No dia 7 de janeiro desse ano, a redação
do jornal francês “Charlie Hebdo” foi invadida por homens armados que assassinaram
12 pessoas e deixaram mais alguns com ferimentos. O atentado foi motivado por
charges que faziam graça com Maomé, figura central do Islamismo, publicadas
pelo jornal, conhecido pelo tom de sátira e humor com que permeia as páginas. A
edição mais recente desse mesmo jornal trazia uma charge com a caricatura do
escritor local Michel Houellebecq fazendo alusão ao lançamento do romance “Submissão” (“Soumission”, no original)
naquela mesma época.
Ficou difícil então a partir
deste acontecimento desassociar o livro do atentado, tanto por conta do conteúdo
quanto pelo próprio autor, conhecido por suas polêmicas e pensamentos. Autor de
obras como “Plataforma” e “O Mapa e o Território”, Houellebecq tem essa
vertente como uma marca pessoal. O selo Alfaguara da Editora Objetiva publicou
recentemente aqui no país esse romance, com 256 páginas e tradução de Rosa
Freire d’Aguiar.
Ambientando em um futuro bastante
próximo, o leitor é apresentado a uma França que nas eleições de 2022 fica sob
o poder do fictício partido da Fraternidade Muçulmana, liderado pelo candidato
Mohammed Ben Abbes, que une tanto direita quanto esquerda em um segundo turno
que acaba com velhas tradições políticas do país. Os fatos são contados por
François, professor universitário da Sorbonne, que há muito leva uma vida sem
grandes emoções ou ambições e se considera um fracasso, por mais que goze de
respeito dentro do círculo profissional.
Fascinado pelo escritor francês
Joris-Karl Huysmans (1848-1907), o qual considera como um companheiro e um
amigo fiel, e justifica muito das suas decisões e pensamentos, François de
repente se vê no meio de uma mudança drástica de pensamento em seu país e de início
não sabe bem como se portar, até mesmo pelo simples fato de que no âmbito
pessoal as coisas não andam também lá as mil maravilhas. E mesmo que as
mudanças já sejam oriundas de um processo em andamento, ele simplesmente não se
dá conta disso.
Na primeira parte do romance o
processo eleitoral toma conta com os acordos, negociatas, sujeiras,
dissidências e controvérsias inerentes a esse tipo de processo. Há um
interlúdio quando o personagem principal a fim de sair da confusão que toma
conta do país (mas que não chega a ser tão grande como ele imaginava) sai em
retiro para o interior, e, logo após isso, existe a segunda parte que finaliza
o romance mostrando as alterações introduzidas pelo novo governo.
Em “Submissão” há muito com o que se revoltar, caso você tenha ideia
de um mundo mais justo, unido e com maior aceitação, visto que as ideias
expostas quase que em sua totalidade são um arcabouço de conservadorismo,
xenofobia, machismo e misoginia. Todavia, há de se considerar que o tom utilizado regularmente é proposital e habilmente colocado pelo autor
para essa condição de suscitar questionamentos, discussões e debates que
circundam tanto questões comportamentais quanto religiosas.
Ao colocar nas entrelinhas de “Submissão” que a salvação do ocidente
seria aceitar os termos do Islã, indo assim na direção inversa de preceitos e
valores, Michel Houellebecq não só expõe várias feridas da atual realidade
mundial, como instiga o leitor a pensar com mais afinco sobre aquilo que acabou
de ler. É o tipo de livro que causa mais rebuliço não pelas qualidades
literárias e sim pelas ideias expostas, sejam elas absurdas ou não, mas que cumprem
com o objetivo de provocar e fazem da obra uma das melhores dos últimos anos.
Nota: 9,0
Leia gratuitamente um trecho do
livro, aqui.
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