Músicas são atemporais e por
mais banal que possa ser essa premissa, isso nunca deixa de me impressionar. Com
o passar dos anos alguns discos ficam definitivamente marcados na memória
afetiva de modo mais intenso que outros. São discos que fazem parte da vida e
estão inexoravelmente anexados a um período específico do tempo que quando você
os torna a ouvir as lembranças inundam a mente e inserem sensações que
provavelmente fazia tempo que não apareciam por lá.
Isso acontece por exemplo com “Smile” da banda inglesa de Oxford, Ride.
Formada em 1988 o grupo apresentava em “Smile”
uma compilação dos primeiros dois EP’s (chamados “Ride” e “Play”) e continha 8
músicas em pouco mais de 31 minutos. Em uma época sem acesso a internet e com o
país ainda patinando após a primeira eleição direta geral em 25 anos, só se
conseguia alguns discos caso solicitasse a importação, o que quase sempre era
viabilizado por 3 ou 4 amigos que se juntavam em interesse comum para dedicar a
escassa grana para esse fim.
Eu tinha “Smile” de um lado de uma fita cassete, onde “Perfect Time” cortava
antes do fim. Cruel, muito cruel. Só para efeito de ambientação do outro lado
dessa fita tinha, salvo engano, canções do “Some Friendly” do Charlatans. O
Ride era formado pelo guitarrista e vocalista Andy Bell, por Mark Gardener no
outro vocal e guitarra, Stephan Queralt no baixo e Loz Colbert na bateria e
fazia a sonoridade típica da Inglaterra do final dos 80 e começo dos 90, sendo
depois figurinha importante dentro do shoegaze.
O Ride tinha fortes
influências de My Blood Valentine e The Jesus And Mary Chain (bandas com lugar
cativo na casa, sendo a segunda uma das minhas preferidas até hoje) e conjugava
lindas melodias embaçadas com barulho, trazendo na dupla de guitarristas o ponto
forte. A banda ainda foi responsável por ótimos discos como “Nowhere” (1990) e
“Carnival Of Light” (1994) até acabar para depois retornar recentemente para
uma série de shows.
No entanto, o que ficou
marcado para mim foi mesmo “Smile”,
um álbum que sobreviveu aos anos. Dia desses escutando novamente o disco em um
desses serviços de streaming a sensação de nostalgia foi imediata. De “Chelsea
Girl” (um esboço de clássico para mim na época) passando por “Like a Daydream”
(que tantas e tantas vezes ocupou espaço no meu som) e desembarcando em “Silver”
já me lembrava de quase tudo nelas, dos riffs as letras. Escutei ali 3, 4, 5,
vezes seguida.
“Smile” é um retrato de uma sonoridade que me cativa até hoje, e na
minha terna juventude, onde o mundo ainda parecia um lugar demasiadamente
grande para se estar, embalou as minhas tardes com suas guitarras e melodias,
enquanto começava a ser penalizado pelas primeiras paixonites e desenganos, e
não parava de esboçar palavras ruins em um caderno usado dentro de um quarto de
uma cidade no interior do Pará.
Aqui a banda ao vivo com “Chelsea
Girl” em show do ano passado:
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