sábado, 31 de janeiro de 2015

"O Irmão Alemão" - Chico Buarque

Chico Buarque não lançava um novo livro desde “Leite Derramado” de 2009, onde mesmo construindo um bom romance estancava ali a sua ascensão como escritor iniciada com “Estorvo” em 1991 e passando por “Benjamim” de 1995 e por aquele que é seu melhor trabalho até então, “Budapeste” de 2003. Esse silêncio literário terminou no final do ano passado quando a Companhia das Letras colocou no mercado as 240 páginas de “O Irmão Alemão”.

Para construir a nova obra, o autor usou a história real de um meio-irmão alemão. Seu pai, o acadêmico e intelectual Sérgio Buarque de Holanda, morou em Berlim nos anos de 1929 e 1930 e de lá saiu antes da subida de Adolf Hitler ao poder deixando para trás um filho que nunca conheceu proveniente de uma aventura amorosa na cidade. Posteriormente, até ajudou de determinada maneira esse filho de nome Sergio Ernst, contudo os sete filhos que teve no Brasil nunca o conheceram, assim como sua esposa.

Em um dia no longínquo ano de 1967 na casa do poeta pernambucano Manuel Bandeira junto com Tom Jobim e Vinicius de Moraes é que Chico Buarque soube da existência do “filho alemão do seu pai”. A partir de então começou a se interessar pelo assunto, até que este assunto cresceu exponencialmente até se tornar o tema do trabalho mais recente. Documentos antigos foram surgindo para dar novas nuances a escrita, assim como uma extensa pesquisa foi coordenada tanto na Alemanha quanto aqui no Brasil para servir de matéria prima ao romance.

Porém, “O Irmão Alemão” não é um livro somente com fatos verídicos. Não, não, bem longe disso. Chico Buarque usa sim muitos fatos da própria família e história para atravessar os turbulentos anos 60, assim como retornar ao passado e finalizar a obra nos nossos dias, mas, esses fatos são misturados com abundância com outros inventados e imaginados pelo autor, resultando assim em um trabalho que mescla realidade e ficção, como também devaneia por caminhos hipotéticos.

Esse artifício de sobrepor realidade e ficção não é novidade na literatura do escritor, ele já utilizou isso outras vezes, todavia, a intensidade aqui ambiciona ser maior, com a soma de prováveis destinos e outras passagens com a inserção de um sonhar ilusório. No livro, o jovem Francisco de Hollander sabe da existência do irmão mexendo em um livro da gigantesca biblioteca do pai, que dá mais atenção aos livros do que a família, e quando direciona um pouco de tempo a isso sempre busca o irmão mais velho.

Quando toma conhecimento desse fato, Francisco (chamado de Ciccio, também) empreende uma busca febril, ousada e com pífios resultados atrás desse irmão que não conhece. Enquanto isso não ocorre vai aumentando a própria cultura caindo de cabeça em autores dos mais diversos quilates e estirpes, além de iniciar suas buscas amorosas e etílicas sempre a sombra do irmão que serve de alavancagem para uma grande parte das decisões que toma, inclusive a de procurar saber o que aconteceu com Sergio Ernst.

É fato o domínio que Chico Buarque tem da escrita e da língua portuguesa e não é novidade para quem já o leu a utilização de palavras pouco usuais no nosso dia a dia, como também variações linguísticas um pouco mais experimentais. Esse expediente em “O Irmão Alemão” transfigura em certos trechos mais do que um escritor soberano da sua literatura, um exercício de pretensão por parte deste, visto que em uma quantidade bem elevada são apenas floreios desnecessários que não acrescentam muito ao objetivo da trama e nem a caracterização dos personagens.

Até mesmo algumas obviedades são percebidas no livro como o claro e límpido antagonismo criado entre os irmãos Hollander para adicionar o interesse pelo meio-irmão alemão e depois a entrada de um fato maior (a ditadura brasileira no caso aqui) para amenizar essa relação, mesmo que a distância. Com capítulos onde as pausas são raras, o autor faz em “O Irmão Alemão” um livro mais interessante que o seu antecessor, porém ainda assim levemente perdido entre o excesso de confiança e a insipidez, e ainda distante do grande livro que sempre se espera de Francisco Buarque de Holanda.

