domingo, 31 de julho de 2016

Quadrinhos: "O Diabo e Eu" e "Patrulha do Destino: Rastejando dos Escombros"


Robert Johnson faz parte daquele seleto grupo de músicos que quando você ouve dá para perceber os sentimentos em volta da composição e execução, transparece ali na hora. No caso dele toda a dor, o sofrimento, a angústia, a tristeza, a tenacidade, o orgulho, a coragem, o álcool. É complicado passar imune a execução das suas canções. Ao escutá-lo pela primeira vez, o quadrinhista e também músico Alcimar Frazão deve ter sentido tudo isso, o que o levou a anos depois prestar uma homenagem a esse ícone do blues que faleceu ainda moço aos 27 anos, mas com muitas histórias e lendas circulando ao redor. “O Diabo e Eu” ganha nova edição caprichada da editora Mino com 64 páginas em preto e branco, lembrando que já havia sido lançada anteriormente em 2013, mas a pequena tiragem inicial foi esgotada. A Mino estendeu a obra, deu um visual mais bonito e ainda preencheu o final com páginas extras sobre o assunto do álbum pelas mãos de artistas como Lourenço Mutarelli, Diego Sanchez, Shiko e Fábio Cobiaco. Mas, que assunto seria esse? Bom, o tema de “O Diabo e Eu” é a lenda mais forte que circunda Robert Johnson. Diz ela que o músico teria feito um acordo com o próprio tinhoso em uma encruzilhada do Mississipi oferecendo a alma em troca da habilidade musical. Essa história que já foi contada mil vezes, além de recortada, ampliada, desvirtuada e travestida em várias mídias é o mote que Alcimar Frazão usa para fazer um trabalho mudo, de arte extremamente cuidadosa e impactante. Fora isso ousa suscitar novas visões em torno de Johnson, o inserindo mais dentro da briga contra o racismo além de sugerir que o capiroto teve participação maior na vida dele do que só na música. Será?

Nota: 7,0


A Patrulha do Destino é uma criação de Arnold Drake, Bob Haney e Bruno Premiani em meados dos anos 60. Um grupo de potenciais heróis que desvirtuavam absurdamente do cenário da época. Seus membros são desajustados, renegados ou estão a um passo de cair em um precipício. Para melhorar, o chefe do time é um cientista irascível, de difícil conversa e preso a uma cadeira de rodas, o que o deixa mais bruto ainda. O grupo era o lado b da DC Comics (apesar do sucesso inicial). No entanto, nem que fosse pela estranheza ou pelo fato de não ser igual os demais heróis da editora, a Patrulha angariou fãs e um deles foi Grant Morrison. Em 1988 ainda distante do status (merecido) de mestre que hoje lhe direcionam, aceitou cuidar das edições mensais da revista, mesmo assoberbado. O primeiro arco dessas histórias a Panini Comics publicou por aqui no início do ano em um encadernado com 196 páginas chamado “Patrulha do Destino: Rastejando dos Escombros” contendo as edições 19 a 25 publicadas em 1989. Com arte de Richard Case e Scott Hana, Morrison conseguiu não só revitalizar a trupe como cravar uma fase que até hoje pode ser considerada como uma das melhores. Com todo o arcabouço de referências que costuma utilizar, o escocês maluco se aproveitou de uma saga da época chamada “Invasão” e pediu que vários membros fossem mortos, voltando assim basicamente aos personagens iniciais. A primeira das edições contida no encadernado se passa principalmente em alas de hospitais e aí já vemos todas as peculiaridades que irão se apresentar enquanto brigam com vilões bem diferentes do usual. Entre um homem que para não morrer teve o cérebro aprisionado em um robô e não consegue viver com isso, um jovem que é fundido a uma doutora para gerar um ser de energia, um herói que não quer ser herói e uma mulher que sofre com 64 múltiplas personalidades, não dá para se esperar histórias comuns realmente. Isso na mão de um autor como Morrison é mais que prato cheio e “Patrulha do Destino: Rastejando dos Escombros” é o tipo de quadrinho que desmonta qualquer teoria ridícula sobre a qualidade desse tipo de arte, resultando em um compêndio de histórias inteligentes e retumbantes.

P.S: Só a qualidade do papel que podia ser melhor.

P.S: A Panini já lançou dois outros volumes com a sequência dessas histórias que são tão recomendáveis quanto o primeiro.

