“Não arrisquei a vida para levar a democracia ao Iraque. Arrisquei-a
pelos meus companheiros, para proteger os meus amigos e compatriotas. Fui à
guerra pelo meu país, não pelo Iraque. Meu país me mandou lá para que aquela
merda não fosse parar na nossa terra. Nunca lutei uma única vez pelos
iraquianos. Eu estava pouco me fodendo para eles”.
Durante a guerra do Iraque nos
anos 2000 que foi vestida com as roupas daquilo que os EUA denominaram de
“Guerra ao Terror” depois do atentado de 11 de setembro de 2001, muito se ouviu
sobre as verdadeiras causas da invasão, sobre os reais motivos que levaram o
Presidente Bush e sua cúpula a ordenar os ataques. Durante esse tempo
revelações foram feitas e percebeu-se que alavancada por inúmeras mentiras os
motivos dos EUA não eram tão nobres como eles alegavam e pouco tinham a ver com
levar a liberdade ao povo iraquiano acuado pelo sanguinário ditador Saddam
Hussein.
O texto realçado lá em cima é
retirado do livro “Sniper Americano”
(“American Sniper: The Autobiography of
the Most Lethal Sniper in U.S Military History” no original, 2013), que a
editora Intrínseca publicou no Brasil no início desse ano pegando carona no
filme dirigido por Clint Eastwood e estrelado por Bradley Cooper, que rendeu
surpreendentes e inexplicáveis 6 indicações ao Oscar, incluindo ali categorias
como Melhor Filme, Melhor Ator e Melhor Roteiro Adaptado. Se ao sair do cinema
questionava-se como um trabalho tão ruim poderia ter sido agraciado com tantas
indicações, depois de acabar o livro que deu origem ao longa se conclui que nada
é tão ruim que não possa piorar mais.
O livro de Chris Kyle elaborado
com a ajuda do escritor Jim DeFelice e do advogado (sim, advogado) Scott McEwen
ganhou o subtítulo nacional “O Atirador Mais Letal da História dos EUA”,
realçando o fato de que mais de 150 mortes foram atribuídas ao autor e outras mais
ainda anseiam por confirmação. Com 344 páginas e tradução de André Gordirro, o
livro apresenta esse SEAL (membro de força específica da Marinha treinada para
operações especiais), nascido no Texas e falecido aos 39 anos, assassinado por
outro veterano de guerra que sofria de estresse pós-traumático e estava dentro
do rol de pessoas ajudadas em um projeto destinado a reinclusão de soldados na
sociedade.
Desde criança Chris Kyle já tinha
acesso a armas de fogo, coisa normal dentro da cultura do seu país. Quando
resolveu entrar para a Marinha com o senso de patriotismo exacerbado se
direcionou para o grupo de atiradores de elite, onde essa paixão armamentista
poderia ser bem utilizada. Lá ele encontrou um ambiente propício para progredir
e utilizar suas ideias de mundo a favor de Deus, da pátria e da família, nessa
ordem, como faz questão de destacar em várias passagens. E foi premiado por
isso e exaltado pelos seus feitos, suas mortes, mesmo que isso não lhe
interessasse tanto no que chamava de “glória
de mentira”, pois o objetivo era mesmo matar pessoas.
Quando descreve o treinamento
para chegar a SEAL, onde sofria todo tipo de violência física e psicológica
para ficar quase indestrutível, é fácil perceber como a máquina de guerra funciona
superficialmente. Os soldados passam por uma lobotomia onde todo o senso de
questionamento é retirado para seguir ordens. A enfermeira britânica Florence Nightingale,
pioneira do tratamento a feridos de guerra, afirmou certa vez que: “é necessária uma certa dose de estupidez
para se fazer um bom soldado”. Durante a leitura de “Sniper Americano” essa frase se correlaciona em vários momentos e em
diversas formas.
A figura de Chris Kyle, pelo
menos aquela retratada no livro, é egocêntrica e raivosa, com claros exemplos
de racismo e xenofobia, além de desprezo para quem não pensa da mesma maneira
que ele. Visões de valores deturpados pelo meio ou o senso de que todas as
mortes são abonadas por algo superior e ele pode “ficar diante de Deus com a consciência limpa por ter feito o (...) trabalho”,
mostram que o seu fundamentalismo religioso não é tão diferente assim daquele que
visava combater. Por dentro desse discurso de pátria e religião o que reside
mesmo é a diversão, que o autor afirma frequentemente conseguir, dizendo que “adorava o que fazia”.
Não há ingenuidade na guerra e
nela não existem santos. Barbaridades são cometidas dos dois lados envolvidos,
por isso toda crucificação pode ser uma bela furada. No entanto, “Sniper Americano”, além da escrita sem brilho, mostra um protagonista com ideário questionável e senso de justiça
completamente difuso. É um livro que vale somente para atestar o absurdo
doutrinamento utilizado para se formar soldados eficazes e com pouca argumentação destinados a atingir fins governamentais escusos travestidos de bondade, sendo que o enaltecimento dos feitos de guerra pelo governo e pelo próprio livro
construindo uma lenda ou mito faz parte direta disso.
P.S: Mestre Yoda, que sabia muito das coisas, afirmava brilhantemente em Star Wars:“Grande guerreiro? Guerra não faz grande ninguém”. É por aí.
P.S: Mestre Yoda, que sabia muito das coisas, afirmava brilhantemente em Star Wars:“Grande guerreiro? Guerra não faz grande ninguém”. É por aí.
Nota: 3,0
A editora Intrínseca fez uma
página para o livro. Para saber mais, acesse: http://www.intrinseca.com.br/sniperamericano
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