Nota: 7,0

Textos relacionados no blog:
- Literatura: “Leite Derramado”(2009) – Chico Buarque

A Companhia das Letras disponibilizou um trecho gratuitamente, aqui.

Assista a um vídeo do escritor lendo um pouco da própria obra:

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

"O Jogo da Imitação" - 2015

Durante a segunda guerra mundial os alemães inventaram uma forma indecifrável de se comunicar usando um código chamado Enigma para criptografar suas mensagens que prenunciavam ataques e repassavam informações táticas entre os altos escalões. Só que o código não era tão indecifrável assim e depois de muito estudo e provações das mais distintas categorias uma equipe britânica liderada pelo matemático Alan Turing conseguiu a proeza de descodificar, sendo que de acordo com estudos atuais isso diminuiu a guerra em pelo menos dois anos.

“O Jogo da Imitação” (The Imitation Game, originalmente) narra essa história, além de se aprofundar na vida do personagem principal elucidando fatos tanto do seu passado quanto do futuro. O longa abocanhou oito indicações para o Oscar 2015, com destaque para categorias pesadas como melhor filme, melhor direção, melhor ator e melhor roteiro adaptado (baseado em livro de Andrew Hodges). Dirigido pelo norueguês Morten Tyldum (de “Headhunters”) é de se esperar com tantas indicações que o trabalho seja daqueles que beiram a perfeição. Mas não é bem assim.

“O Jogo da Imitação” é um filme razoável que trata de uma história espetacular. O roteiro feito pelo quase inexperiente Graham Moore é eficiente e questões técnicas como a edição nas mãos do veterano William Goldenberg (de “Argo” e “A Hora Mais Escura”) e a direção de arte com Nick Dent (“A Dama de Ferro”) alcançam o esperado nível de magnificência. Contudo, o formato escolhido pela direção para expor a trama é óbvio, redondinho, todo certinho e feito sob medida para agradar espectadores menos críticos. Isso, somado a decepção da maioria das atuações principais dificulta ainda mais a justificativa para tanto alarde.

Alan Turing é interpretado pelo excelente Benedict Cumberbach, destaque da ótima série “Sherlock” e atual queridinho da crítica. Em “O Jogo da Imitação” no entanto, ele está em grande parte apenas repetindo o papel que faz em “Sherlock”, o papel do gênio brilhante e irascível com boas quantidades de arrogância e falta de traquejo social. Keira Knightley que faz Joan Clarke, amiga de Turing, também apenas repete papéis anteriores no meio dos seus sorrisos, assim como Charles Dance como um comandante da Marinha duplica expressões e gestos do Lorde Tywin de “Game Of Thrones”.

O elenco tem outros desempenhos melhores como o de Matthew Goode como Hugh Alexander, um dos envolvidos no projeto de decodificação, e Mark Strong como Stewart Menzies, o chefe do MI6, o serviço de espionagem britânico, mas isso apenas ameniza a atuação robótica e repetitiva dos demais e a história espetacular acaba também perdendo por conta disso. Alan Turing, considerado hoje como um dos pais da computação moderna e um dos primeiros a esboçar o conceito de inteligência artificial, tinha 27 anos quando entrou na guerra e mesmo sendo fundamental para a vitória dos aliados recebeu um tratamento vergonhoso por parte do seu governo.

Homossexual que era, foi processado por atentado ao pudor em 1952, já que ser homossexual no Reino Unido era crime na época (tal absurdo só acabou em 1967). Para fugir da prisão aceitou um tratamento de hormônios femininos e castração química, mas faleceu em 1954 com apenas 40 anos o que para muitos foi suicídio e até hoje permanece mal explicado, privando assim o mundo de muitas outras descobertas. “O Jogo da Imitação” poderia desenvolver mais esse aspecto ou a questão de “brincar de Deus” na hora da guerra, mas opta apenas em ser palatável e acaba sendo na verdade um produto bem menor do que aquilo que ambiciona demonstrar.

P.S: Nos últimos anos Alan Turing recebeu postumamente um pedido público de desculpas do governo britânico assim como um perdão oficial da Rainha Elizabeth II.