Nota: 9,0


quinta-feira, 28 de julho de 2016

"O Gigante Enterrado" - Kazuo Ishiguro


Kazuo Ishiguro nasceu em Nagasaka no Japão no ano de 1954, ainda com a segunda guerra mundial recente e exercendo extremo impacto na região. Mudou-se para a Inglaterra aos 5 anos onde depois virou escritor e abocanhou prêmios importantes como o Booker Price em 1989. Entre seus livros mais conhecidos estão “Os Vestígios do Dia”, “Noturnos” e “Não Me Abandone Jamais”. A obra mais recente é do ano passado, se chama “O Gigante Enterrado” (The Buried Giant, no original) e recebeu edição nacional também em 2015 pela Companhia das Letras.

Com 400 páginas, tradução de Sonia Moreira e um belo projeto gráfico a obra é o primeiro trabalho elaborado nos últimos dez anos e apresenta o autor se aventurando com coragem e ambição para caminhos novos na sua literatura. Alguns temas recorrentes marcam presença em “O Gigante Enterrado” como a relação de medo e receio dos personagens com o passado, o amor vinculado como importante moeda e a relação de cada um com a própria memória. Contudo, isso é embebido de muita fantasia e recursos fantásticos.

Situado na Inglaterra, provavelmente entre os séculos V e VI, anos após a época arturiana e os confrontos entre bretões e saxões, o livro apresenta Axl e Beatrice, um casal de velhinhos que mora em uma aldeia como tantas outras, mas que nos últimos tempos tem sofrido nas mãos dos próprios vizinhos e das regras da comunidade. Isso só alimenta mais a vontade que o casal possui de sair da aldeia em busca do lar do filho que não veem há muito tempo. E é isso que ocorre.

Só que nem tudo é simples e fácil, uma vez que uma estranha névoa permeia os céus e faz com que os habitantes não consigam lembrar do passado e esqueçam rapidamente até coisas feitas horas antes. Adentrar o percurso correto então vira uma intrincada tarefa que durante o desenrolar faz com que o casal se depare com criaturas lendárias, assim como outras pessoas que acabam sendo inseridas na jornada como um jovem e um hábil guerreiro, além do sobrevivente cavaleiro da Távola Redonda, Sir Gaiwan.

Depois de paquerar um pouco com a ficção científica em “Não Me Abandone Jamais”, Ishiguro agora assume um namoro com a fantasia e a usa como escape para fazer delicadas e sutis analogias e metáforas sobre memória, amor e morte. No bojo da trama temos um dragão e alguns ogros, fadas, duendes e magos, porém a correlação com obras famosas que exploram as mesmas coisas como as de Tolkien e George R. R. Martin fica somente na ambientação, já que os temas explorados e o tom da narrativa são inteiramente distintos.

“O Gigante Enterrado” além de um livro enternecedor e extraordinário, talvez o melhor da carreira do autor até aqui, é um trabalho construído com audácia e ousadia por Kazuo Ishiguro, que sai bastante da seara que está acostumado a trabalhar. Como seria bom se isso ocorresse com mais escritores por aí, que abdicassem do conforto e buscassem novos rumos, novas ideias, novas sensações. “O Gigante Enterrado” é o tipo de livro que merece ficar com destaque na sua biblioteca, nada é mais justo que isso.

Nota: 9,5

Facebook do autor: http://www.facebook.com/KazuoIshiguro 

A Companhia das Letras disponibilizou um trecho para leitura, aqui.

sábado, 23 de julho de 2016

Séries - "The Blacklist"


Elizabeth Keen (Megan Boone) é uma agente do FBI que foi treinada para a construção de perfis. Tem uma vida até certo ponto tranquila e com as mesmas aspirações da maior parte da sociedade. É casada com Tom Keen (Ryan Eggold), um carismático e doce professor, com o qual tem planos de adotar uma criança em um futuro próximo. Terminado o treinamento, ela vai sair para o primeiro dia de trabalho quando helicópteros e carros param na frente da sua casa para uma missão especial. E a partir daí a vida nunca mais será a mesma.

“The Blacklist” é uma série policial que mistura drama e ação em doses iguais. Produzida pela NBC e criada por Jon Bokenkamp (roteirista dos medianos filmes “Roubando Vidas” e “Chamada de Emergência”) já chegou a três temporadas (uma quarta inicia agora em setembro) angariando boas críticas e recepção afetuosa do público. Ao todo até agora são 67 episódios. Aqui no Brasil a série já foi exibida pelo Canal Sony, começou a passar na Globo e hoje está no AXN e no Netflix (todas as temporadas).

