Era próximo de uma da manhã de
sábado e em um local chamado Audio Club localizado na Avenida Francisco
Matarazzo em São Paulo centenas de pessoas respondiam ensandecidas aos versos
cantados por um senhor de 68 anos no palco. Era apenas a segunda música do
show, mas a catarse coletiva alongava seus braços por todos os presentes. Era
apenas a segunda música do show, mas era um clássico tão absoluto executado de
modo tão feroz e brutal que este mesmo senhor (que de velho não tem
absolutamente nada) achou por bem se lançar a plateia em um mosh insano.
Pouco mais de uma hora depois
Iggy Pop saia do palco no primeiro dia do Popload Festival sobre aplausos
enlouquecidos do público e deixava ali uma certeza: será difícil bater seu show
como melhor do ano em terras brasileiras em 2015. Logo de entrada engatou
quatro porradas e hits do repertório: “No Fun”, “I Wanna Be Your Dog”, “The
Passenger” e “Lust For Life”, duas da fase junto com os Stooges e duas da
carreira solo. Mesmo com vastas canções para compor o show, ficou ao final de
“Lust For Life” uma pequena incerteza de que se o nível conseguiria se manter
tão enérgico até o final. Uma incerteza boba, ao final de tudo.
Mesclando canções dos Stooges do
porte de “Search And Destroy” e “1969” com outras da carreira solo como “Skull
Ring”, “Some Weird Sin”, “Raw Power” e “I’m Bored”, o velho astro fez jus a
fama em uma apresentação impecável. Difícil imaginar como ele consegue se mexer
tanto depois de tudo que fez na carreira (e na vida). Mesmo em faixas como
“Nightclubbing”, mais lentas, não consegue ficar parado. Se o (ótimo) show do
Planeta Terra de 2009 ficou no imaginário até agora por conta de momentos
folclóricos como a calça caindo e a plateia em cima do palco dessa vez tudo foi
mais intenso, mais potente, mais visceral.
A apresentação de Iggy entre a
pancadaria e a doçura coroou a primeira noite do Popload Festival que seguiu à
risca o que prometeu no que tange a facilidades, conforto, limpeza e respeito
ao público. Os serviços foram iniciados às 20:00hs da sexta com o show da
Natalie Prass que mostrou as canções da estreia lançada esse ano. Foi uma
exibição razoável dosando fofura e melancolia, porém as orquestrações contidas no
disco fizeram muita falta nas canções mais lentas que não funcionaram tanto sem
elas. Na sequência o norueguês Sondre Lerche exibiu um repertório calcado em
uma concisa carreira. De início, tentou emendar versões mais rápidas e
aceleradas visando um punch inicial que acabou não sendo tão produtivo assim.
No entanto, quando enveredou pela praia que está mais acostumado entre o folk
rock e o pop, fez um show dentro de tudo que se esperava dele e agradou tanto
os fãs quanto o público em geral.
Na sequência do Sondre Lerche
veio o rapper paulistano Emicida. Com a carreira em ascensão, apresentações
constantes na tevê e capas de revistas, de entrada parecia deslocado dentro do
line-up e uma aposta bem arriscada da produção do festival. Um pouco nervoso
nas primeiras músicas, se soltou e fez um show poderoso e robusto, que em
alguns momentos exibiu duas guitarras. A banda de Emicida é um caso à parte e
executa com brilho suas funções. Talvez pelo motivo de abrir para o Iggy Pop o
setilist tenha sido montando com canções mais ativas, um acerto considerável.
De canções antigas ao mais recente trabalho, Emicida fez um show surpreendente,
com groove, peso e discurso embalados de maneira coesa, e principalmente no que
tange ao discurso, sem toda aquela malice que o Criolo passou a exibir. Ponto para
ele.
O Popload Festival continuou no
sábado e depois do que o Iggy Pop aprontou no dia anterior o que viesse já
poderia ser encarado como bônus. Bárbara Ohana abriu o dia, mas não vi o show.
Cheguei a tempo de ver uma apresentação impecável do Cidadão Instigado só com
canções de “Fortaleza”, o novo trabalho. Se em 2009 a banda tentou soar mais
pop em “UHUUU”, no álbum de 2015 ela retorna para o caso de amor com a
psicodelia e chama o progressivo para a cama também. Essa decisão faz com que o
Cidadão Instigado soe mais preciso que nunca, mais interessante que em toda a
sua já extensa estrada. Agradou muito a apresentação da banda que exala
atualmente uma sonoridade repleta de virtudes.
Os americanos do Spoon vieram em
seguida trazendo na bagagem uma comentada exibição no Planeta Terra de 2008
quando focaram o repertório no então disco recente, o “Ga Ga Ga Ga Ga” de 2007.
Anos depois a história é outra, os caras ficaram maiores e procuraram novos
sons. Em “They Want My Soul” do ano passado, por exemplo, as guitarras dão algum
lugar a músicas um pouco mais lentas que trabalham com afinco a ambientação e a
voz em primeiro plano do vocalista e guitarrista Britt Daniel. E o show de
2015, evidente, que ia dialogar com esse lado atual.
Em uma hora a banda apresentou
novas canções como “Knock, Knock, Knock” que abriu e outras como “Do You” e uma
bonita versão para “Inside Out”. Todavia, não se abstiveram de tocar músicas de
maior sucesso como “Don’t Make Me a Target”, “The Way We Get By”, “You Got Yr. Cherry
Bomb” e “The Underdorg”, entre outras mais antigas como “Small Stakes”, que
demonstra o porquê do sucesso da banda. Após o fechamento com a já tradicional
versão de “TV Set” do Cramps (com o vocal mais abafado do que deveria), a
sensação foi de que mesmo sendo um show com diversos bons momentos, ficou
faltando mais energia, mesmo se levando em conta o último disco.
Já era domingo, com horário de
verão vigorando, quando o Belle and Sebastian entrou para encerrar a noite e o
festival. Os escoceses estão na porta dos 20 anos de carreira e praticamente
são responsáveis por boa parte do sucesso do indie e de vertentes como o
indie-folk. Não são pais de nada, que fique claro, mas podem ali assumir numa
boa como tios. O público presente, maior que o de sexta, não se arremessa de
cabeça como o de Iggy Pop, mas sim contempla com devoção e canta junto. O Belle
procura novos caminhos e o resultado dessa opção se faz presente no álbum
lançado esse ano, o “Girs In Peacetime Want To Dance”, onde sintetizadores,
teclados e batidas alinham canções mais dançantes, claramente inspiradas nos
anos 80.
O show já abre com “Nobody’s
Empire” do disco novo para mostrar justamente isso, que a banda não quer viver
só de passado. Essas novas músicas inclusive funcionam muito melhor ao vivo
como foi o caso de “The Party Line”, “Play For Today” e principalmente “Perfect
Couples” com Stuart Murdoch executando passos de dança dentro de uma corajosa
calça prateada que não fazem feio aqueles que Bernard Summer arrisca na frente
do New Order. Passos típicos de professor bêbado em festa de colégio. Essa diretiva
de Stuart Murdoch e a trupe do Belle tem que ser sim louvada, pois resolvem
tentar algo diferente do seu usual, sem desmerecer o que já construíram.
O trio de canções do clássico “If
You’re Feelling Sinister” de 1996 que apareceram no show composto por “Seeing
Other People”, “The Stars And Track and Field” e “Judy and the Dream of Horses”
foi recebido com nostalgia e amor, além de cantadas com paixão pelo público.
Todavia, o ápice veio em “The Boy With The Arab Strap”, faixa-título do
terceiro disco de 1998, quando várias pessoas foram convidadas a se juntar a
banda em uma festinha indie prazerosa e alegre no palco. Vejam bem que
interessante, quando todos esperavam que Iggy Pop fosse aquele a convidar a plateia
a subir, quem fez isso foram os comportados escoceses.
O Belle And Sebastian fez um show
muito bonito e digno de encerrar o festival. Mesmo tendo em mão canções para
montar um repertório dos sonhos dos fãs (principalmente os mais antigos), optou
por apresentar novidades e adicionar algum lado b pelo meio. Não é uma escolha
fácil. Até porque se fizesse isso poderia (e provavelmente seria) acusado de
viver de passado e ser uma banda morta. A aposta mais arriscada funcionou e
isso que vale no final. O show é praticamente uma extensão dos próprios discos
do grupo. Não irá mudar a vida de ninguém (quem muda hoje em dia?), nem entrar
em listas de melhores ao redor do mundo, contudo, naquela hora, hora e meia,
existem canções que fazem você se sentir melhor e cantar junto e isso ainda
deve ser de alguma valia, afinal.
O resultado final desta edição do Popload
Festival foi extremamente positivo, onde a única coisa a ser criticada são os
preços, mas isso é assunto para outra discussão. O Audio Club é um lugar com
ar-condicionado, sempre limpo e teve seu espaço estendido para abrigar uma área
de alimentação de bom gosto e o mais importante, sem filas intransponíveis. Com
acesso tranquilo e saída facilitada pela parceria e promoção com uma empresa de
táxis, o festival apresentou forte enganche para continuar e talvez - com todas
as devidas guardadas proporções - substituir o falecido Planeta Terra. Vejamos.
Top 5 – Shows
1- Iggy
Pop
2- Belle
And Sebastian
3- Emicida
4- Spoon
5- Cidadão
Instigado
Top 5 - Músicas
1- “I
Wanna Be Your Dog” – Iggy Pop
2- “Casa”
- Emicida
3- “Perfect
Couples” – Belle And Sebastian
4- “Inside
Out” – Spoon
5- “Bad
Law” – Sondre Lerche
As fotos utilizadas foram
retiradas da página oficial do evento no Facebook, aqui.
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