terça-feira, 23 de setembro de 2014

"1973 - O Ano Que Reinventou a MPB" - Organização: Célio Albuquerque

Em 1973 o Brasil estava sobre o comando do General Emílio Garrastazu Médici. O golpe militar estava prestes a completar dez anos e o cenário, se por um lado apresentava o (ilusório, em vários aspectos) “milagre econômico”, do outro lado minava mais ainda as liberdades individuais e criativas naqueles anos conhecidos como de “chumbo”. A censura sobre produções culturais estava cada vez mais acentuada e eliminava (na maioria das vezes sem base alguma) frequentemente partes de canções, de discos, de peças, de filmes, de livros.

Apesar disso, o ano de 1973 foi fecundo na parte musical e mesmo com a censura no pé, discos memoráveis foram produzidos nesse ano. O jornalista Célio Albuquerque percebeu isso e idealizou e organizou um livro que disserta sobre esses registros. O resultado é o livro “1973 – O ano que reinventou a MPB”, lançado pela Editora Sonora efetivamente no início desse ano com 432 páginas, comemorando assim os 40 anos da concepção dos álbuns. Com direção editorial de Marcelo Fróes, 50 e poucos discos foram pinçados e resenhados por jornalistas, pesquisadores, músicos e outras pessoas do meio.

A ideia – muito boa na percepção – também se mostrou bem interessante na prática. Mesmo que você não compreenda a inserção de um álbum ou outro, ou não goste do teor do texto e das considerações de algum trabalho, no aspecto geral o livro agrada confortavelmente. Além de servir como um documento histórico desses trabalhos pelas histórias contadas e fichas técnicas completas fornecidas. Dispostos em ordem alfabética por nome do artista (exceção feita a primeira e a última redação), os escritos podem ser divididos em várias pequenas categorias.

Uma dessas categorias é a dos melhores textos. Nela se incluem as palavras de Vagner Fernandes sobre “Clara Nunes”, de Nilton Pavin e Sílvio Atanes sobre “Chico Canta (Calabar, o Elogio da Traição)”, de Antonio Carlos Miguel sobre “Quem é Quem” de João Donato, de Pedro Só sobre “Pérola Negra” do Luiz Melodia, de Sílvio Essinger sobre “Krig-Ha, Bandolo!” do Raul Seixas, além do texto final do Marcelo Fróes sobre discos que não foram lançados em 1973 por algum motivo (mas que seriam desse ano), como o “A e o Z” dos Mutantes e o “Banquete dos Mendigos”, clássico ao vivo com vários artistas.

Por serem textos mais extensos, dá para encaixar um pouco da vida do artista em questão, e quando isso ocorre sempre funciona, como no caso dos discos da Clementina de Jesus (que começou a cantar somente aos 63 anos) e do Elton Medeiros (que mesmo bastante conhecido só gravaria o primeiro álbum aos 43 anos). Uma outra categoria interessante é formada por aqueles discos meio esquecidos que o livro aproveita e joga luz, composta, por exemplo, pelos registros do quarteto formado por Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli e Toninho Horta, assim como pelo álbum homônimo do Guilherme Lamounier, o “Matança do Porco” do Som Imaginário e o “Matita Perê” do Tom Jobim.

Contudo, existem alguns pequenos problemas no livro. Em uma reduzida leva de textos, os autores (competentes e qualificados, isso não se discute) acrescentam demasiada carga de admiração e paixão pelo álbum escolhido, até mesmo se inserindo em determinados momentos, o que acaba por não funcionar tão bem, deixando o teor meio maçante. Isso acontece nos textos sobre os discos de João Gilberto, Marcos Valle e Maria Bethânia. Em outros o, autor simplesmente não conseguiu fazer o conteúdo fluir, como ocorre em “Araçá Azul” do Caetano Veloso. Acontece.

Para quem gosta de música, e principalmente de música brasileira, “1973 – O ano que reinventou a MPB” é puro deleite. Mesmo que alguns discos você pessoalmente entenda que não mereçam tanto entrar nessa lista por conta do título do livro (casos do disco de sambas de enredo, do João Bosco, do Fagner e do Gonzaguinha), isso não afeta a obra. Passear por palavras sobre clássicos exuberantes como alguns já citados e outros como “Milagre dos Peixes” do Milton Nascimento, “Índia” da Gal Costa, “Nervos de Aço” do Paulinho da Viola e “Todos os Olhos” de Tom Zé, satisfaz bem. É daqueles livros para acabar de ler, guardar na estante mais próxima para futuras consultas e ligar o som para escutar aquilo que foi lido.

Nota: 9,0

Textos relacionados no blog:

- Literatura: “1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer” – Robert Dimery

- Literatura:  “The Art of The LP – Classic Album Covers 1955– 1995” – Johnny Morgan e Ben Wardle


5 comentários:

Célio Albuquerque disse...

Caro Adriano Mello Costa,
Agradecemos sinceramente seu texto sobre nosso "1973". Percebe-se que de fato você leu o livro e teceu, dentro de seu ponto de visto, comentários livremente. Mesmo discordando de alguns pontos do texto (ainda bem, né? era um texto seu e não um release nosso) ficamos honrados com seu trabalho.
Só há um problema real no texto e que você não tem culpa. Apesar de estar impresso 2013 no ano de lançamento o livro só saiu da gráfica e foi efetivamente lançado em janeiro de 2014, no fim da segunda quinzena. Primeiro no Rio e depois em cidades como São Paulo, Belo Horizonte, Niterói, Rio Claro (SP) e Fortaleza.
Grande abraço,
Célio Albuquerque
Organizador e um dos 50 alucinados que fizeram este livro.

Adriano Mello Costa disse...

Prezado Célio, parabéns pelo belo trabalho feito no livro. Ficou muito bom. Quanto ao ano de lançamento já corrigi no texto. Realmente tomei como base as informações contidas nas informações do livro, não sabia desse detalhe. Mas, já ajustei isso. Agradeço a informação. Grande abraço e novamente parabéns pela obra.

Célio Albuquerque disse...

Mais um vez,obrigado.
Célio

Silvio Atanes disse...

Olá, Adriano,

Obrigado pelas belas palavras. Só pode criticar, concordar ou discordar quem leu o livro. E isso você de fato fez.

Silvio Atanes
escriba digital & repórter de papel
(e um dos 50 alucinados do Célio)

Adriano Mello Costa disse...

Olá, Silvio,

Parabéns pelo seu texto sobre um disco tão especial quanto esse que escreveste sobre. Grande iniciativa de vocês.
Abraços.