Quando Elizabeth Keen parte em direção a uma força-tarefa especial, ela nunca imaginaria o tanto que a vida como conhecia não passava de uma farsa. Isso tudo é iniciado quando Raymond “Red” Reddington (James Spader de “Sexo, Mentiras e Videotape) aparece na sua frente dentro de uma espécie de prisão. Ele é um dos criminosos mais procurados do mundo que do nada se jogou nos braços do FBI oferecendo ajuda para construir casos sobre assuntos pesados e importantes, desde que pudesse trabalhar com Keen.

Os interesses de Raymond são completamente obscuros nesse momento e só vão se revelando parcialmente no decorrer da série. Qual a relação com a agente Keen é o questionamento que guia a trama adiante e vai oferecendo recortes de outros dramas de pessoas ligadas a eles. Funcional no quesito ação e com saídas inteligentes e não tão óbvias como a maioria das séries policiais, “The Blacklist” apresenta um James Spader em uma forma que há tempos não víamos, resgatando uma carreira que parecia já acabada e ganhando até indicações para prêmios como o Globo de Ouro.

Com diretores acostumados a televisão como Michael W. Watkins (“Arquivo X”), Steven A. Adelson (“Helix”) e o também ator Andrew McCarthy (“Orange Is The New Black”), a série apresenta participações especiais de atores conhecidos ao longo das três temporadas como Ron Perlman e Famke Janssen e conta com um elenco de apoio em sua maioria bem entrosado e com brilho próprio. Tendo a atuação de James Spader como esteio e alicerce geral, “The Blacklist” consegue chegar com muito fôlego ao final da terceira temporada e ainda com boa promessa para mais uma.

P.S: Outra coisa que vale bem na série é a trilha sonora. Corra atrás.

Nota: 7,5

Assista a um trailer legendado:

sábado, 16 de julho de 2016

Literatura: "Selva de Gafanhotos" e "Autoridade"


Uma pequena cidade do estado de Iowa nos Estados Unidos pode ser a responsável por desencadear o final do mundo como conhecemos. Aliás, pequena não, seria elogio chamar Ealing de pequena. É uma cidade que desde que uma antiga empresa cessou as atividades está só sumindo cada vez mais. É lá que mora o jovem Austin Szerba, descendente de poloneses, que tenta suportar a vida andando de skate e com a companhia do melhor amigo Robby Brees e da namorada Shannon Collins. Porém, tudo ganha outros contornos quando os dois amigos se deparam com vários objetos esquisitos dentro da sala de uma loja de antiguidades. Junte-se isso a uma desavença com outros garotos, um bom tanto de estupidez e algum azar, que o fim do mundo tem seu início. Esse é o argumento geral de “Selva de Gafanhotos” (Grassopper Jungle, no original), livro de Andrew Smith que a editora Intrínseca colocou no mercado nacional no ano passado com 352 páginas e tradução de Edmundo Barreiros. O autor tem vários romances juvenis como “A Cura Invisível” e “A Lente de Marbury” e navega tranquilamente por esses mares. O incidente resulta na liberação de uma cepa que transforma seres humanos em insetos parecidos com Louva-a-deus, mas de 1,80m cada. O que se desenrola a partir daí é a luta pela sobrevivência e o caminhar de ações cada vez mais surreais, enquanto Austin e Robby vão descobrindo pouco a pouco mais sobre os fatos que envolvem cientistas malucos, experimentos para o governo e muito narcisismo. No pano de fundo estão todas as dúvidas adolescentes em relação a amor e sexo, embalados com bom humor e Rolling Stones. “Selva de Gafanhotos” apresenta um autor que sabe muito bem onde pisa e utiliza todas as ferramentas a disposição para agradar ao público que se direciona. Contudo, não consegue ir além do razoável e não acrescenta nada de novo a essa categoria de literatura.

Nota: 5,5

Site do livro com capítulo para leitura:


