sábado, 31 de outubro de 2015

Quadrinhos: “Superman: Terra Um – Vol. 2” e "O Muro"

 
No universo dos quadrinhos é normal que de tempos em tempos as grandes editoras busquem reinventar seus maiores personagens, dando a esses ícones uma atualizada a fim de atingir novo público, porém tratando isso na maioria das vezes como um projeto paralelo para que os fãs antigos não chiem muito. O resultado de tal iniciativa oscila bastante entre bom e ruim, o que não impede de se tentar novos projetos. Em 2012 a DC Comics começou uma série intitulada “Terra Um”, onde a cronologia de todas as décadas não era muito levada em conta. O primeiro a ser reformulado foi o Superman (depois já vieram Batman e Titãs) com roteiro de J. Michael Straczynski (da excelente “Rising Stars”) e arte de Shane Davis (Liga da Justiça). A Panini publicou aqui em 2013 o arco inicial dessas histórias e agora em 2015 coloca no mercado “Superman: Terra Um – Vol. 2”, continuação dos fatos desenvolvidos no volume anterior, mas como se trata de tramas fechadas pode ser consumido sem ter conhecimento do que veio antes. Nesse encadernado com 132 páginas encontramos um Superman ainda inseguro com seu lugar no mundo e sem saber exatamente o que fazer com todo o poder e como se posicionar. No meio desse caminho de afirmação aparece o Parasita, um dos vilões mais poderosos que o kryptoniano já enfrentou e dentro dessa ação o roteiro ainda insere uma boa dose política e apresenta um homem de aço não tão escoteiro como se está acostumado. Mesmo com texto do competente Straczynski e arte-final de Sandra Hope com cores de Barbara Ciardo ajudando os limpos desenhos de Shane Davis, parece que os envolvidos ainda não encontraram um tom para que funcione essa repaginada. Apesar de se levar em consideração que esse “Volume II” é superior ao antecessor, ainda assim temos apenas uma mediana aventura, que não acrescenta nada ao personagem e é plenamente esquecível depois de algumas horas.

Nota: 5,0


A adolescência não é tarefa das mais fáceis para qualquer um, por mais que ofereça em contrapartida boa gama de alegrias e lembranças que vão ser levadas durante toda a vida. Imagine então ter 13 anos e morar em uma pequena cidade que não oferece opções de entretenimento quando de repente sua mãe resolve se mandar com outro cara lhe deixando somente com o pai, um pai que praticamente não para em casa e vive viajando a trabalho. É assim que se encontra Rosie, a protagonista da graphic novel belga “O Muro” (Le Muret, no original). Publicada no ano de 2013 lá fora recebe edição nacional esse ano através da editora Nemo com 192 páginas e tradução de Fernando Scheibe. “O Muro” é o primeiro projeto em quadrinhos da escritora infantil belga Céline Fraipont e conta com a arte do argelino Pierre Bailly em preto e branco. Ambientada no final dos anos 80, o roteiro navega por todas as ânsias de uma garota que de repente se vê sozinha no mundo e que entre descobertas e desilusões vai se acertando do jeito que dá. A trama apesar de delicada não é demasiadamente juvenil e explora drogas, álcool e sexo envolvidos no traço bastante peculiar de Pierre Bailly que usa e abusa de sombras e escuridão em quadros dos mais diversos tamanhos, em que consegue repassar ao leitor a sensação de estranhamento e tédio que assola a personagem principal. Ao redor disso Céline Fraipont enxerta muita música e discos, como a coletânea “Ramones Mania” dos Ramones ou “Three Imaginary Boys” o registro de estreia do The Cure, fazendo com que a música sirva como coadjuvante e desafogo da história. “O Muro” trata do crescimento e da formação de uma pessoa perante adversidades, um tema que já foi usado largamente por toda a arte, no entanto, aqui esse tema é tratado com habilidade e o resultado disso é um trabalho com várias qualidades que merece ser conhecido.

Nota: 7,5



quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Música: Turbo e Telesonic

“Eu Sou Spartacus” é o segundo disco da banda paraense Turbo, trio formado por Camillo Royale nas guitarras, violões e vocal, Wilson Fujiyoshi no baixo e Netto Batêra na bateria. O álbum que saiu esse ano de maneira independente vem de uma longa gestação que remonta inicialmente a 2012. Gravado em Gotemburgo na Suécia por Chips Kiesbye, produtor de bandas como o Hellacopters (influência confessa do trio paraense) e remasterizado por Henryk Lipp, o registro apresenta oito faixas que exibem toda o poder do grupo. Com as guitarras em primeiro plano conduzindo uma cozinha eficientíssima, temos um disco ganchudo, vigoroso e com energia explodindo pelos cantos. O bom humor, um dos pontos fortes da banda, continua em alta como atesta “Fã #1”, onde a letra destrincha uma fã que sabe todas as músicas de todas as bandas, ou “Gibson”, que retrata o sonho maior de ter uma guitarra Gibson Les Paul Custom Black, independente do que os outros acham. As guitarras dão o tom das “rajadas” - que é o como o grupo nomeia suas apresentações - em músicas como “Já” e “Mais Além”, esta última bastante pessoal com versos sobre resistência e falta de valor. Some-se a elas o riff garageiro e possante de “Elis”, a balada torta de “Bem Vinda”, o powerpop de “Pilar” (com letra fantástica citando o “Ok Computer” do Radiohead) e o rock acelerado, quase stoner, de “Calor Senegâles” sobre a questão climática da região. Tudo isso faz de “Eu Sou Spartacus” um compêndio bastante real do que é o Turbo, do que a banda se prontifica a ser, conseguindo transpor o poder do ao vivo para as gravações, o que nunca é tarefa fácil. “Eu Sou Spartacus”, acima disso, é um disco à altura de Camillo Royale, daquilo que se espera dele, um ídolo da cena local e um dos caras mais talentosos da região.