Nota: 6,5

Um site sobre Alan Turing (em inglês): http://www.turing.org.uk

Assista a um trailer legendado:

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Séries - "The Flash"

Existem vários poderes desejáveis no universo imaginário dos super-heróis. Invulnerabilidade, invisibilidade, telepatia, voo, magia, premonição, mas convenhamos, velocidade ampliada é um dos mais bacanas de todos. Poder chegar onde quiser rapidamente, entrar e sair sem ser percebido, não se atrasar nunca mais, não se preocupar com engarrafamentos, é realmente um sonho. O Flash, um dos personagens mais populares da DC Comics tem essa habilidade e por isso, além de popular sempre se apresentou com grande importância no mundo da empresa.

Criado na Era de Ouro dos quadrinhos (anos 40) por Gardner Fox e Harry Lampert, o personagem foi reinventado na segunda metade dos anos 50 (conhecida como Era de Prata) como Barry Allen, um cientista forense de Central City que ao ser atingido por um raio é afetado por vários produtos químicos e ganha a possibilidade de acessar algo chamado “força da aceleração”, que lhe permite ser o homem mais rápido do mundo. Durante o decorrer dos anos o Flash teve várias outras encarnações nos quadrinhos, morreu e ressuscitou (como de costume), mas sempre se manteve em um papel de destaque na DC.

No ano passado o personagem ganhou novamente uma série de tevê, dessa vez produzida pelo Canal CW. Em 1990 já havia sido feito uma tentativa que durou apenas uma temporada e 21 episódios e que trazia o ator John Wesley Shipp no papel do herói (e que está na nova série como o pai de Barry Allen). Todavia, essa série dos anos 90 não chega nem próximo do nível de sofisticação da nova “The Flash” que é transmitida aqui no Brasil pela Warner Channel toda quinta-feira às 22hs. Ambientada no mesmo espaço e tempo de “Arrow”, a nova empreitada é bem mais luxuosa e completa.

A relação com “Arrow” se define em vários aspectos. Primeiro, a produção executiva conta com a mesma dupla formada por Greg Berlanti e Andrew Kreisberg, segundo, Barry Allen (interpretado pelo ator Grant Gustin) já havia aparecido em alguns episódios de lá, e por fim, as duas séries tiveram um crossover (prática comum nos quadrinhos, mas pouco usual em séries) logo na primeira metade da temporada de “The Flash” (e que funcionou muito bem). Há ainda o grande Geoff Johns, um dos artistas mais expressivos da DC, como consultor de ambas as histórias.

“The Flash” é bem produzida e comandada, diretores experientes da televisão como David Nutler e John Behring passaram pelos episódios. A representação da velocidade e dos aspectos dos poderes dos vilões também funciona bem, mas o que preocupa nesta primeira metade é a condução de parte dos roteiros. Óbvio que por se tratar de um início a série fala sobre ambientação e adequação, mas o tom do roteiro flerta muito a ação com uma parte de humor meio forçado e não muito adequada a Barry Allen. Além disso, os personagens novos criados para a série ainda não conseguiram se firmar, exceção feita ao Detetive Joe West (Jesse L. Martin).

Já que “The Flash” tem uma relação direta com “Arrow” é simples correlacionar os mesmos problemas apresentados nas duas primeiras temporadas do arqueiro de Starling City, onde episódios muito bons eram divididos com outros nem tanto assim, alternando a inspiração dos quadrinhos com flertes para agradar um possível novo público. “Arrow” só começou a ficar realmente interessante a partir da terceira temporada onde os personagens se consolidaram e um caminho foi traçado. “The Flash” sofre dessas mesmas questões e mesmo com a segunda temporada já confirmada, resta saber se terá fôlego para alcançar um nível melhor de qualidade.

A confirmar.

Nota: 6,0


Assista a um trailer legendado:

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

"Aniquilação" - Jeff Vandermeer

Existe um determinado espaço físico que o governo esconde do restante da população com medo do que lá se encontra ou mesmo por não saber muito bem o que é na verdade. Esse mesmo governo vive enviando expedições para essa região, expedições ora compostas por civis com habilidades específicas, ora por militares treinados, com o intuito de mapear melhor essa região e conhecer possíveis segredos. Pelo menos isso é o que se imagina, mas nunca dá para confiar muito em qualquer governo que seja, não é?

O escritor Jeff Vandermeer publicou lá fora no ano passado a trilogia “Comando Sul”, que tem em “Aniquilação” (“Annihilation”, no original), o primeiro livro da série. A Editora Intrínseca lançou aqui no Brasil também no ano passado esta parte inicial com 200 páginas e tradução de Braulio Tavares, sendo que os outros dois tomos também estão previstos para lançamento nacional em um futuro próximo (“Autoridade” e “Aceitação”, são eles). Os direitos da obra já foram vendidos para a Paramount Pictures para uma adaptação cinematográfica.

“Aniquilação” é uma amálgama de vários estilos. Primeiro, na superfície, trata-se de uma aventura básica onde um grupo entra em um local perigoso e misterioso com uma missão específica para cumprir. Contudo, ao ultrapassar essa superfície invade outros campos como a ficção científica (na essência é realmente isso), o terror e o drama psicológico, além de atirar levemente em abusos de autoridade governamental representado principalmente pela falha de informações e omissões de alguns temas.

No livro conhecemos aquela que é 12ª expedição para o setor de acordo com os militares. A Área X, como é denominada, dessa vez é adentrada por um grupo representado por uma bióloga (que serve como narradora dos fatos), uma psicóloga (a chefe), uma topógrafa e uma antropóloga, quatro mulheres fortes, mas bem diferentes entre si, que em primeiro lugar precisam se dar bem para que a missão tenha sucesso. Entre mentiras, medos e alucinações, esse pequeno time percebe que nada é como lhe falaram e a aventura em si tem realmente começo.

Jeff Vandermeer é um autor premiado, já teve seus livros anteriores traduzidos para vários idiomas e recebeu três Word Fantasy Awards, além de indicações para os prêmios Hugo e Nebula, mas ainda é pouco conhecido no país (foi publicado aqui apenas a partir de 2012). “Aniquilação” serve para melhorar isso e mostrar um escritor com domínio do suspense e da habilidade de prender o leitor, mesmo explorando temas já meio cansados, e isso não é fácil. Por tudo isso é um bom livro, mas que com a direção certa deve render muito mais na tela do cinema.

P.S: Como já escrito, ainda tem dois volumes a serem publicados e só depois deles é que pode-se ter na realidade uma análise final sobre a trilogia.

Nota: 7,0

A Intrínseca fez um hotsite para o livro: http://www.intrinseca.com.br/aniquilacao


sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

"A Balada de Adam Henry" - Ian McEwan

É difícil distinguir os limites de cada religião, aquilo que se convenciona como permissível ou simplesmente relacionado aos seus próprios dogmas. Esses limites tem as suas consequências legais, sociais e morais e não é nenhuma novidade essa religião ser usada de modo controverso e inexplicável, como também para justificar atos injustificáveis. O autor britânico Ian McEwan (de livros como “Reparação”, “Sábado” e “Na Praia”) é um contumaz crítico do teor medieval de algumas práticas religiosas e deixa isso bem claro no mais recente trabalho.

“A Balada de Adam Henry” (“The Children Act”, no original) foi lançado lá fora no ano passado e ganhou edição por aqui no mesmo ano pela Companhia das Letras, com 200 páginas e tradução de Jorio Dauster. No livro, Ian McEwan envolve habituais temas seus como os erros pessoais, as falhas da sociedade em geral e a fragilidade e o cansaço do casamento como instituição “sagrada”, com uma esfera jurídica que serve para dar vazão as críticas fortes que faz em direção a regras religiosas.

A personagem principal do livro é a juíza Fiona Maye, que trabalha na vara de família e decide casos que envolvem divórcios, guardas de filhos, heranças e coisas do tipo. Ou seja, vive diariamente com uniões destruídas e brigas vorazes. Próxima de completar 60 anos tem um casamento normal, pelo menos até onde ela enxerga. É quando seu marido a surpreende com a decisão de ter uma aventura amorosa com uma mulher mais nova com a desculpa de que as coisas entre eles esmoreceram e não têm mais sentido.

É nesse cenário que surge Adam Henry, um jovem ainda menor de idade (mas apenas a três meses da maioridade), que está com leucemia e precisa urgentemente de uma transfusão de sangue. O problema é que tanto Adam, quanto os seus pais, são Testemunhas de Jeová, e a religião deles não permite a transfusão de sangue, pois acreditam que isto fere os preceitos de Deus e é melhor que se cometa o sacrifício e morrer do que burlar esses preceitos e “sujar” o sangue e por consequência a própria alma. O hospital não acata isso e parte para a briga judicial na qual Fiona é a juíza.