Quando se termina a leitura de “Aniquilação”, o primeiro livro da trilogia “Comando Sul” do escritor Jeff Vandermeer, a expectativa para a continuação é bem boa. “Autoridade” (Authority, no original) é essa sequência. Originalmente publicado em 2014, ganhou edição tupiniquim no ano passado pela editora Intrínseca com 384 páginas e tradução de Braulio Tavares. Os fatos narrados no livro são diretamente posteriores ao fracasso da expedição de número 12 contado antes. O desastre com que resulta mais essa missão dentro da área explorada pelo governo com o intuito de descobrir razões e porquês é o suficiente para que um novo diretor seja indicado para a instalação. John Rodriguez (mais conhecido como “Controle”) é esse agente. Com uma missão no mínimo indigesta, sem contar com a colaboração dos seus subordinados e um passado pesado dentro da mochila que carrega nos ombros, as chances de sucesso não são nada animadoras. Se em “Aniquilação” a aventura guiava a trama dentro dos aspectos da ficção científica, em “Autoridade” o drama e o terror psicológico é que tomam a frente. Jeff Vandermeer vai aos poucos soltando novas revelações sobre o que realmente representa a Área X ao mesmo tempo que insere novos questionamentos e receios dentro do jogo. O autor cria uma atmosfera psicológica tão pesada que o medo e o terror daquilo não anunciado servem como combustível suficiente para tocar a trama, apesar de isso acontecer em um ritmo menor e mais cadenciado. Nesse novo volume da trilogia temos uma guinada importante não somente de caminhos propostos pelo roteiro como também de estilo, sem deixar que o leitor perca o interesse. Porém, a qualidade total da série fica condicionada ao seu término com “Aceitação” (já lançado por aqui), já que esta não consegue funcionar bem individualmente como percebe-se agora em “Autoridade”. A conferir.

Nota: 7,0

Site do livro com capítulo para leitura:
http://www.intrinseca.com.br/comandosul/autoridade 

sábado, 9 de julho de 2016

Quadrinhos: "Quadrinhos Insones" e "Kings Watch: Defensores da Terra"


“Quadrinhos Insones” é o terceiro lançamento do quadrinista Diego Sanchez pela Editora Mino. Antes haviam sido publicados “Hermínia” e “Perpetuum Mobile”. Com acabamento em brochura, ótimo tratamento gráfico (com direito até a capa que brilha no escuro), em preto e branco e 96 páginas é uma coletânea que reúne trabalhos publicados online desde meados de 2012. Mostra um autor experimentando, atrás de encontrar a própria linguagem e expressão, mas que já apresenta alguma consolidação nos temas que aborda nas tiras e páginas. Com um traço rabiscado e minimalista, explora diversos formatos possíveis dos quadros nas folhas, adicionando um humor cínico e autodepreciativo para invadir temas como solidão, amor, sexo, tristeza e relacionamentos, sempre a explorar pequenas brechas abertas do cotidiano que não são notadas na correria diária. Mas, na verdade, o principal tema exposto em “Quadrinhos Insones” e que direciona melhor esse compêndio é a solidão. Não aquela solidão espelhada e com aspecto mais tradicional, mas sim a solidão disfarçada dos dias atuais de milhares de contatos via redes sociais, mas sem aprofundamento algum. Aquela solidão que te incute a noite em casa mesmo depois de passar o dia conversando com pessoas e mais pessoas no meio da rua. Aquela solidão que faz com que tudo seja impessoal demais para valer a pena realmente. Some-se a isso o cinismo da maioria das relações dos nossos dias, tanto amorosas, quanto profissionais ou rotineiras e temos montado na mesa o campo explorado com maior qualidade por Diego Sanchez. “Quadrinhos Insones” é a perfeita concepção de um trabalho underground, sem formas pré-definidas ou visualizações comuns que ganha amplitude na divulgação via internet, mas que se consolida mesmo como parte integrante desse novo e interessante momento do quadrinho nacional a partir desse lançamento.

Nota: 7,0



Os céus são tomados por luzes estranhas resultando em um fenômeno que por mais que as agências governamentais procurem entender e processar não há explicação visível. As pessoas são tomadas por pesadelos instigando o caos e repletos de criaturas estranhas. Será o apocalipse surgindo? O mundo vai acabar? No meio desse cenário de incerteza e pânico é que o roteirista Jeff Parker insere a minissérie “Kings Watch: Defensores da Terra”, primeira reunião de 3 famosos personagens da King Features Syndicate, empresa criada há mais de 100 anos. Hoje, Flash Gordon, Fantasma e Mandrake estão com os direitos de publicação nas mãos da Dynamite Entertainment, a responsável por essa reunião. A editora já havia lançado aventuras individuais do Flash Gordon e do Fantasma, mas ao juntar o trio remete a série animada dos anos 80 que já mostrava os heróis na batalha contra o mal. Originalmente a minissérie saiu nos EUA entre setembro de 2013 e janeiro de 2014, sendo que agora a Mythos Books em um trabalho primoroso (como é de costume) faz essa compilação em um álbum de luxo, com capa dura e extras que vão de capas alternativas e esboços de personagens a trechos da criação e do roteiro. Com arte de Marc Laming e cores de Jordon Boyd, os clássicos personagens acabam se interligando meio sem querer para resolver um problema maior que o pânico indica, já que o culto armado intitulado Cobra está se armando de artefatos específicos para que Ming, o imperador do planeta Ming invada e conquiste a Terra. “Kings Watch: Defensores da Terra” é uma aprazível e espirituosa aventura que tem como maior distinção fazer com que personagens tão antigos, que galgaram tantos e tantos para a paixão pelos quadrinhos, ainda consigam soar interessantes hoje em dia. Os criadores Lee Falk (Mandrake e Fantasma) e Alex Raymond (Flash Gordon) ficariam orgulhosos disso.

