acontecerá) caíram no gosto de milhares de espectadores e o boca a boca em cima da produção, fez só crescer mais o interesse. Ou seja, virou hype de uma hora para outra. Os criadores, apaixonados pelos anos 80, fizeram um trabalho alinhado com o que acontecia na época não só do lado cultural, mas do lado político e social.

Olhar para os anos 80 com nostalgia não é algo intrínseco somente aos irmãos Duffer. Tanto no cinema, quanto em outras searas, vez ou outra aparece alguma obra que se inspire na época. Exemplos recentes disso são o ótimo filme “Super 8” de J.J. Abrams de 2011 ou o livro “Jogador No. 1” de Ernest Cline. A trama tem início quando o jovem Will Byers (Noah Schnapp) some misteriosamente a caminho de casa depois de uma partida de RPG com os amigos e enquanto a cidade inteira se posiciona na busca pequenos mistérios vão pingando aqui e ali, dando a deixa para os criadores usarem vastas referências.

A lista de referências é tão extensa que algumas não se consegue pescar logo de saída. Lá estão desde filmes leves como “Os Goonies”, “E.T - o Extraterrestre” e “Conta Comigo” a outros de terror e ficção científica como “Alien, o 8º Passageiro” e “Poltergeist”. A trilha sonora é outra grande sacada, mesmo tendo uma baba ou outra no meio como Toto e Foreigner, enfileira sons de Joy Division, The Smiths, Echo And The Bunnymen, The Clash e David Bowie. Inclusive, uma das boas falas é quando Jonathan Byers (Charlie Helton) fala para o irmão que essas músicas podem mudar a vida dele (lembrou de “Hora de Voltar”?).

Pelo hype em cima da série engana-se quem pensa que ela seja somente um pastiche saudosista e prazeroso, ou ainda resida somente nas homenagens dos criadores para obras que tenham afinco. “Stranger Things” se sustenta acima disso. Claro que essas correlações são importantes e geram discussões pela internet, aumentando o interesse, contudo mesmo se deixarmos essas questões de lado temos uma série muito superior à média nessa primeira temporada, mesclando humor, terror, fantasia, aventura e suspense de modo singular.

Os blocos separados funcionam sozinhos ou em função do todo. Temos o trio de garotos que acha a garota especial, temos os irmãos mais velhos passando pela adolescência e tudo que isso acarreta, temos o xerife angustiado que vê o passado lhe assombrar, temos a mãe a flor da pele que vê o mundo ruir ainda mais do que imaginava, além de outros focos menores. Todos, sem exceção, não apresentam excessos que deixe a trama insossa, ainda mais com as exuberantes interpretações para Joyce Byers (Winona Ryder), Eleven (Millie Bobby Brown) e Dustin Henderson (Gaten Matarazzo).

Na sequência de acertos que o Netflix vem enfileirando um atrás do outro, talvez “Stranger Things” seja o maior. Série razoavelmente curta, que assim não tem episódios para encher linguiça ou passagens demasiadamente arrastadas, e, ponto principal, com potencial para agradar todo e qualquer tipo de público. De criança a velho, passando por adolescentes e jovens adultos, homem ou mulher, alienado ou crítico, moderninho ou velho nerd. “Stranger Things” crava a Netflix como a grande casa das boas séries atuais e, mais importante que isso, mostra que qualidade e aceitação pública podem sim andar de mãos dadas.

Nota: 9,5

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Assista a um trailer legendado: