Gilberto Gil é uma entidade única
na música brasileira, isso não tem muito como se discutir. Independente do fato
de se apreciar ou não a música do baiano, sua relevância e influência é uma certeza.
Político, pop, regional, musical, esotérico, visionário, apaixonado, contestador,
polêmico, conflituoso, global. São algumas das referências que podem ser direcionadas
a sua personalidade, que assim como as frases que profere atingem níveis
extremos entre determinado ponto de vista e outro radicalmente oposto, mas de
alguma maneira, complementar.
No ano passado a Editora Nova
Fronteira colocou no mercado uma biografia com 400 páginas, que anteriormente
estava prevista para ser publicada em 2012 a fim de comemorar os 70 anos de
vida do artista. “Gilberto Bem Perto”
é uma biografia autorizada escrita pela jornalista Regina Zappa (a mesma de
“Para Seguir Minha Jornada” sobre Chico Buarque), em parceria com o retratado. Tem
a missão de cobrir uma trajetória bem extensa, repleta tanto de percalços
quanto de glórias e conquistas.
Gilberto Gil é múltiplo, mutável.
Como bem disse um de seus filhos referenciado uma grande canção dele, Gil é como
um abacateiro, que amanhece tomate e anoitece mamão. Essa diversidade de pensamento
e de direcionamento, talvez seja a parte mais complexa para se cobrir em um
livro sobre sua vida e trabalho. Em bom percentual, Regina Zappa consegue
abranger isso, porém deixa muito a desejar em outros aspectos, principalmente
no que tange as polêmicas e equívocos, sendo o tom sempre superficial e bastante
parcial.
Isso logicamente passa pelo fato
de ser uma biografia autorizada ditada pelo próprio Gil e complementada com
depoimentos de amigos e contemporâneos como Caetano Veloso, Hermano Vianna,
Rita Lee, Jorge Mautner, Fernanda Torres e José Miguel Wisnik. A redundância de
temas também incomoda, como no capítulo “Gil a Mais” em que várias coisas já
mencionadas ganham nova redação (um pouco diferente) adicionadas a trechos de
discursos proferidos em momentos específicos quando era Ministro da Cultura do
Presidente Lula.
“Gilberto Bem Perto” é pela parcialidade já citada, e por ser mais
ou menos leve e sempre benigno, uma biografia mais indicada para quem conhece
pouco sobre a vida e trabalho do artista. É como um extenso perfil feito pela
assessoria de imprensa pessoal em várias partes, mas serve para mostrar o
menino que desde muito pequeno já dizia para a mãe que queria ser “musigueiro”
e que da Bahia pegou régua e compasso para encantar o mundo, com sua forma
especial de tocar violão e maneira peculiar de enxergar as coisas.
O livro narra a infância no
interior da Bahia, a ida para Salvador e depois para São Paulo já formado em
administração de empresas para trabalhar na Gessy Lever, sendo preparado para o
mundo executivo até desistir de tudo e escolher a música. Narra a influência
primordial de Luiz Gonzaga, a descoberta de João Gilberto e depois de Beatles,
Jimi Hendrix, Jackson do Pandeiro, Bob Marley e tantas outros. Narra a relação extraordinária
com Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia, Elis Regina e Jorge Mautner.
Narra o tropicalismo.
E como toda biografia (mesmo as
não tão boas) apresenta alguns ótimos casos, como a composição de “Aquele
Abraço” e de “Drão”, como também a primeira vez que Baden Powell o viu tocar,
dizendo imediatamente para Edu Lobo que estava ao lado a seguinte frase: “olha outro diferente aí”. Sim, Gil é
diferente e “Gilberto Bem Perto”
demonstra um pouco disso. Algo que se sobressai bem na obra é quantidade de
fotos espalhadas pelas páginas tanto em preto e branco como coloridas, oriundas
de várias fases da carreira.
O parceiro, poeta e letrista
Torquato Neto disse certa vez que “há
várias maneiras de se cantar e fazer música brasileira. Gilberto Gil prefere
todas.” Nada mais definidor. Por isso, ele merecia um retrato melhor, mais
completo e neutro. Porém, biografias autorizadas não tendem muito a essa
neutralidade, infelizmente. E Gil, sendo o Ministro da Cultura que ficou marcado
pelo Creative Commons, paradoxalmente se envolveu com o trágico movimento “Procure
Saber” que em linhas gerais versa sobre a proibição de biografias não autorizadas.
Talvez, só talvez, se assim este “Gilberto
Bem Perto” fosse composto teria um resultado final melhor, fazendo jus ao
cracaço que Gil foi (e é) dentro da música.
Nota: 6,0
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