Nota: 8,5


domingo, 3 de julho de 2016

Quadrinhos: "Bizarro" e "Coltrane"


Vez ou outra algum personagem passa por uma reviravolta e ganha nova roupagem, ainda que preservados os pontos principais. Foi o que aconteceu com o Bizarro nas mãos do roteirista Heath Corson e do artista brasileiro Gustavo Duarte (de “Monstros” e “Chico Bento: Pavor Espaciar”). Essa fase de um dos vilões mais conhecidos do Superman feita pela DC com grande liberdade criativa aos autores chega ao Brasil pelas mãos da Panini Comics em um encadernado de 148 páginas. Estão reunidas as edições 1 a 6 publicadas originalmente nos EUA entre julho de 2015 e janeiro de 2016, além de uma breve edição especial. Com boa dose de extras e “participações especiais” de artistas do quilate de Bill Sienkiewicz, Kelley Jones, Tim Sale, Rafael Albuquerque, Fábio Moon e Gabriel Bá, a hq é diversão na certa. Bizarro é uma espécie de Superman ao contrário, que fala de modo estranho, expõe seus pensamentos de modo invertido e toma ações pelo avesso do que nós entendemos como corretas, contudo tem basicamente a mesma força e poderes do homem de aço. Na trama concebida por Heath Corson, ele só deseja ser um herói, só que toda vez que entra em ação causa mais estrago do que benefícios e isso deixa cada vez mais preocupados os cidadãos e as autoridades de Metrópolis. É quando entra em cena o fotógrafo Jimmy Olsen que resolve retirar esse bondoso atrapalhado das ruas entrando em uma road trip para o Canadá, algo como os “Estados Unidos Bizarro”. Os interesses de Jimmy Olsen são outros, mas durante a jornada que reúne várias provações e momentos engraçadíssimos, as coisas mudam. A arte de Gustavo Duarte é eficientíssima, espalhando humor pelas páginas na mesma quantidade que arremessa as já tradicionais referências no meio do caminho, uma das características do seu trabalho. “Bizarro” é para dar uma folga no dia a dia, esquecer um pouco os problemas e soltar algumas risadas descompromissadas. 

Nota: 7,5


John William Coltrane é um dos grandes músicos de jazz de todos os tempos. Talvez, o maior sax tenor que já existiu. Falecido em 17 de julho de 1967 aos 40 anos deixou no meio de uma extensa discografia verdadeiras obras-primas como os álbuns “Giant Steps” (1960) e “A Love Supreme” (1965), além de fazer parte da magnífica banda que tocou no clássico “Kind Of Blue” (1958) de Miles Davis. O artista italiano Paolo Parisi resolveu homenagear o músico e contar um pouco da sua história usando os quadrinhos, o que resultou na graphic novel “Coltrane”, publicada originalmente em 2009 e com edição nacional a partir do início de 2016 pelas mãos da Editora Veneta. Com 128 páginas, em preto e branco, com um traço simples e discreto e uma capa muito bonita, o álbum narra de modo aleatório fatos da vida do músico que envolvem tanto a infância quanto o final da vida e abrangem temas como racismo, arte, amizade, drogas e paixões. As histórias são divididas em quatro partes: Acknowledgement, Resolution, Pursuance e Psalm, justamente o nome das faixas do disco “A Love Supreme”. Essa montagem sem ordem cronológica é além de uma deferência ao registro, uma correlação com o experimentalismo que guiou boa parte da carreira do saxofonista, e serve também como uma sucinta história das décadas em que se ambienta. A obra concebida por Paolo Parisi funciona não somente para aqueles que conhecem a música de Coltrane, mas também como porta de entrada para essa, o que acaba sendo mais interessante ainda. De personalidade introspectiva e complexa, com uma vida curta repleta de abalos e muito talento e criatividade, o músico é matéria-prima que transborda para esse tipo de empreitada. Certa vez, o crítico norte-americano Nat Hentoff disse que a única coisa que se podia esperar de Coltrane era o inesperado. Nada mais justo. O álbum de Paolo Parisi é justamente uma passagem para esse inesperado. Curta a viagem e depois escute a música.

Nota: 8,5

Site do autor: http://www.m-o-n-o.org