Um escrivão de polícia sexagenário,
solitário, insone, acima do peso e cheio de manias e devaneios, que depois de
um relacionamento fracassado e de um tempo vivendo no exterior, mora agora com
o pai, um judeu que chegou ao Brasil antes da segunda guerra, casou com uma
negra (para cólera geral da sua comunidade) e montou uma mercearia para
sustento da família, mas, que neste momento, sofre de demência e precisa de
cuidados. Esse escrivão é o narrador do romance “A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves” do cuiabano
radicado em São Paulo, Joca Reiners Terron.
Lançado ano passado pela
Companhia das Letras esse é o sexto romance do escritor e apresenta 176
páginas. O título, por si só, já chama bem a atenção, mas isso não é exatamente
uma novidade para o autor, é só dar uma olhada nos seus livros anteriores. Nessa
obra específica ele mistura suspense, literatura policial e um bom quinhão de terror
dentro da capital paulista, em sua maior parte no tradicional bairro do Bom
Retiro, um bairro grande, com forte característica comercial (é lá que fica a
famosa rua José Paulino) e multicultural, com coreanos, judeus, gregos e
bolivianos transitando pelas ruas.
A narrativa de Joca Reiners Terron
continua perseguindo o não convencional, o incomum. E em “A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves” essa opção obtém
um elevado resultado, podendo até ser classificado como o melhor livro da
carreira. Personagens curiosos são criados, como o escrivão, além de um deslocado
jovem entregador de mercadinho, um taxista apaixonado por cães de um modo
violento e irracional e, o principal destaque, a Sra. X que cuida dentro de uma
casa quase abandonada de uma pequena pessoa (denominada como “criatura”) que
vive com todas as partes do corpo cobertas para esconder a aparência.
Do outro lado deste exótico universo
imaginado (separado, porém ao mesmo tempo ligado), está o animal que empresta o
nome ao título e vive no zoológico paulista. Um animal solitário (assim como o
narrador), mortífero, repleto de folclore e lendas ao seu redor, em risco
constante de extinção e tendo como habitat natural uma região bem diferente da
nossa. E que passa por uma situação bem delicada.
A maneira que Joca Reiners Terron
une essas figuras tão peculiares e esses dois cenários distintos (quando
analisados friamente) é louvável e muito hábil. Ali escondido no meio das
frases também insere leves críticas ao preconceito, a xenofobia, a mesquinhez
humana e a sociedade de modo geral, principalmente no trato aos viciados em
crack. Isso, somado não só ao fato de sair alguns (bons) passos longe do usual,
como também por deixar a trama em um constante crescimento, faz da obra algo
bem recomendável.
Nota: 8,5
Twitter do autor: http://twitter.com/jocaterron
Blog do autor: http://jocareinersterron.wordpress.com
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