domingo, 5 de outubro de 2014

"Diário de Inverno" - Paul Auster

A cada ano que passa percebe-se que fica mais comum para cada um se pegar pensando na idade, no passar do tempo, nas escolhas feitas e no que ainda virá pela frente. Mesmo aqueles que enxergam sempre o futuro, tendem a pelo menos durante um breve momento tecer considerações mentais sobre esses temas, essas questões. É normal, é inerente ao processo de envelhecer. Em maior ou menor proporção isso acontece ou acontecerá no devido período (para aqueles que ainda são muito jovens).

O escritor Paul Auster passou incisivamente por isso em 2011, então com 64 anos, e o resultado foi mais um livro em uma admirável carreira. Esse livro é “Diário de Inverno” (Winter Journal, no original) que foi publicado nos Estados Unidos em 2012 e ganha agora edição nacional pela Companhia das Letras. O trabalho tem 214 páginas e tradução de Paulo Henriques Britto e mostra um autor completamente tranquilo em se despir plenamente, em se desnudar sem medo na frente do público.

Para quem já conhece livros anteriores do autor, “Diário de Inverno” tem sentido em explicar agruras, realizações e fatos marcantes da sua vida. Para quem ainda não leu nada escrito por ele (uma lacuna que necessita ser preenchida, cabe ressaltar), o livro é uma declaração poética, gradualmente bem-humorada e com uma boa carga de dor e de arrependimento que serve para validar toda uma existência, como também é uma reflexão sobre o envelhecimento, sobre a afirmação de certezas e o surgimento de dúvidas.

Paul Auster já havia feito algo do tipo em seu primeiro livro de prosa publicado em 1982, nomeado “A Invenção da Solidão”. Nele, refletia sobre o pai (e seu falecimento) e sobre o filho, além de outros ensaios. Nessa nova coleção de memórias o foco se concentra mais na mãe e na esposa (a também escritora Siri Hustvedt). Para isso regressa a infância e passa por baques, quedas e cicatrizes dessa época da mesma maneira que viaja para episódios mais recentes como o acidente de carro em 2002 que quase vitimou a esposa e a filha com ele ao volante (e que o atormenta até hoje).

A maneira encontrada para contar esses fatos reais é como se o autor estivesse conversando consigo mesmo, como em um exercício de meditação e ponderação. Um estilo que pode até sugerir ficção se o leitor se descuidar um pouco. Paul Auster aborda levemente questões como preconceito, aborto e política, acrescentando a isso suas experiências pessoais. Experiências que passam igualmente pela virgindade perdida no Queens, pela época em Paris nos anos 70 convivendo entre o amor e as prostitutas, pela carreira de diretor de cinema, além dos diversos lugares em que morou (mais de 20) e que rememora de maneira bem distinta e amável durante as páginas da obra.

O que impressiona em “Diário de Inverno” não é somente a costumeira destreza que o autor tem em posicionar palavras no papel, mas a escolha em transportar de modo bem peculiar histórias pessoais e visões sobre si mesmo, como essa: “uma pessoa perfeita e machucada, um homem que tem uma ferida aberta dentro de si desde o início (senão, porque teria passado toda a vida adulta sangrando palavras numa página?)”

O tempo não compra passagem de volta, Paul Auster sabe disso, e apesar da finitude da vida lhe assustar vez ou outra, ele transforma isso em mais um bonito livro e mostra que no seu caso a velhice está longe de ser um naufrágio.

Nota: 8,5


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