São inúmeras as guerras civis que
explodiram no continente africano nas últimas décadas. Exemplos não faltam em
países como Ruanda, Mali, Nigéria, Somália, Congo. A lista é extensa e ainda
nesse momento existem facções rivais se digladiando em uma nação do continente
enquanto o resto do mundo finge não ver. Uma história triste e complexa de se
entender, mas que geralmente tem um ditador cometendo desmandos enquanto alguma
frente rebelde denominada de libertação, salvação ou coisa do tipo busca
derrubá-lo, para que depois ao conseguir o poder pratique necessariamente os
mesmos atos.
“Beasts of No Nation” é o primeiro filme produzido pela Netflix e tem
como cenário justamente uma guerra civil dessa. Baseado no livro antônimo do
nigeriano Uzodinma Iwela lançado em 2005, o longa estreou mês passado e está
disponível na plataforma da empresa. Com isso, a Netflix dá mais um passo na
consolidação dentro de um vasto mercado que agora também abrange a produção de
filmes depois de apresentar documentários e séries, como também uma afirmação
no que concerne ao quesito qualidade, rivalizando mais do que nunca com a HBO
nessa seara.
Com 2 horas e 17 minutos o filme conta
com a direção de Cary Joji Fukunaga, que tem no currículo o bom “Jane Eyre” de
2011 e, acima disso, os oito episódios da aclamada primeira temporada de “True
Detective”. Em “Beasts of No Nation”
ele faz um grande trabalho. Com a câmera ágil, concentrada muito nas feições
dos atores e balanceando com perícia ritmo e contemplação, traz o espectador
para a tensa e dolorosa história que apresenta. Merece também destaque a edição
e montagem conjunta de Pete Beaudreau (“Margin Call – Antes do Fim”) e Mikkel
E. G. Nielsen (“Querida Wendy”).
O roteiro, também adaptado pelo
diretor, tem Agu como narrador, porta-voz e olhos do espectador. Ganês,
descoberto nas locações do filme, o jovem Abraham Attah impressiona pela
desenvoltura. Agu é parte de uma família como qualquer outra, traquina e
moleque como a idade permite. Está com os pais e irmãos no meio de uma zona de
proteção durante a guerra civil declarada em seu país (que o roteiro não
especifica qual), até que essa zona de proteção é invadida e ele vê a mãe fugir
para outra cidade e o pai, avô e irmão serem assassinados na sua frente pelas
forças do governo.
Ao fugir pela selva é encontrado
pelas tropas do “Comandante” (Idris Elba das séries “The Wire” e “Luther” dando
um show) e logo é recrutado para ser mais um soldado de guerra. De início, com
todo ódio que tem coração, Agu busca vingança, mas também um lugar para ficar,
ainda mais contra aqueles que mataram sua família. Na segunda metade do longa,
percebe que atrocidades são cometidas pelos dois lados e em uma guerra vilões
se espalham entre as fileiras, até devido a própria transformação que sofre
passando de um alegre e brincalhão garoto para mais um insano a tirar vidas da
população que paga o pato pela busca sangrenta de poder.
“Beasts Of No Nation” tem uma gama de qualidades a serem elencadas.
O drama de guerra é conciso, violento, nada apelativo ou banal. Contudo, também
explora a psique daqueles homens que se veem arremessados em uma matança sem
fim, além de criticar ações do tipo e toda política suja de interesses envolvida
nesses casos. Tecnicamente bem feito, com um diretor que apresenta um talento
maior a cada trabalho e ótima atuação da dupla principal de atores, é um filme
que representa um marco para a Netflix, e quem sabe, um pouco mais além (o
filme está cotado para o Oscar do próximo ano).
P.S: A título de curiosidade, “Beasts of No Nation” é também o nome
de um disco lançado pelo músico nigeriano Fela Kuti em 1989. Vale a
pena conhecer.
Nota: 9,0
Assista a um trailer legendado:
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