Nota: 8,0

Baixe e ouça o disco no site oficial da banda: http://www.turbooficial.com

O ano era 2006 e o músico paraense Klebe Martins conseguia enfim lançar o primeiro trabalho solo com o nome de Telesonic. “Canções de Bolso” trazia um folk-rock aliado com pop que foi bem recebido pela crítica e público da região. Quase dez anos depois é a vez do sucessor ganhar vida. “Pequenas Juras de Amor...à Vida” tem produção própria, nove canções e vai além da estreia, inserindo sonoridades mais amplas e outras influências, sem contar o fato de uma produção mais cuidadosa e trabalhada. Novamente com participações especiais pelo caminho, como as do casal Joel Melo e Susanne May do Suzana Flag, Klebe Martins outra vez lança um álbum digno de nota, que merece muito ser ouvido. Foram anos de trabalho na lapidação e aperfeiçoamento de cada canção, aqui e ali mostradas ao público em alguns shows, um processo de criação elaborado, novamente com forte apego para com as melodias e zelo nas letras, que dessa vez aparecem mais positivas, mais contemplativas, porém ainda flertando com o cotidiano e apresentando boas tiradas. Da grudenta “Manifesto II” até o dedilhado da suave e terna “Nas Nuvens”, o trabalho exibe várias facetas, como o folk-pop de “Dois Pares”, o trompete de “Tanto Faz” ou o pop pegajoso de “Balada do Retirante”. Dentro da já citada sonoridade mais ampla, destaque para o leve suingue e guitarras de “Não Sei Andar Sozinho”, ou o balanço de “Desafeto”, também com presença marcante da guitarra e backing vocals chicletudos ao fundo. O amor, presença marcante no álbum inaugural, aparece com louvor na perfeitinha e crítica “Sétimo Céu”, assim como a questão “vida que segue” (outra temática explorada antes) se apresenta nos violões de “Bem Mais Simples”, reafirmando o cotidiano e rotina tão bem explorados pelo músico. “Pequenas Juras de Amor...à Vida” é um disco prazeroso de ser escutado, com coisas simples de se ouvir e que carregam em si o poder de melhorar uma parte do seu dia.

Nota: 8,5

Baixe e ouça o disco aqui:
https://soundcloud.com/klebe-martins/sets/pequenas-juras-de-amor-vida    

Textos relacionados no blog:
- Música: “Canções de Bolso”(2006) – Telesonic

Assista ao clipe de “Já” do Turbo:


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Literatura: "Endgame: O Chamado" e "João e Maria"

“Endgame: O Chamado” é o primeiro livro de uma trilogia escrita pela dupla James Frey (de “Os Legados de Lorien”) e Nils Johnson-Shelton (de “A Torre Invísivel”), voltada para o público adolescente. A editora Intrínseca publicou aqui no Brasil o primeiro desses livros ano passado, sendo que o subsequente já saiu em 2015. Com 504 páginas e tradução de Dênia Sad, a trama remonta a criação da humanidade quando há doze milênios seres alienígenas dotados de imenso saber e tecnologia, fizeram este mundo e deram aos moradores as condições necessárias para a evolução, deixando claro que se não respeitassem o planeta corretamente voltariam para aniquilar tudo em uma competição chamada “endgame”. Desde então, as doze linhagens mais antigas da humanidade vêm treinando século após século um jovem (entre 13 e 20 anos) para lhe representar caso isso ocorra um dia. O prêmio da competição é a sobrevivência de todos dessa linhagem. Partindo de um tema inicial largamente utilizado tanto na literatura juvenil, quanto em histórias em quadrinhos e lendas antigas, “Endgame: O Chamado” joga 12 jovens em busca de conquistar três chaves que lhe garantirão a vitória e a vida de entes queridos. No meio há bastante ação, intrigas, paixões, dúvidas e violência, tudo como manda o figurino. A série conversa bastante com a interatividade dos dias atuais, com diversas notas contendo links externos, como também e-books relacionados, um possível jogo a ser lançado e já a venda dos direitos para o cinema. Convida também os leitores para uma competição própria, caso assim queiram (mais no site: http://www.endgamerules.com). Contudo, a narrativa desse primeiro volume poderia ter passagens a menos que facilitariam o ritmo e o envolvimento com uma história que tem diversas correlações com outras e que já foi melhor explorada anteriormente. Com capítulos individuais para cada personagem, criação de símbolos e enigmas pendentes, chega até a funcionar bem em alguns momentos, mas não consegue ir muito além disso.