Em “A Balada de Adam Henry”, Ian McEwan confronta os absurdos religiosos com o poder de cada um decidir o que é melhor para si. Contrapõe desejos reprimidos (maternais e sexuais) e o conforto ilusório (ou não) de uma relação duradoura. São terrenos espinhosos para serem visitados esses que o autor opta em tratar, contudo ele faz isso com bastante destreza e o requinte na escrita que lhe é peculiar, o que só confirma o talento e sua posição como um dos grandes romancistas da atualidade.

Nota: 8,5

A Companhia das Letras disponibilizou um trecho gratuitamente para download. Passe aqui.

Textos relacionados no blog:

- “Na Praia” – Ian McEwan 

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

"O Homem Mais Procurado" - 2014

“O Homem Mais Procurado” (“A Most Wanted Man”, no original) foi um dos últimos filmes em que o ator Philip Seymour Hoffman trabalhou antes de falecer espantosamente em 2 de fevereiro do ano passado. Dirigido por Anton Corbijn (de “Control” e “Um Homem Misterioso”), o longa é baseado no livro de mesmo nome do escritor britânico John Lé Carré, famoso por suas tramas de espionagem e suspense, tendo aqui Andrew Bovell como responsável pelo roteiro adaptado.

Só o fato do filme ter sido lançado após a morte de Philip Seymour Hoffman já seria suficiente para gerar um interesse em assistir. Mas não é somente isso que temos de atrativos, pois além do já citado diretor, o trabalho tem um elenco bem respeitável. Estão nele: Rachel McAdams (“Meia-Noite em Paris”), (Daniel Brühl (“Adeus, Lênin!”), William Dafoe (“Homem-Aranha”) e Robin Wright (“House Of Cards”), entre outros atores.

A película passou pelos cinemas rapidamente em 2014 e agora está disponível em DVD e no Netflix. Nela vemos Seymour Hoffman exibindo seu talento como Günther Bachmann, um agente da inteligência alemã sediado em Hamburgo que tem como objetivo impedir novos ataques terroristas. Assombrado por uma falha anterior, o agente tem um pequeno time de confiança a seu dispor mas precisa sucumbir a autorizações não somente do governo alemão de modo geral, como também de órgãos americanos como a CIA e o FBI, em trabalho conjunto.

Quando um imigrante russo-checheno desembarca em Hamburgo todos esses olhos se voltam para ele, já que tem um largo histórico de participação em atos terroristas. Esse imigrante (interpretado por Grigoriy Dobrygin) chega a Alemanha em busca de uma herança que o pai, um antigo militar corrupto soviético deixou em um banco. Sem saber muito bem sobre isso, uma advogada (Rachel McAdams) especialista em ajudar estrangeiros torturados e oriundos de zonas de guerra, passa a servir de intermediária nessa transação.

O que vemos a seguir é uma trama recheada de intrigas, traições, desconfiança, esperteza e habilidade. Bem típica dos livros de John Lé Carré e que já podemos acompanhar no cinema, por exemplo, na adaptação de “O Espião Que Sabia Demais” feita em 2011 pelo diretor Tomas Alfredson. Assim como nesse trabalho, não espere perseguições, bombas, tiroteios, lutas homéricas, nada disso. Tudo se desenvolve em um ritmo sincopado onde as ideias, o poder e o cérebro são as ferramentas principais, e não os músculos.

Guardadas as devidas proporções Anton Corbijn já fez algo parecido em “Um Homem Misterioso” e meio que repete essa dosagem lenta e espaçada. Talvez “O Homem Mais Procurado” não agrade quem está acostumado aos filmes do tipo repletos de ação e efeitos especiais como “Missão Impossível” ou da trilogia “Bourne”, por exemplo. Todavia, trata-se de um filme com méritos tanto na parte técnica quanto na atuação do elenco, e, acima de tudo, é sempre bom ver o talento de Philip Seymour Hoffman novamente, um dos grandes atores da sua geração.

