segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Popload Festival - 16 e 17 de outubro - Audio Club - SP

Era próximo de uma da manhã de sábado e em um local chamado Audio Club localizado na Avenida Francisco Matarazzo em São Paulo centenas de pessoas respondiam ensandecidas aos versos cantados por um senhor de 68 anos no palco. Era apenas a segunda música do show, mas a catarse coletiva alongava seus braços por todos os presentes. Era apenas a segunda música do show, mas era um clássico tão absoluto executado de modo tão feroz e brutal que este mesmo senhor (que de velho não tem absolutamente nada) achou por bem se lançar a plateia em um mosh insano.

Pouco mais de uma hora depois Iggy Pop saia do palco no primeiro dia do Popload Festival sobre aplausos enlouquecidos do público e deixava ali uma certeza: será difícil bater seu show como melhor do ano em terras brasileiras em 2015. Logo de entrada engatou quatro porradas e hits do repertório: “No Fun”, “I Wanna Be Your Dog”, “The Passenger” e “Lust For Life”, duas da fase junto com os Stooges e duas da carreira solo. Mesmo com vastas canções para compor o show, ficou ao final de “Lust For Life” uma pequena incerteza de que se o nível conseguiria se manter tão enérgico até o final. Uma incerteza boba, ao final de tudo.

Mesclando canções dos Stooges do porte de “Search And Destroy” e “1969” com outras da carreira solo como “Skull Ring”, “Some Weird Sin”, “Raw Power” e “I’m Bored”, o velho astro fez jus a fama em uma apresentação impecável. Difícil imaginar como ele consegue se mexer tanto depois de tudo que fez na carreira (e na vida). Mesmo em faixas como “Nightclubbing”, mais lentas, não consegue ficar parado. Se o (ótimo) show do Planeta Terra de 2009 ficou no imaginário até agora por conta de momentos folclóricos como a calça caindo e a plateia em cima do palco dessa vez tudo foi mais intenso, mais potente, mais visceral.

A apresentação de Iggy entre a pancadaria e a doçura coroou a primeira noite do Popload Festival que seguiu à risca o que prometeu no que tange a facilidades, conforto, limpeza e respeito ao público. Os serviços foram iniciados às 20:00hs da sexta com o show da Natalie Prass que mostrou as canções da estreia lançada esse ano. Foi uma exibição razoável dosando fofura e melancolia, porém as orquestrações contidas no disco fizeram muita falta nas canções mais lentas que não funcionaram tanto sem elas. Na sequência o norueguês Sondre Lerche exibiu um repertório calcado em uma concisa carreira. De início, tentou emendar versões mais rápidas e aceleradas visando um punch inicial que acabou não sendo tão produtivo assim. No entanto, quando enveredou pela praia que está mais acostumado entre o folk rock e o pop, fez um show dentro de tudo que se esperava dele e agradou tanto os fãs quanto o público em geral.

Na sequência do Sondre Lerche veio o rapper paulistano Emicida. Com a carreira em ascensão, apresentações constantes na tevê e capas de revistas, de entrada parecia deslocado dentro do line-up e uma aposta bem arriscada da produção do festival. Um pouco nervoso nas primeiras músicas, se soltou e fez um show poderoso e robusto, que em alguns momentos exibiu duas guitarras. A banda de Emicida é um caso à parte e executa com brilho suas funções. Talvez pelo motivo de abrir para o Iggy Pop o setilist tenha sido montando com canções mais ativas, um acerto considerável. De canções antigas ao mais recente trabalho, Emicida fez um show surpreendente, com groove, peso e discurso embalados de maneira coesa, e principalmente no que tange ao discurso, sem toda aquela malice que o Criolo passou a exibir. Ponto para ele.

O Popload Festival continuou no sábado e depois do que o Iggy Pop aprontou no dia anterior o que viesse já poderia ser encarado como bônus. Bárbara Ohana abriu o dia, mas não vi o show. Cheguei a tempo de ver uma apresentação impecável do Cidadão Instigado só com canções de “Fortaleza”, o novo trabalho. Se em 2009 a banda tentou soar mais pop em “UHUUU”, no álbum de 2015 ela retorna para o caso de amor com a psicodelia e chama o progressivo para a cama também. Essa decisão faz com que o Cidadão Instigado soe mais preciso que nunca, mais interessante que em toda a sua já extensa estrada. Agradou muito a apresentação da banda que exala atualmente uma sonoridade repleta de virtudes.

Os americanos do Spoon vieram em seguida trazendo na bagagem uma comentada exibição no Planeta Terra de 2008 quando focaram o repertório no então disco recente, o “Ga Ga Ga Ga Ga” de 2007. Anos depois a história é outra, os caras ficaram maiores e procuraram novos sons. Em “They Want My Soul” do ano passado, por exemplo, as guitarras dão algum lugar a músicas um pouco mais lentas que trabalham com afinco a ambientação e a voz em primeiro plano do vocalista e guitarrista Britt Daniel. E o show de 2015, evidente, que ia dialogar com esse lado atual.