Nota: 5,0


“João & Maria” (Hansen & Gretel, no original) é um dos contos mais simbólicos dentro da extensa lista dos irmãos Grimm. Foi publicado pela primeira vez em 1812 no livro “Histórias das Crianças e do Lar”, mas de acordo com alguns estudos a geração da história remonta a idade medieval, lá pelo século XIV, quando a grande fome se espalhava pela Europa devido a guerras e doenças. De lá para cá o conto teve além de vida duradoura, inúmeras revisitações escritas, além de desenhos, histórias em quadrinhos e até ópera. Cada revisitação dessa muda um pouco a fábula e isso não seria diferente quando o escritor inglês Neil Gaiman escolheu também fazer uma versão. Em conjunto com o artista gráfico italiano Lorenzo Mattotti, Gaiman fez isso ano passado e agora em 2015 a editora Intrínseca publica esse material aqui no Brasil em 56 páginas, com tradução de Augusto Calil. Em uma edição muito bonita, o icônico autor de “Sandman” e tantos outros livros mergulha nesse conto infantil, que na verdade não tem quase nada disso, já que se refere a uma história de medo, fome, abandono, canibalismo, desespero e superação. Inspirado na arte sombria e densa de Lorenzo Mattotti, o texto também caminha por esse lado e com algumas mexidas aqui e ali na história conta para um novo público a história dos irmãos que foram abandonados pelos pais no meio de uma floresta escura, porque os mesmos não tinham mais como alimentá-los (e nem estavam dispostos a brigar por isso) e quando se perdem caem na mão de uma estranha velha que tem planos nada bons para os dois. Com texto sucinto, porém mélico e ainda conseguindo inserir ironia no meio da tragédia e da aventura, Neil Gaiman dá mais alguns anos de sobrevida a fábula nessa recriação de “João e Maria”.

Nota: 7,0


quarta-feira, 21 de outubro de 2015

"Rosa Candida" - Audur Ava Ólafsdóttir

A Islândia é um pequeno país europeu, com fundições nórdicas, que tem paisagens belíssimas e distintas entre si. Conhecida por artistas musicais como Björk, Sigur Rós e Of Monsters And Men, o país também tem uma tradição literária forte, tendo ganho até um prêmio Nobel de literatura em 1955 com o escritor Halldór Laxness. O selo Alfaguara, da editora Objetiva, que vem prestando um ótimo serviço desde que surgiu, lança em 2015 aqui no Brasil um livro oriundo dessa literatura.

“Rosa Candida” (Afleggjarinn, no original) é o terceiro livro da professora, poeta e escritora Audur Ava Ólafsdóttir e foi publicado originalmente na Islândia em 2007. Nesta edição a obra chega com tradução de André Telles e 304 páginas. O protagonista é Arnljótur Thórir, um jovem de 22 anos retraído e com uma imensidão de receios dentro de si. Após a morte da mãe em um acidente de carro, vive com o pai e cuida da área de cultivo de plantas que era a paixão da mãe, em uma localidade onde isso é bastante complicado por conta das condições do terreno.

Lobbi, como também é chamado o jovem, teve outra surpresa recente e se descobriu pai de uma hora para outra, fruto de uma noite rápida depois de uma festa. A mãe da criança, não lhe força a quase nada, mas isso serve ainda mais para aumentar o sentimento de inconformidade pessoal com a vida. É quando resolve partir em uma jornada de descoberta para outro país. A viagem tem como final um mosteiro conhecido por ter um dos mais belos jardins do mundo com destaque para um roseiral com inúmeras espécies, mas que se encontra abandonado.

A finalidade (ou a desculpa) de Lobbi para sair de casa então é essa, consertar e edificar esse jardim igual aos dias de ouro. De posse de uma nova espécie de rosa que acredita ser a única no mundo todo inicia uma trajetória longa até esse mosteiro, incrustado em uma pequena vila sem maiores atrativos sociais. E é nesse local longe de computadores, celulares, televisão e afins, que finalmente começa a dissipar seus medos e questionamentos sobre questões como sexo, vida e morte.

O que até então se assemelhava a um misto de jornada do herói com um romance de formação, é alterado pela escritora com a inclusão do Frei Tomás e suas soluções e respostas sempre baseadas em algum filme antigo, com tiradas como: “Antonioni lhe ensinará tudo que você precisa saber sobre o amor”, como também o reaparecimento da filha e da mãe dela (com a qual ele não nutre nenhuma intimidade).

Em “Rosa Cândida”, temos uma história delicada e terna, que comove em alguns pontos, porém em nenhum momento desanda para o sentimentalismo choroso e banal. No meio do texto a autora insere um humor de constrangimento e inadequação e aproveita para lançar mão de questões com alicerces no esoterismo e religião, sem explicar muito bem os motivos dessas inserções e deixa ao leitor a tarefa de buscar o entendimento por si só, o que é sempre válido.  

Nota: 7,0

A editora disponibiliza um trecho gratuito para leitura, aqui.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Popload Festival - 16 e 17 de outubro - Audio Club - SP

Era próximo de uma da manhã de sábado e em um local chamado Audio Club localizado na Avenida Francisco Matarazzo em São Paulo centenas de pessoas respondiam ensandecidas aos versos cantados por um senhor de 68 anos no palco. Era apenas a segunda música do show, mas a catarse coletiva alongava seus braços por todos os presentes. Era apenas a segunda música do show, mas era um clássico tão absoluto executado de modo tão feroz e brutal que este mesmo senhor (que de velho não tem absolutamente nada) achou por bem se lançar a plateia em um mosh insano.

Pouco mais de uma hora depois Iggy Pop saia do palco no primeiro dia do Popload Festival sobre aplausos enlouquecidos do público e deixava ali uma certeza: será difícil bater seu show como melhor do ano em terras brasileiras em 2015. Logo de entrada engatou quatro porradas e hits do repertório: “No Fun”, “I Wanna Be Your Dog”, “The Passenger” e “Lust For Life”, duas da fase junto com os Stooges e duas da carreira solo. Mesmo com vastas canções para compor o show, ficou ao final de “Lust For Life” uma pequena incerteza de que se o nível conseguiria se manter tão enérgico até o final. Uma incerteza boba, ao final de tudo.

Mesclando canções dos Stooges do porte de “Search And Destroy” e “1969” com outras da carreira solo como “Skull Ring”, “Some Weird Sin”, “Raw Power” e “I’m Bored”, o velho astro fez jus a fama em uma apresentação impecável. Difícil imaginar como ele consegue se mexer tanto depois de tudo que fez na carreira (e na vida). Mesmo em faixas como “Nightclubbing”, mais lentas, não consegue ficar parado. Se o (ótimo) show do Planeta Terra de 2009 ficou no imaginário até agora por conta de momentos folclóricos como a calça caindo e a plateia em cima do palco dessa vez tudo foi mais intenso, mais potente, mais visceral.

A apresentação de Iggy entre a pancadaria e a doçura coroou a primeira noite do Popload Festival que seguiu à risca o que prometeu no que tange a facilidades, conforto, limpeza e respeito ao público. Os serviços foram iniciados às 20:00hs da sexta com o show da Natalie Prass que mostrou as canções da estreia lançada esse ano. Foi uma exibição razoável dosando fofura e melancolia, porém as orquestrações contidas no disco fizeram muita falta nas canções mais lentas que não funcionaram tanto sem elas. Na sequência o norueguês Sondre Lerche exibiu um repertório calcado em uma concisa carreira. De início, tentou emendar versões mais rápidas e aceleradas visando um punch inicial que acabou não sendo tão produtivo assim. No entanto, quando enveredou pela praia que está mais acostumado entre o folk rock e o pop, fez um show dentro de tudo que se esperava dele e agradou tanto os fãs quanto o público em geral.

Na sequência do Sondre Lerche veio o rapper paulistano Emicida. Com a carreira em ascensão, apresentações constantes na tevê e capas de revistas, de entrada parecia deslocado dentro do line-up e uma aposta bem arriscada da produção do festival. Um pouco nervoso nas primeiras músicas, se soltou e fez um show poderoso e robusto, que em alguns momentos exibiu duas guitarras. A banda de Emicida é um caso à parte e executa com brilho suas funções. Talvez pelo motivo de abrir para o Iggy Pop o setilist tenha sido montando com canções mais ativas, um acerto considerável. De canções antigas ao mais recente trabalho, Emicida fez um show surpreendente, com groove, peso e discurso embalados de maneira coesa, e principalmente no que tange ao discurso, sem toda aquela malice que o Criolo passou a exibir. Ponto para ele.

O Popload Festival continuou no sábado e depois do que o Iggy Pop aprontou no dia anterior o que viesse já poderia ser encarado como bônus. Bárbara Ohana abriu o dia, mas não vi o show. Cheguei a tempo de ver uma apresentação impecável do Cidadão Instigado só com canções de “Fortaleza”, o novo trabalho. Se em 2009 a banda tentou soar mais pop em “UHUUU”, no álbum de 2015 ela retorna para o caso de amor com a psicodelia e chama o progressivo para a cama também. Essa decisão faz com que o Cidadão Instigado soe mais preciso que nunca, mais interessante que em toda a sua já extensa estrada. Agradou muito a apresentação da banda que exala atualmente uma sonoridade repleta de virtudes.

Os americanos do Spoon vieram em seguida trazendo na bagagem uma comentada exibição no Planeta Terra de 2008 quando focaram o repertório no então disco recente, o “Ga Ga Ga Ga Ga” de 2007. Anos depois a história é outra, os caras ficaram maiores e procuraram novos sons. Em “They Want My Soul” do ano passado, por exemplo, as guitarras dão algum lugar a músicas um pouco mais lentas que trabalham com afinco a ambientação e a voz em primeiro plano do vocalista e guitarrista Britt Daniel. E o show de 2015, evidente, que ia dialogar com esse lado atual.

Em uma hora a banda apresentou novas canções como “Knock, Knock, Knock” que abriu e outras como “Do You” e uma bonita versão para “Inside Out”. Todavia, não se abstiveram de tocar músicas de maior sucesso como “Don’t Make Me a Target”, “The Way We Get By”, “You Got Yr. Cherry Bomb” e “The Underdorg”, entre outras mais antigas como “Small Stakes”, que demonstra o porquê do sucesso da banda. Após o fechamento com a já tradicional versão de “TV Set” do Cramps (com o vocal mais abafado do que deveria), a sensação foi de que mesmo sendo um show com diversos bons momentos, ficou faltando mais energia, mesmo se levando em conta o último disco.

Já era domingo, com horário de verão vigorando, quando o Belle and Sebastian entrou para encerrar a noite e o festival. Os escoceses estão na porta dos 20 anos de carreira e praticamente são responsáveis por boa parte do sucesso do indie e de vertentes como o indie-folk. Não são pais de nada, que fique claro, mas podem ali assumir numa boa como tios. O público presente, maior que o de sexta, não se arremessa de cabeça como o de Iggy Pop, mas sim contempla com devoção e canta junto. O Belle procura novos caminhos e o resultado dessa opção se faz presente no álbum lançado esse ano, o “Girs In Peacetime Want To Dance”, onde sintetizadores, teclados e batidas alinham canções mais dançantes, claramente inspiradas nos anos 80.

O show já abre com “Nobody’s Empire” do disco novo para mostrar justamente isso, que a banda não quer viver só de passado. Essas novas músicas inclusive funcionam muito melhor ao vivo como foi o caso de “The Party Line”, “Play For Today” e principalmente “Perfect Couples” com Stuart Murdoch executando passos de dança dentro de uma corajosa calça prateada que não fazem feio aqueles que Bernard Summer arrisca na frente do New Order. Passos típicos de professor bêbado em festa de colégio. Essa diretiva de Stuart Murdoch e a trupe do Belle tem que ser sim louvada, pois resolvem tentar algo diferente do seu usual, sem desmerecer o que já construíram.

O trio de canções do clássico “If You’re Feelling Sinister” de 1996 que apareceram no show composto por “Seeing Other People”, “The Stars And Track and Field” e “Judy and the Dream of Horses” foi recebido com nostalgia e amor, além de cantadas com paixão pelo público. Todavia, o ápice veio em “The Boy With The Arab Strap”, faixa-título do terceiro disco de 1998, quando várias pessoas foram convidadas a se juntar a banda em uma festinha indie prazerosa e alegre no palco. Vejam bem que interessante, quando todos esperavam que Iggy Pop fosse aquele a convidar a plateia a subir, quem fez isso foram os comportados escoceses.

O Belle And Sebastian fez um show muito bonito e digno de encerrar o festival. Mesmo tendo em mão canções para montar um repertório dos sonhos dos fãs (principalmente os mais antigos), optou por apresentar novidades e adicionar algum lado b pelo meio. Não é uma escolha fácil. Até porque se fizesse isso poderia (e provavelmente seria) acusado de viver de passado e ser uma banda morta. A aposta mais arriscada funcionou e isso que vale no final. O show é praticamente uma extensão dos próprios discos do grupo. Não irá mudar a vida de ninguém (quem muda hoje em dia?), nem entrar em listas de melhores ao redor do mundo, contudo, naquela hora, hora e meia, existem canções que fazem você se sentir melhor e cantar junto e isso ainda deve ser de alguma valia, afinal.

O resultado final desta edição do Popload Festival foi extremamente positivo, onde a única coisa a ser criticada são os preços, mas isso é assunto para outra discussão. O Audio Club é um lugar com ar-condicionado, sempre limpo e teve seu espaço estendido para abrigar uma área de alimentação de bom gosto e o mais importante, sem filas intransponíveis. Com acesso tranquilo e saída facilitada pela parceria e promoção com uma empresa de táxis, o festival apresentou forte enganche para continuar e talvez - com todas as devidas guardadas proporções - substituir o falecido Planeta Terra. Vejamos.

Top 5 – Shows
1- Iggy Pop
2- Belle And Sebastian
3- Emicida
4- Spoon
5- Cidadão Instigado

Top 5 - Músicas
1- “I Wanna Be Your Dog” – Iggy Pop
2- “Casa” - Emicida
3- “Perfect Couples” – Belle And Sebastian
4- “Inside Out” – Spoon
5- “Bad Law” – Sondre Lerche

As fotos utilizadas foram retiradas da página oficial do evento no Facebook, aqui.