Nota: 7,5

Textos relacionados no blog:

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domingo, 11 de janeiro de 2015

"Middlesex" - Jeffrey Eugenides

No início dos anos 20 dois irmãos fogem desesperados de um pequeno vilarejo da Grécia. A guerra Greco-Turca estava em pleno andamento e estourava confrontos militares em vários pontos devido a partilha do Império Otomano após o final da Primeira Guerra Mundial. Esses dois irmãos conseguem achar uma embarcação com destino aos EUA e finalizando uma pequena aventura digna de um filme conseguem debandar para longe dali deixando o medo para trás, mas também todas as lembranças da terra natal.

Ao entrar no navio para a América, Desdêmona e Esquerdinha mal sabiam que seriam capazes de influenciar tanto na vida da neta que nasceria somente dali a 40 anos. A neta, Calíope Helen Stephanides nasceu em Detroit no início de 1960 e até meados de 1974 foi criada como uma menina como qualquer outra (por mais que ela não se achasse assim). Todavia, em 1974 ela fica sabendo que devido a uma alteração em um cromossomo seu, ela é na verdade um hermafrodita e a partir desse ponto passa a se considerar e a viver como um menino.

É como homem que Cal (agora com um nome mais adequado) narra a própria história e a da família, agora já com 41 anos e direto de Berlim, onde vive e trabalha. Uma pessoa que nasceu duas vezes, ele assim se define. “Middlesex” (mesmo nome no original) o usa como narrador e viaja tanto para o passado ainda antes da fuga de Desdêmona e Esquerdinha de uma Grécia em chamas, até a vida atual com ele já adequado como homem, mas ainda sofrendo de todo o tipo de dúvidas e receios em relação ao corpo e a sua condição tão peculiar.

“Middlesex” é o segundo livro do escritor Jeffrey Eugenides que também nasceu em Detroit no ano de 1960. Originalmente publicado em 2002 ganhou o prêmio Pullitzer em 2003 e foi republicado aqui no Brasil em 2014 pela Companhia Das Letras com 576 páginas e tradução de Christian Schwartz. Jeffrey Eugenides estreou com o romance “As Virgens Suicidas” em 1993, livro que a diretora Sofia Coppola levou ao cinema com sucesso cult em 1999. Ainda é do autor “A Trama do Casamento”, sua terceira obra publicada aqui em 2012 pela mesma editora.

“Middlesex” é uma história grandiosa que atravessa três gerações e passa por alguns momentos bem particulares da história americana como a depressão de 1929, a instituição da Lei Seca, o fortalecimento da indústria automotiva e os conflitos raciais dos anos 60. Com uma literatura esbelta e com o cuidado de expor tanto a parte clínica quanto pessoal do personagem principal, Jeffrey Eugenides forja uma história com nuances divertidas e trágicas andando quase de mãos dadas ou que podiam tranquilamente tomar um chope na esquina.

Assim como nos outros dois romances (o anterior e o posterior) o autor não deixa de cutucar ideais do seu país e da sociedade americana como um todo no que tange a postura conservadora e reacionária, porém é em “Middlesex” que expõe isso de maneira mais exuberante e contundente. Em um drama familiar aparentemente comum no seu âmago, o autor retorce, comprime e fantasia os fatos para contar não só a história incomum de algumas pessoas como também a história de um gene que viajou por gerações para causar estardalhaço.

Irretocável.

Nota: 9,5

P.S: Em 2013 a Companhia das Letras relançou “As Virgens Suicidas”. Vale conferir também.

A editora disponibilizou um trecho gratuitamente para leitura. Passe aqui.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Séries - "Marco Polo"

No livro “As Viagens de Marco Polo” são narradas várias aventuras do mercador italiano nascido em Veneza no século XIII e falecido no século seguinte, um dos primeiros ocidentais a realizar a rota da seda em direção a toda gama de produtos e mercadorias do oriente. As histórias contadas nesse livro e outras mais atribuídas a ele nunca serão realmente marcadas como verdadeiras ou ilusórias, mas é certo que representam um ponto histórico daqueles tempos e tornou o nome do explorador, comerciante e aventureiro conhecido até os nossos dias.

