Dois homens completamente
distintos em uma primeira análise. Estilos de vida, visuais, profissões,
pretensões, residência, países. Nada disso parece levar a crer que pode se
formar uma amizade ali. Rivoli é alto, quase um sueco, arquiteto, estudado e
mora em São Paulo. Tortoni é de estatura média, comum, taxista meio por acaso,
oriundo de família humilde e mora em um subúrbio de Buenos Aires. Mas, por
caminhos flutuantes a vida desses dois personagens se une em “Pessoas Que Passam Pelos Sonhos”, o
novo livro de Cadão Volpato.
Publicado no ano passado pela Cosac
Naify em um formato menor, muito bonito e com tratamento visual igualmente
esbelto, o livro tem 318 páginas. É o sexto trabalho de Cadão Volpato na área
da literatura. Anteriormente, tinha lançado quatro livros de contos e um
infantil. Músico (da excelente banda Fellini, entre
outros projetos), ilustrador, jornalista e apresentador de tevê, o autor hoje
com 57 anos sempre se mostrou uma figura de inteligência natural e com uma
maneira bem distinta de enxergar o mundo.
Essa maneira um pouco diversa de
enxergar as coisas está presente em “Pessoas
Que Passam Pelos Sonhos”. Nele, Volpato compõe os dois personagens isoladamente
no início, os ambientando em suas cidades, convicções, famílias, desejos e
insatisfações. Depois os une em uma viagem insólita para a Patagônia atrás de
um hotel no final do mundo. Essa jornada meio sem sentido rende momentos que
variam entre o desesperador e o fantasioso e serve para moldar uma amizade
instantânea que daquele momento em diante parece distraída a continuar.
Dividido em três atos, o livro
tem a ditadura no Brasil e na Argentina nos anos 60 e 70, como um espírito do
mal que está ali influenciando atos, definindo rumos e destroçando aspirações
de um futuro. Esse tema espinhoso e complicado de ser tratado ainda nos dias de
hoje é colocado de modo sábio pelo autor, que o deixa ali na escuridão, nas entrelinhas,
naquilo que não é escrito. Com sentenças curtas e muitos detalhamentos, a
narrativa em terceira pessoa se constrói pouco a pouco ao se espalhar por
amigos e familiares, como também por desconhecidos quase delirantes.
Em seu primeiro romance puro,
Cadão Volpato usa pessoas comuns e nada extraordinárias para arquitetar algo que
não é fácil de ser lido ou digerido com rapidez. O leitor precisa prestar
atenção nos detalhes, nas leves convergências que a trama vai sugerindo, nos
sonhos que vão sendo deixados no meio do caminho por cansaço, azar ou por fatos
ríspidos do famigerado destino. Também podemos levar a palavra “sonho” para os
pensamentos quebradiços que os personagens se agarram em certas passagens. E é
justamente esses fatores que fazem da sua criação um livro lírico e encantador.
Nota: 8,0
Site oficial do autor: http://www.cadaovolpato.com.br
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