Textos relacionados no blog:

- Shows: Planeta Terra 2008 – Vila dos Galpões
- Shows: Planeta Terra 2009 - Playcenter


sábado, 17 de outubro de 2015

Quadrinhos: "Turma da Mata - Muralha" e "Bone - Fora de Boneville"

 

Dentro do projeto Graphic MSP foi o artista paraibano Shiko que conseguiu ir mais além no que tange a liberdade criativa. Isso, até agora. Com o lançamento de “Turma da Mata – Muralha”, esse posto é repassado sendo a graphic novel a que mais se distancia da obra referencial, apesar de manter no seu âmago os conceitos básicos. Se assemelha bastante com o que Shiko fez em “Piteco – Ingá” tanto na questão do ritmo quanto na reinvenção dos personagens, mas vai além, bem além. Utilizando muitas referências que vão desde quadrinhos da Marvel até desenhos animados da televisão, passando pela literatura de fantasia, a obra é um gol e tanto feito pelo trio Artur Fujita (roteiro), Roger Cruz (arte) e Davi Calil (cores). Jotalhão, Coelho Caolho, Rei Leonino, Raposão, Rita Najura, Tarugo e companhia estão irreconhecíveis (o que é muito bom), mesmo preservando as características criadas por Mauricio de Sousa. O roteiro cria toda uma trama política com traição, egoísmo, ambição demasiada e golpes, para rechear com uma história de perseverança e luta por ideais. Explorando uma rixa entre a turma da mata e o reino por conta da exploração de um minério raro que vale muito dinheiro, o roteiro é inspirado até a última palavra. A arte de Roger Cruz, artista de talento reconhecido que por muito tempo trabalhou com a franquia dos X-Men é absolutamente precisa e forte, retratando as ações com força, contando com o auxílio das cores de Davi Calil que não se furta de brincar com estas de diversas maneiras. “Turma da Mata - Muralha” sai pela Panini Comics e com 82 páginas carrega o mérito de não só ser original dentro de um processo de revitalização, como também gerar um trabalho que vai surpreender quem já conhecia os personagens e mesmo assim fazer algo independente do passado para os novos leitores.

Nota: 8,5

Sobre “Piteco – Ingá” no blog, passe aqui.


Maior criação do quadrinista norte-americano Jeff Smith, “Bone” volta a ser publicada no Brasil, agora em cores. A HQM Editora lançou no primeiro semestre o primeiro de nove álbuns previstos com o personagem e pretende ir até o final da trama, algo que a Via Lettera não fez quando publicava a série por aqui. Jeff Smith é um artista altamente influenciado pelas tirinhas que saíam nos jornais e por nomes como Charles M. Schulz e Bill Waterson. Começou a narrar a saga de “Bone” em 1991 e nela se estendeu por anos angariando por diversas vezes os maiores prêmios do mundo dos quadrinhos. O primeiro volume chamado “Fora de Boneville” com 144 páginas apresenta a figura central e seus dois primos (Smiley Bone e Phoney Bone) quando eles são expulsos de sua cidade devido a alguns planos escusos executados por um dos primos, bastante ganancioso e sem índole ou moral. Fone Bone é que salva Phoney Bone do linchamento em praça pública e leva o outro primo Smiley Bone só para aborrecer o familiar mau, já que Smiley é descompromissado, inquieto e até meio bobo. Os três se veem então perdidos no meio de um deserto, se desencontram e a partir disso abordam várias encrencas para se reencontrar, sem saber que algo está na espreita e nutre interesse especial sobre eles. É difícil achar somente um viés para “Bone”. Nele, Jeff Smith construiu uma aventura que mescla humor simples com doses negras e politicamente incorretas, mas sempre fazendo o leitor sorrir. No meio disso enxerta a série com muita fantasia (nas temáticas e na criação de criaturas exóticas e estranhas) e críticas pungentes sobre comportamento humano, ética e política, sem deixar de fazer dessas críticas instrumentos para a diversão. “Bone” é uma série de extremo valor, recomendável para todos os tipos de públicos e é uma alegria saber que enfim vamos ter toda a série disponível no país. Vale muito.

Nota: 9,5

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Literatura: “Antes de Partir Desta Pra Uma Melhor” e “O Orfanato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares”



Depois de cinco livros, entre eles “Sete Dias Sem Fim” que virou filme nas mãos do diretor Shawn Levy ano passado, dá para entender bem quais as características da literatura do escritor norte-americano Jonathan Tropper. E “Antes de Partir Desta Pra Uma Melhor” (One Last Thing Before I Go, no original), o recente trabalho que a Editora Arqueiro publicou aqui em 2015 com 256 páginas e tradução de Marcello Lino apresenta todas elas. O personagem principal é Drew Silver, um baterista que teve um único sucesso com a banda que tocava e em pouco tempo ascendeu para a posição de rockstar para logo depois galgar o panteão do ostracismo. Vive em um hotel cheio de divorciados e perdedores. Sim, ele foi deixado pela mulher e mantêm uma péssima relação com a filha. Tem como fonte de renda os trocados que ganha tocando em aniversários, batizados e coisas do tipo e a venda de esperma para uma clínica local. Tipo do cara que não ambiciona nada na vida. Até que de uma só tacada descobre que a filha adolescente está grávida, que a ex-mulher vai casar de novo e que tem um problema no coração que se não operar vai lhe matar. Drew Silver carrega as mesmas cores que outros personagens do autor como o Zachary King de “Tudo Pode Mudar”, o  Doug Parker de “Como Falar com um Viúvo”, ou mesmo o Judd Foxman de “Sete Dias Sem Fim”. Da autopiedade a busca por alguma redenção, mesmo que de modo atrapalhado e involuntário. Nos seus livros, Jonathan Tropper sempre pega o personagem principal no meio de um momento ruim, com alguma doença ou morte aparecendo e indica uma reviravolta que precisa ser feita para nisso enxertar bons diálogos de humor no meio do drama. “Antes de Partir Desta Pra Uma Melhor” é mais um exemplo disso e apresenta um autor confortável na repetição e que agrada somente quem o lê pela primeira vez, pois para quem já leu os demais livros a sensação de cansaço supera a diversão.

Nota: 4,0


Tem um trecho disponível para leitura, aqui.


Jacob Portman sempre foi muito chegado ao seu avô. Principalmente quando era criança e enveredava em histórias surreais e fantásticas que eram contadas por ele. Com o tempo foi crescendo e, normalmente, passou a não mais acreditar nessas histórias se tornando um adolescente como qualquer outro, cheio de insatisfações diversas. Contudo, ainda assim continuou nutrindo um carinho todo especial por essa figura e quando este é assassinado em circunstâncias nada normais, Jacob enlouquece perante o que viu no dia da morte e o que lhe foi sussurrado no ouvido antes do falecimento. Aos poucos percebe que as histórias do avô não eram tão surreais assim e para tirar a prova de tudo se manda junto com o pai para uma inóspita ilha do País de Gales onde conhece as tais crianças especiais que tanto ouvia sobre na infância. Essa é a trama inicial de “O Orfanato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares” (Miss Peregrine’s Home For Peculiar Children, no original) livro de autoria do escritor e cineasta Ransom Riggs originalmente publicado em 2011 que ganha reedição nacional pela Editora Leya nesse ano. Com 336 páginas e tradução de Edmundo Barreiro e Marcia Blasques, o livro encantou tanto o diretor Tim Burton que ele resolveu levar a história para o cinema, com adaptação prevista para estrear no ano que vem. Realmente a narrativa e a ambientação têm tudo a ver com o diretor. No livro se fundem terror, suspense, fantasia e aventura de modo esplêndido em uma obra onde o público jovem é o alvo principal, mas que também agrada a adultos. O diferencial do livro é que é permeado por fotografias antigas que vão do curioso ao bizarro sendo parte fundamental do processo da narrativa, auxiliando e muito nas sensações descritas pelas páginas. Em “O Orfanato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares”, o autor cria uma trama sombria misturando diversos conceitos fantásticos tanto da literatura quanto dos quadrinhos (a alusão aos X-Men é óbvia) que funciona como literatura e promete muito mais nos cinemas.

Nota: 8,5

Site oficial do autor: http://www.ransomriggs.com

domingo, 11 de outubro de 2015

Quadrinhos: "Vírus Tropical" e "Penadinho - Vida"


Paola Gaviria nasceu em Quito, capital do Equador em 1977, mas sua família é de origem colombiana o que levou a uma frequente relação entre os dois países. Filha de um pai metido a padre, mas que atuava na clandestinidade, e de uma mãe dramática que lia o futuro das pessoas no dominó, ela foi a caçula que veio fazer companhia para duas irmãs. A mãe ficou grávida dela mesmo após fazer uma operação para não ter mais filhos e diversos médicos achavam que ela estava com algum tipo de vírus e não grávida. Com o decorrer do tempo essa caçula que veio ao mundo meio sem querer virou a artista Power Paola e esse processo de crescimento está relatada na graphic novel “Vírus Tropical”, publicada originalmente lá fora em 2010 e com lançamento aqui esse ano pela Editora Nemo. Com 160 páginas e tradução conjunta de Nicolas Llano Linares e Marcela Vieira a história envereda pela infância e juventude da autora que retrata em preto e branco o processo de amadurecimento e formação da própria personalidade. Histórias autobiográficas tem lugar cativo e habitual nos quadrinhos das últimas duas décadas, pelo menos. Cada vez mais autores utilizam a nona arte como meio de expressão e “Vírus Tropical” segue essa toada. Power Paola usa do humor para espantar alguns demônios pessoais e fazer as pazes com o passado. O tom é melodramático, mas permite risadas ao leitor. Com a arte transitando entre o cartum e o fanzine, optando por ser brusca e direta, Power Paola apresenta um trabalho que se não traz nada de novo, pelo menos é um mais do mesmo com luz própria.