Usando essa premissa como história a Netflix fez sua jogada mais ousada até agora e gerenciou a produção da série “Marco Polo”, com um orçamento muito mais alto do que seus grandes sucessos “House Of Cards” e “Orange Is The New Black”. Os dez episódios da primeira temporada (já está renovada para uma segunda) foram disponibilizados para o público no final de 2014 e exibem um cuidado muito maior com cenários, figurinos e fotografia, sendo talvez o ponto de partida para começar um briga mais séria com canais como a HBO.

A produção épica criada por John Fusco tem início no ano de 1273 quando Marco Polo (interpretado pelo ator italiano Lorenzo Richelmy) chega junto com seu pai e seu tio na corte do imperador mongol Kublai Khan (Benedict Wong), um descendente direto de Genghis Khan. Em troca de autorização para percorrer as rotas comerciais controladas pelo imperador, o pai de Marco Polo acaba o deixando na corte para servir, uma troca não muito bem vista pelo filho que o havia conhecido apenas há alguns poucos anos.

Dentro da corte, Marco Polo acaba ganhando certo apreço de Kublai Khan devido a algumas observações visuais espertas e ao dom da narrativa. Assim, acaba por conquistar cada vez mais espaço além de ser treinado em lutas e costumes locais. Isso não deixa de causar ciúme a outros dentro dessa corte, outros como o filho e principal sucessor príncipe Jingim (Remy Hii), já que o cenário geral não é dos melhores também. O grande império mongol começa a mostrar sinais de degaste tanto em brigas internas pelo poder quanto externas na guerra contra a China.

Para preencher essa história geral o roteiro insere abundantes doses de sexo, violência, intrigas, traições e conspirações. Talvez para se aproximar de produções de sucesso do mesmo tipo como “Roma” e “Game Of Thrones”, porém isso acaba por desviar o foco daquilo que aparece como mais interessante nessa primeira temporada que é o conflito de ideias entre o ocidente e o oriente e todo o potencial histórico a ser explorado ao invés de ficar criando romances para o personagem principal ou complôs vazios.

Lorenzo Richelmy só se configura em uma boa escolha para o papel principal no decorrer dos episódios e cresce em conjunto com a trama na segunda metade da temporada, já que no início há muito desperdício de passagens sem correlação posterior. Com sua grande aposta feita, a Netflix tem que procurar melhorar “Marco Polo” para a segunda temporada sem tantas voltas em círculo do roteiro e fazendo prevalecer o que tem de melhor que é o já citado cuidado com a produção, assim como as memoráveis cenas de luta no melhor estilo dos filmes asiáticos.

Por enquanto trata-se apenas de uma aposta. Nada além disso.

P.S: A temporada está disponível completamente no Netflix.

Nota: 6,0

Assista a um trailer legendado:

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

"Egum" - André Alonso e vários outros

Quantos e quantos políticos não estão espalhados pelo país agora praticando atos desonestos e espalhando mentiras para a população? São muitos e muitos. Evidente que não são todos, mas dá para arriscar que uma grande parcela se enquadra nos termos acima. A corrupção se espalha por secretarias de municípios pequenos e invade até ministérios. É lama que não acaba mais durante as últimas décadas. E é usando um desses políticos que o paulista, nascido em Santos, André Alonso, forjou seu primeiro álbum em quadrinhos.

“Egum” começou no primeiro semestre de 2013 com o lançamento do projeto para financiamento coletivo em uma das plataformas de crowdfunding existentes por aí. Alcançou a meta e partiu para a elaboração. O projeto teve sua conclusão no finalzinho de 2014 e agora no início do ano nasce realmente. Na história desenvolvida por André Alonso, conhecemos Rubens Carneiro (cujo rosto foi inspirado no cantor e ator Eduardo Dusek), um político boa pinta, com ótima oratória, mas repleto de ganância e falsidade.

Na campanha para governador de um estado fictício (mas que poderia ser de qualquer grande capital) ele acaba assassinado por um dos seus “parceiros” de negócio. Mesmo morto ele é “contratado” por uma estranha figura para continuar exercendo a mesma prática duvidosa de quando era vivo. E assim ele continua até se deparar com outros fatos que o fazem sucumbir mais ainda, por mais que alguma insípida compaixão se alinhe no horizonte. E daí surge o título do álbum, já que “Egum” em uma das suas possíveis traduções representa o espírito de um morto.

