Você fez parte da maior banda que
o mundo já viu até então. Alcançou um sucesso nunca visto antes no mundo da
música. Virou do avesso todas as concepções de entretenimento e marketing
cultural. Cativou um público imenso e fez discos aclamados por esse público,
como também pela crítica. Ganhou muito dinheiro. No entanto, tudo isso acabou.
Tudo isso chegou ao fim. Por vários motivos como convivência, falta de tesão,
egos enormes, influência de terceiros, disputas internas. Na verdade, não
importam muito os motivos, o que importa é que as coisas terminaram. E agora? O
que fazer?
Foi nessa situação que Ringo
Starr, George Harrison, John Lennon e Paul McCartney se encontravam no começo
dos anos 70 com o fim dos Beatles. Mesmo que o fim da banda fosse inevitável de
várias maneiras, ficou esse sentimento do que fazer depois de tudo. O conceituado
jornalista inglês Tom Doyle (Q Magazine, The Guardian, Mojo) apresenta o
desenrolar dessa história pelos anos 70 para um dos envolvidos no livro “Man On The Run – Paul McCartney nos Anos
1970”, que a Editora Leya lançou por aqui no primeiro semestre desse ano
com 336 páginas e tradução de Paulo Polzonoff.
Publicado no exterior no ano
passado, o livro tem partida ainda no final dos Beatles e se estende até os
primeiros passos dos anos 80, sendo que esse final chega precedido da prisão de
Paul no Japão por posse de maconha e do assassinato de John Lennon em dezembro
de 1980. Esses pontos, aliás, são muito bem explorados no registro. A questão
da maconha e a paixão do músico e seus cúmplices por ela, como também o
conturbado e abstruso relacionamento com o parceiro e amigo dos tempos de Beatles
que trafegava entre a rispidez pública e o carinho privado externado em
conversas telefônicas e reuniões de casais.
“Man On The Run – Paul McCartney nos Anos 1970” apresenta ao leitor
uma pessoa talentosa e ainda jovem que, em tese, teria o mundo nas mãos
mas vê isso acabar (com uma boa carga de culpa, diga-se) e fica sem rumo, sem
objetivos. A separação até pelos fatos que a sucederam com declarações ácidas dos
envolvidos e brigas judiciais pela finitude também da sociedade do grupo afetaram
profundamente Paul McCartney que se não fosse o suporte da mulher, como ele
próprio admite várias vezes, teria sido inimaginável sair disso como saiu.
Linda, sua primeira esposa, além de companheira foi a alavanca que novamente o
impulsionou adiante.
O livro percorre um caminho cheio
de dúvidas, afirmações, questionamentos e inseguranças, mas também de
aprendizado, crescimento, admissão de falhas, excentricidades e sorrisos. Com o
final dos Beatles, Paul e Linda passam a viver como hippies praticamente em uma
fazenda escocesa. Depois dos álbuns “McCartney” de 1970 e “Ram” de 1971, o
intuito do artista era ter novamente um grupo e assim nasceu o Wings que
contava na primeira formação com sua esposa Linda nos teclados (motivo de
várias broncas), Denny Laine (ex-Moody Blues) na guitarra, Denny Seiwell na
bateria e Henry McCullough na outra guitarra.
Dentre as inúmeras formações que
o grupo teve até também sucumbir no início dos anos 80, essa provavelmente foi
a melhor, trabalhando nos primeiros discos “Wild Life” de 1971 e “Red Rose
Speedway” de 1973, onde McCartney ainda reaprendia o ofício da composição, por
assim dizer, assim como no magistral “Band Of The Run” de 1973, que novamente
alçou seu nome a condição de antes e convenceu os críticos de que ele ainda
tinha muita lenha para queimar, fato comprovado pelo álbum seguinte, “Venus And
Mars” de 1975 e composições como “Live And Let Die” feita para o filme “007 -
Viva e Deixe Morrer” de 1973.
Um dos aspectos mais eficientes
de “Man On The Run – Paul McCartney nos Anos 1970” é que Tom Doyle faz um trabalho jornalístico exemplar não se
eximindo de tratar de questões espinhosas e sem mitificar mais ainda o mito.
Pelo contrário, expõe fraquezas diversas como a relação do artista em relação ao
dinheiro, a imposição de suas ideias perante os demais, as excentricidades
pouco comentadas e a relação com drogas dentro do seu nicho de convívio. Uma
elogiada posição perante tantas biografias insípidas e sem graça que só servem
para louvar o biografado. Fica claro que Tom Doyle admira o trabalho de
McCartney, mas isso não o impede de cutucar algumas feridas, o que só aumenta o
valor do trabalho.
P.S: Além de histórias saborosas (e dolorosas), Tom Doyle ainda
adiciona no final uma detalhada discografia e apresentações do período.
Nota: 8,5
A Editora Leya disponibilizou um
trecho para leitura aqui:
Na foto abaixo, o Wings faz pose
na primeira turnê:
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