Nota: 6,5

Leia um trecho gratuitamente: http://grupoautentica.com.br/nemo/amostra/1245 


O projeto Graphic MSP que revitaliza as obras de Mauricio de Sousa através da visão de novos autores continua com a missão em 2015. Ainda no primeiro semestre foi a vez de “Penadinho – Vida”. Idealizada e feita a quatro mãos pelo casal Paulo Crumbim e Cristina Eiko (de “Quadrinhos A2”) com 84 páginas, o álbum visita os personagens do cemitério capitaneados pelo fantasminha que empresta o nome ao título. A trama inicia quando Penadinho recebe da Dona Cegonha a notícia de que Alminha – o amor da sua “morte” – vai reencarnar na próxima manhã. Ocorre que Penadinho nunca falou sobre esse amor e com a partida eminente da amada para o mundo dos vivos resolve enfim se declarar a ela. Porém, ele não consegue, afinal nem sempre é fácil falar essas coisas não é mesmo? Então, enquanto procura coragem e uma maneira para demonstrar toda paixão, Alminha é raptada por um estranho ser sugador de almas. A partir disso toda a turma do cemitério sai em busca de realizar o resgate e em uma aventura empolgante enfrenta obstáculos e encontra personagens bem singulares. É verdade que o tom de “Penadinho – Vida” é mais infantil que a maioria das seis obras anteriores, contudo versa sobre temas bem delicados como a morte e o amor. A maneira com que trata isso e ainda envolve bom humor e ritmo hábil, representam o grande mérito da empreitada do casal de autores. Com cores bonitas, arte que remete um pouco ao mangá e um roteiro de fácil assimilação, porém bem construído, o álbum é mais um acerto dentro do projeto Graphic MSP.

Nota: 7,0


quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Literatura: "O Grande Jogo de Billy Phelan" e "Fogo-Fátuo"


Billy Phelan ganha a vida rodeado por jogos e apostas. Mora em Albany nos anos 30, capital do estado de Nova York, no período da grande depressão e antes do início da segunda guerra mundial. Leva a vida em qualquer tipo de jogo. Boliche, bilhar, turfe, dados, nada parece não merecer sua habilidade. Orgulhoso, digno de um código de conduta próprio, parece que podia ter sido algo mais na vida e além disso é um herói improvável, que ninguém vê muito mérito, isso incluído ele mesmo. Esse é o personagem principal de “O Grande Jogo de Billy Phelan”, que a editora Cosac Naify lançou aqui em 2010 em uma caprichada edição com 344 páginas e tradução de Sergio Flaskman. Publicado originalmente em 1978 é o segundo livro do chamado “Ciclo de Albany” que o escritor americano William Kennedy fez ao longo da carreira. Nascido em 1928 tem a literatura comparada a nomes como Ernest Hemingway e Scott Fitzgerald. Além de livros, escreveu peças de teatros e roteiros de filmes (como “Cotton Club” do Coppola). Sua obra mais conhecida é “Ironweed”, trabalho que lhe rendeu o Pulitzer, e virou filme nas mãos do diretor Hector Babenco em 1987 com Jack Nicholson e Meryl Streep nos papeis principais. Em “O Grande Jogo de Billy Phelan” o autor convida o leitor para um passeio em uma cidade dominada por uma família, que manda e desmanda em tudo, da igreja a política, dos bares aos prostíbulos. Além de Phelan, temos outro grande personagem no livro, Martin Daugherty, um colunista do jornal local de bom coração e com culpa familiar pesando no peito. Envolvidos no meio de um sequestro, ambos precisam usar a cabeça para não se afundar e entrar em desespero, isso tudo permeado com acessos de violência, humor seco e uma busca por esperança e aceitação escondida lá no fundo da desordem.

Nota: 8,0


Mesmo dando voltas e mais voltas ao lado do tema, a escritora paulista Patrícia Melo nunca fez de uma obra sua propriamente um romance policial com tudo que o estilo tem direito. Isso só foi acontecer no ano passado em “Fogo-Fátuo”, publicado pela editora Rocco com 304 páginas. Sucessor do ótimo “Ladrão de Cadáveres” de 2010, a obra apresenta Azucena Gobbi, chefe do Setor de Perícias da Central Paulista de Homicídios, mulher forte e decidida, mas que atravessa um verdadeiro vendaval na vida pessoal.  Quando Fábbio Cássio, ator famoso que também tinha uma vida bastante tumultuada acaba atirando na própria cabeça em cima do palco durante uma peça ela se envolve em uma história com tons nada sublimes e cheias de picuinhas e interesses próprios. Na verdade, não se sabe ao certo se o ator se matou ou foi assassinado por alguém que colocou as balas onde não deviam estar e essa busca pela verdade é o tom maior que envolve o romance. Todavia, é nas suas margens que Patrícia Melo brilha e entrega muito mais. Primeiro, versa sobre uma cidade dominada pelo medo, onde a criminalidade galgou níveis assustadores e produz vítimas em escala industrial. Depois, enverada pela ineficácia de boa parte da polícia seja por capacidade mesmo ou por política. E conclui atirando contra a indústria das celebridades cada vez mais horrenda e atroz na correria para vender “notícias”. Em “Fogo-Fátuo”, temos uma escritora com absoluto domínio do seu ofício e que a cada livro parece crescer mais ainda. Na obra novamente exibe a tradicional falta de crença na bondade humana dos seus livros e mesmo sendo um romance policial tradicional, caminha por vielas um pouco diferentes, o que é sempre muito bem-vindo.

Nota: 8,5

Leia um trecho, aqui.

Textos relacionados no blog:

- Literatura: “Jonas, o Copromanta – Patrícia Melo
- Literatura: “Ladrão de Cadáveres” – Patrícia Melo