A vida atual deixou algumas
coisas para trás, normal, isso acontece de tempos em tempos. Uma dessas coisas
que ficaram no passado é a habilidade de consertar algo quando quebra, de
construir alguma coisa com as próprias mãos quando preciso, de aprender
serviços manuais corriqueiros de manutenção. Ou nós contratamos alguém para
fazer isso ou trocamos imediatamente aquilo que quebrou. Isso incomoda bastante
Ove, o personagem central do livro “Um
Homem Chamado Ove” (En Man Som Heter
Ove, no original) do sueco Fredrik Backman. Primeiro romance deste
jornalista foi publicado na terra natal em 2012 e virou sucesso editorial com
mais de 600 mil cópias vendidas, tradução para vinte e tantos países e início
de adaptação para o cinema. O selo Alfaguara da Editora Objetiva publica aqui
esse ano este romance com 352 páginas e tradução de Paulo Chagas Souza. Ove, o
protagonista, tem 59 anos e é completamente avesso a conversinhas, bate-papos e
futilidades. Para ele tudo é bastante direto e muito simples, o que acaba por
lhe dar um entendimento bem peculiar sobre diversos assuntos. Sua única
preocupação no momento é conseguir morrer, se matar. Sim, isso mesmo. Desde que
a esposa faleceu e ele foi aposentado pela empresa que dedicou vários anos de
bons serviços, não encontra mais nada que indique valer a pena levantar da
cama. Se dedicando com afinco a esse projeto de suicídio sempre é interrompido por
algum vizinho maluco (na sua concepção, lógico) e após sucessivas tentativas
frustradas as coisas vão mudando um pouco de aspecto. O protagonista criado
pelo autor é honesto acima de tudo, com um senso de justiça forte, robusto como
um touro, mas que tem pensamentos não muito confortáveis sobre questões como
imigrantes e cor da pele, por exemplo. Justificável pela maneira como foi
criado, assim se demonstra nas páginas do livro que recortam presente e
passado, serve para expor também, por conseguinte, o pensamento do autor em
questões delicadas que até servem de desafogo para algumas boas piadas, mas incomodam em certa quantia. “Um
Homem Chamado Ove” é um livro sobre seguir em frente, sobre como as pessoas
podem se transformar se tiverem outras ao redor, sobre o poder da compaixão e
da bondade sem interesses. Além disso, é um livro sobre o amor universal de
duas pessoas durante toda uma vida, coisa tão rara hoje em dia como as
habilidades descritas no início do texto.
Nota: 6,0
É muito improvável que em algum
momento da vida você não tenha deparado com alguma banquinha no meio da rua ou
na frente de um bar com uma tabela cheia de números e uma pessoa riscando uma
pequena caderneta de papel. O jogo do bicho, criado no final do século 19 no
Rio de Janeiro, existe por todo o país, e, mesmo hoje ainda exibe muita força e
faturamento elevado. Uma contravenção pela lei, é suportado por governos que,
não obstante, retiram dele algum tipo de propina para consentimento, assim como
os órgãos de segurança. O jogo é o segundo maior arrecadador de apostas do país
atrás apenas da Mega-Sena e age com milhares de cambistas operando, sem pagar
impostos e fabricando impérios. O escritor Alexandre Fraga aborda esse mundo em
“Oeste – A Guerra do Jogo do Bicho”,
lançado ano passado pela Editora Record com 308 páginas. O autor tem dois
outros romances no currículo, “Quando os Demônios Vão ao Confessionário” de
2002 e “Canibal de Copacabana” de 2008, e é policial federal e bacharel em Direito.
Inspirado em fatos reais, principalmente na guerra do jogo do bicho iniciada no
Rio de Janeiro nos anos 90 com a morte de Castor de Andrade, Alexandre Fraga
amplia as linhas temporais e imaginárias criando um bom thriller policial com
drama, muita violência e algum humor. A trama inicia quando Nabor, o chefe
maior dos bicheiros do estado, sai da cadeia e começa a retomar o poder. Quando
de súbito falece, a briga pela sucessão ganha tons de sangue. Na ampliação dos
negócios para além do jogo escrito em papel (que agora é feito também em
máquinas eletrônicas), com a inclusão dos rentáveis caça-níqueis que vendem
ainda mais a ilusão do dinheiro fácil e rápido, se apresenta uma guerra sem fim
pelo poder e por territórios. Muitos dos fatos explorados em “Oeste” realmente aconteceram e os
pseudônimos utilizados no livro são facilmente identificáveis. Com os direitos
vendidos para o cinema e comparações (menos, menos) com “O Poderoso Chefão” de
Mario Puzo, a obra flui muito bem, com ritmo acelerado e excelentes personagens
como o advogado gago Estélio e o assassino de aluguel Já Morreu. Alexandre
Fraga sabe do que está falando e vai bem ao ilustrar um negócio que atua aos
olhos do povo, mesmo sendo contra a lei e não gerando frutos diretos ao estado,
sendo baseado em propinas e agrados. No entanto, bem que a revisão do livro
podia ser mais cuidadosa. Ajudaria mais.
Nota: 7,5