Em uma hora a banda apresentou novas canções como “Knock, Knock, Knock” que abriu e outras como “Do You” e uma bonita versão para “Inside Out”. Todavia, não se abstiveram de tocar músicas de maior sucesso como “Don’t Make Me a Target”, “The Way We Get By”, “You Got Yr. Cherry Bomb” e “The Underdorg”, entre outras mais antigas como “Small Stakes”, que demonstra o porquê do sucesso da banda. Após o fechamento com a já tradicional versão de “TV Set” do Cramps (com o vocal mais abafado do que deveria), a sensação foi de que mesmo sendo um show com diversos bons momentos, ficou faltando mais energia, mesmo se levando em conta o último disco.

Já era domingo, com horário de verão vigorando, quando o Belle and Sebastian entrou para encerrar a noite e o festival. Os escoceses estão na porta dos 20 anos de carreira e praticamente são responsáveis por boa parte do sucesso do indie e de vertentes como o indie-folk. Não são pais de nada, que fique claro, mas podem ali assumir numa boa como tios. O público presente, maior que o de sexta, não se arremessa de cabeça como o de Iggy Pop, mas sim contempla com devoção e canta junto. O Belle procura novos caminhos e o resultado dessa opção se faz presente no álbum lançado esse ano, o “Girs In Peacetime Want To Dance”, onde sintetizadores, teclados e batidas alinham canções mais dançantes, claramente inspiradas nos anos 80.

O show já abre com “Nobody’s Empire” do disco novo para mostrar justamente isso, que a banda não quer viver só de passado. Essas novas músicas inclusive funcionam muito melhor ao vivo como foi o caso de “The Party Line”, “Play For Today” e principalmente “Perfect Couples” com Stuart Murdoch executando passos de dança dentro de uma corajosa calça prateada que não fazem feio aqueles que Bernard Summer arrisca na frente do New Order. Passos típicos de professor bêbado em festa de colégio. Essa diretiva de Stuart Murdoch e a trupe do Belle tem que ser sim louvada, pois resolvem tentar algo diferente do seu usual, sem desmerecer o que já construíram.

O trio de canções do clássico “If You’re Feelling Sinister” de 1996 que apareceram no show composto por “Seeing Other People”, “The Stars And Track and Field” e “Judy and the Dream of Horses” foi recebido com nostalgia e amor, além de cantadas com paixão pelo público. Todavia, o ápice veio em “The Boy With The Arab Strap”, faixa-título do terceiro disco de 1998, quando várias pessoas foram convidadas a se juntar a banda em uma festinha indie prazerosa e alegre no palco. Vejam bem que interessante, quando todos esperavam que Iggy Pop fosse aquele a convidar a plateia a subir, quem fez isso foram os comportados escoceses.

O Belle And Sebastian fez um show muito bonito e digno de encerrar o festival. Mesmo tendo em mão canções para montar um repertório dos sonhos dos fãs (principalmente os mais antigos), optou por apresentar novidades e adicionar algum lado b pelo meio. Não é uma escolha fácil. Até porque se fizesse isso poderia (e provavelmente seria) acusado de viver de passado e ser uma banda morta. A aposta mais arriscada funcionou e isso que vale no final. O show é praticamente uma extensão dos próprios discos do grupo. Não irá mudar a vida de ninguém (quem muda hoje em dia?), nem entrar em listas de melhores ao redor do mundo, contudo, naquela hora, hora e meia, existem canções que fazem você se sentir melhor e cantar junto e isso ainda deve ser de alguma valia, afinal.

O resultado final desta edição do Popload Festival foi extremamente positivo, onde a única coisa a ser criticada são os preços, mas isso é assunto para outra discussão. O Audio Club é um lugar com ar-condicionado, sempre limpo e teve seu espaço estendido para abrigar uma área de alimentação de bom gosto e o mais importante, sem filas intransponíveis. Com acesso tranquilo e saída facilitada pela parceria e promoção com uma empresa de táxis, o festival apresentou forte enganche para continuar e talvez - com todas as devidas guardadas proporções - substituir o falecido Planeta Terra. Vejamos.

Top 5 – Shows
1- Iggy Pop
2- Belle And Sebastian
3- Emicida
4- Spoon
5- Cidadão Instigado

Top 5 - Músicas
1- “I Wanna Be Your Dog” – Iggy Pop
2- “Casa” - Emicida
3- “Perfect Couples” – Belle And Sebastian
4- “Inside Out” – Spoon
5- “Bad Law” – Sondre Lerche

As fotos utilizadas foram retiradas da página oficial do evento no Facebook, aqui.

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