Para compor a parte gráfica, André Alonso convidou seis quadrinistas e ilustradores diferentes. Anderson Cabral, Silvio DB, Eudetenis, Felipe Moreno, Tila Barrionuevo e Helena Cintra são eles. Se essa pluralidade é interessante por um lado, pois apresenta a mesma história de várias formas diferentes, por outro lado não deixa a obra com uma concisão maior, e acaba perdendo alguns pontos por conta disso. A revisão também deixa a desejar e percebem-se alguns escorregões durante a leitura das 120 páginas.

Do lado positivo destaca-se a boa trama criada por André Alonso, com clara influência de Neil Gaiman e nos moldes de quadrinhos da linha Vertigo da DC Comics, além do desejo de sair do usual abordando temas raros em hq’s nacionais. A vasta gama de referências utilizada também vale ser ressaltada, pois ela é usada sem atropelos da história ou ataques de exibicionismo. Na boa safra de quadrinhos brazucas que estão aparecendo nos últimos tempos, “Egum” é mais um bom exemplar. 

Nota: 7,0

Site do autor: http://www.ooroboros.com       

Leia um pouco da história aqui: http://issuu.com/andrealonso/docs/egum 

sábado, 3 de janeiro de 2015

Séries - "Lilyhammer"

Exibida entre os anos de 1999 a 2007 a série “Família Soprano” deixou saudades. Com uma qualidade até então nunca vista na televisão (e até hoje difícil de ser visualizada), as seis temporadas mostravam o mafioso Tony Soprano entre o amor e a fúria enquanto cuidava dos seus negócios escusos. O braço direito do personagem interpretado magnificamente por James Gandolfini era Silvio Dante com suas caretas, gestos e frases bem marcantes.

Silvio Dante era responsabilidade do ator Steven Van Zandt, que entre outras coisas é o hábil guitarrista da E Street Band que acompanha Bruce Springsteen durante anos e anos mundo afora. Algum tempo se passou depois do fim dos Sopranos e Steven Van Zandt retornou para a vida de ator em “Lilyhammer”, a primeira série original do Netflix em parceria com um canal de tevê da Noruega. A primeira temporada foi em 2012 e já se estende até a terceira que foi lançada no final do ano passado.

Criada por Anne Bjornstad e Eilif Skodvin e produzida pelo próprio Steven Van Zandt, “Lilyhammer” conta a história de Frank Tagliano, um mafioso de Nova York que depois de depor contra a máfia entra no programa de proteção a testemunhas do governo. Com tantas cidades e lugares para escolher ele resolve se esconder e recomeçar na pacata cidade que empresta nome a série, devido ao fato de ter acompanhado pela televisão os jogos olímpicos de inverno que lá aconteceram em 1994.

Nesta serena cidade, Frank Tagliano (Van Zandt) vira Giovanni Henriksen, um imigrante em busca de um novo começo. O choque de cultura e de pensamento fica logo evidente nos primeiros episódios e proporciona alguns dos grandes momentos das três temporadas. “Lilyhammer” é na sua essência uma comédia com fortes tons de escracho, politicamente incorreto, humor corrosivo e sem muitas concessões. Quando ela abraça definitivamente os jeitos e trejeitos de mafioso do personagem principal se torna mais engraçada e cáustica ainda.

E isso se dá mais no segundo ano, onde até brincadeiras e referências com “Família Soprano” passam a ser permitidas, como o ingresso de Tony Sirico (o “Paulie” de Sopranos) como um irmão padre de Tagliano. Na terceira temporada onde o Brasil (mais especificamente o Rio de Janeiro) atua como coadjuvante, é que “Lilyhammer” se perde um pouco e baixa o nível de qualidade antes vista, devido principalmente a inclusão de novos personagens sem tanto carisma quanto os anteriores como o Torgeir Lien (Trond Fansa).

Ainda assim, “Lilyhammer” é uma boa pedida para quem gosta de mafiosos, comédia e humor fora do convencional. Indicado para aqueles dias ou noites em que pensar muito não está nos planos e apenas uma boa sequencia de risadas serve de alento.

Todas as temporadas estão disponíveis no Netflix.

P.S: Na terceira temporada até o Bruce Springsteen aparece fazendo um pequeno papel.

Nota: 7,0

Assista a um trailer legendado: