domingo, 30 de agosto de 2015

"Submissão" - Michel Houellebecq

No dia 7 de janeiro desse ano, a redação do jornal francês “Charlie Hebdo” foi invadida por homens armados que assassinaram 12 pessoas e deixaram mais alguns com ferimentos. O atentado foi motivado por charges que faziam graça com Maomé, figura central do Islamismo, publicadas pelo jornal, conhecido pelo tom de sátira e humor com que permeia as páginas. A edição mais recente desse mesmo jornal trazia uma charge com a caricatura do escritor local Michel Houellebecq fazendo alusão ao lançamento do romance “Submissão” (“Soumission”, no original) naquela mesma época.

Ficou difícil então a partir deste acontecimento desassociar o livro do atentado, tanto por conta do conteúdo quanto pelo próprio autor, conhecido por suas polêmicas e pensamentos. Autor de obras como “Plataforma” e “O Mapa e o Território”, Houellebecq tem essa vertente como uma marca pessoal. O selo Alfaguara da Editora Objetiva publicou recentemente aqui no país esse romance, com 256 páginas e tradução de Rosa Freire d’Aguiar.

Ambientando em um futuro bastante próximo, o leitor é apresentado a uma França que nas eleições de 2022 fica sob o poder do fictício partido da Fraternidade Muçulmana, liderado pelo candidato Mohammed Ben Abbes, que une tanto direita quanto esquerda em um segundo turno que acaba com velhas tradições políticas do país. Os fatos são contados por François, professor universitário da Sorbonne, que há muito leva uma vida sem grandes emoções ou ambições e se considera um fracasso, por mais que goze de respeito dentro do círculo profissional.

Fascinado pelo escritor francês Joris-Karl Huysmans (1848-1907), o qual considera como um companheiro e um amigo fiel, e justifica muito das suas decisões e pensamentos, François de repente se vê no meio de uma mudança drástica de pensamento em seu país e de início não sabe bem como se portar, até mesmo pelo simples fato de que no âmbito pessoal as coisas não andam também lá as mil maravilhas. E mesmo que as mudanças já sejam oriundas de um processo em andamento, ele simplesmente não se dá conta disso.

Na primeira parte do romance o processo eleitoral toma conta com os acordos, negociatas, sujeiras, dissidências e controvérsias inerentes a esse tipo de processo. Há um interlúdio quando o personagem principal a fim de sair da confusão que toma conta do país (mas que não chega a ser tão grande como ele imaginava) sai em retiro para o interior, e, logo após isso, existe a segunda parte que finaliza o romance mostrando as alterações introduzidas pelo novo governo.

Em “Submissão” há muito com o que se revoltar, caso você tenha ideia de um mundo mais justo, unido e com maior aceitação, visto que as ideias expostas quase que em sua totalidade são um arcabouço de conservadorismo, xenofobia, machismo e misoginia. Todavia, há de se considerar que o tom utilizado regularmente é proposital e habilmente colocado pelo autor para essa condição de suscitar questionamentos, discussões e debates que circundam tanto questões comportamentais quanto religiosas.

Ao colocar nas entrelinhas de “Submissão” que a salvação do ocidente seria aceitar os termos do Islã, indo assim na direção inversa de preceitos e valores, Michel Houellebecq não só expõe várias feridas da atual realidade mundial, como instiga o leitor a pensar com mais afinco sobre aquilo que acabou de ler. É o tipo de livro que causa mais rebuliço não pelas qualidades literárias e sim pelas ideias expostas, sejam elas absurdas ou não, mas que cumprem com o objetivo de provocar e fazem da obra uma das melhores dos últimos anos.

Nota: 9,0

Leia gratuitamente um trecho do livro, aqui.


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