domingo, 6 de março de 2016

Literatura: "O Último Homem na Torre" e "Uma Constelação de Fenômenos Vitais"


O escritor indiano Aravind Adiga ganhou o prestigiado “Man Booker Price” em 2008 logo com o primeiro livro, o hábil “Tigre Branco”. Após isso lançou a coletânea de contos “Entre Assassinatos” e depois “O Último Homem na Torre” (“The Last Man In Tower”, no original) de 2011, sua publicação mais recente. A editora Nova Fronteira apareceu com edição nacional dele em 2014, com 400 páginas e tradução de Vera Ribeiro. Nessa obra vemos um autor em evolução, ainda que repita algumas prerrogativas contidas na estreia, mas que funcionam mais como alicerces próprios do que necessariamente uma repetição. O livro se passa em Mumbai na Índia, em uma pequena sociedade habitacional de poucos andares onde todos os moradores são donos. Mesmo que o lugar não seja o melhor da cidade – longe disso, até – todos que ali residem gostam dos outros e tentam viver em harmonia, mesmo com as normais intrigas entre vizinhos e pessoas que se conhecem a muito tempo. Esse cenário de relativa paz é alterado quando entra em cena o empresário do ramo de construção imobiliária Dharmen Shah, que oferece uma quantia tentadora para que todos vendam seus apartamentos para que ele possa derrubar o prédio e levantar um novo. O empresário, personagem complexo, tem seus próprios motivos que vão desde a ganância simples até a competitividade demasiada com um concorrente, a fim de suprir, talvez, alguns problemas de ordem pessoal. Com o dinheiro em jogo os moradores logo mudam os ânimos e vão se transformando com mais afinco ainda depois que um professor de apelido Masterji resolve se opor a venda, inviabilizando o novo sonho dos demais. Essa oposição meio por teimosia, meio por poder próprio, transforma seus amigos mais íntimos em outras pessoas, com um lado negro saltando a frente junto com a cobiça. Mesmo sendo no cerne um conto sobre moralidade, “O Último Homem na Torre” é o reflexo de um país que vem crescendo e se diversificando, com o progresso sendo um artifício constante de mutação. A história é triste e feroz, mas ao mesmo tempo o autor insere humor na tragédia, o tipo de humor existente em situações de absurdo ou em descuidos do cotidiano, o que serve para dar mais força ainda a outro bom livro, que tem como façanha unir esses dois lados enquanto explora vários personagens ao mesmo tempo.

Nota: 7,0

Site do autor: http://www.aravindadiga.com 


Anthony Marra é professor e viveu um tempo no leste europeu. Em 2013 lançou o primeiro romance de ficção usando para tanto um dos períodos mais sanguinários da história mundial recente: a primeira e a segunda guerra chechena. Compreendido entre os anos de 1994 e 2004, indo e voltando no tempo de acordo com as necessidades da narrativa, “Uma Constelação de Fenômenos Vitais” (A Constellation Of Vital Phenomena, no original), ganhou lançamento nacional pela editora Intrínseca em 2014 com 336 páginas e tradução de Fabiana de Carvalho. A obra passou um pouco batida aqui no Brasil, mas é de uma delicadeza e força avassaladoras. As guerras chechenas com a Rússia que foram após o período trabalhado no livro e até hoje, mesmo após o suposto fim, ainda produzem corpos é o pano de fundo para que se desenvolva uma história de salvação, dor, traição e alguma bondade. Quando a pequena Havaa de 8 anos vê o pai sendo levado da sua pequena vila por soldados russos devido a uma denúncia de um vizinho, o mundo da menina desaba, porém ela já estava preparada para isso. Outro vizinho chegado, um médico sem muito talento de nome Akhmed surge como salvador e a leva para um hospital abandonado na cidade onde antes trabalhavam mais de 500 pessoas, mas que agora comporta somente uma médica, uma enfermeira e um porteiro. Sonja, a médica, é uma mulher endurecida pela vida e junto com Akhmed serve como personagem principal nos pequenos dias em que se desenvolve a trama. “Uma Constelação de Fenômenos Vitais” explora a guerra nas suas facetas cruéis e perturbadoras, colocando no meio do jogo também as necessidades que surgem dela, com todas as desgraças e os aproveitadores que se criam no meio. Mas também, deixa ali escondido no final, quase morto, um pequeno tom de esperança, uma fé cada vez mais difícil de aceitar. De escrita franca e objetiva, Anthony Marra flerta a dor com uma condução mais leve vez ou outra, devido ao fato de que seus personagens já aceitam a inevitabilidade da situação que se encontram. Quando o leitor imagina saber de todos os fatos, opta em adicionar mais ingredientes e provar que no romance apenas a pequena Havaa é 100% boa de coração e inocente. Até mesmo os supostos heróis têm pecados e culpas imensas dentro do armário, o que faz com que a obra ganhe em valor e seja mais forte ainda.

Nota: 8,5

Site do autor: http://anthonymarra.net 


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