Em 1992 o inglês Nick Hornby
publicava o primeiro livro que se chamava “Febre
de Bola” (“Fever Pitch”, no
original). O autor que ficou conhecido por livros como “Alta Fidelidade” e “Um
Grande Garoto” se tornou sinônimo de uma (externamente) intitulada literatura pop,
com uma escrita que abraça fortemente a cultura de modo geral. Porém, ali no
início mostrava a paixão por outra coisa que não livros, discos e filmes, uma
coisa chamada Arsenal, um dos grandes times de futebol de Londres.
Em 2012, por conta dos 20 anos
dessa estreia houve o relançamento da obra em uma edição comemorativa lá fora,
sendo que a Companhia das Letras lançou novamente por aqui no ano passado, com
direito a nova introdução, 352 páginas e tradução de Christian Schwartz. Quando
escreveu “Febre de Bola”, Nick
Hornby tinha 34 anos e ainda procurava algum sentido na vida. Essa busca, assim
como angústias e neuroses são retratados nos pequenos textos que compõem o
livro, tendo sempre como pano de fundo algum jogo do Arsenal basicamente.
Usando o futebol como metáfora,
ele agrada em cheio aos amantes do futebol, como também diverte aqueles que
passam e/ou passaram pelo mesmo tipo de crise pessoal retratada em algumas
passagens. O livro vai até 1991 e não cobre o período mais vitorioso da
história do clube (de 1997 a 2006), onde craques como o francês Thierry Henry e
o holandês Dennis Bergkamp levaram o time a alçar voos bem maiores. Apesar de
alguns títulos na fase que começa em 1968 em um jogo contra o Stoke City, o
período retratado no livro é primordialmente de decepções e de admiração pela
chatice sem fim do Arsenal.
Chatice pelos imensos empates e
placares mínimos dessa época ou pelas dores das derrotas em Wembley como para o
Swindon Town da 3ª divisão da Liga Inglesa que representaria o primeiro título
em 16 anos, ou até mesmo a alegria não completamente comemorada com a conquista
da “dobradinha” em 1971 com os títulos da Liga Inglesa e da Copa da Inglaterra.
“Febre de Bola”, no entanto, é acima
de tudo um depoimento de amor ao futebol e em épocas como essa nossa agora, onde
a Copa do Mundo no país acabou de fechar as portas, sua leitura é mais que
agradável.
Além de expor essa paixão, o
livro é do seu jeito também sobre crescimento. Sobre começar a ter contas a
pagar, ter que escolher um futuro e coisas do tipo. Marca também a transição de
um campeonato em crise para a liga atualmente mais cara e rentável do planeta.
E não é por acaso que “Febre de Bola”
é do mesmo período do debute da Premier League, muitos colocam na sua conta a
retomada do amor do povo britânico ao esporte, como também por outro lado, um
dos fatores que contribuíram para a elitização cada vez maior do esporte nas
terras da Rainha.
O futebol inglês passava por um
momento muito ruim, com resultados pífios em campo apesar da esperança em nomes
como Paul Gascoigne e Gary Lineker, e temor nas arquibancadas e fora delas com
os hooligans chamando mais atenção que o jogo em si. Desastres como o de Heysel
na Bélgica, com 39 mortos e dezenas de feridos na final da Liga dos Campeões
entre Liverpool e Juventus, e sobretudo por Hillsborough onde 96 pessoas tiveram
suas vidas retiradas em uma semifinal da FA Cup em 1989 quando Liverpool e
Nottingham Forest iam se enfrentar.
Foi nesse cenário de crise que o
futebol inglês se reinventou a partir do chamado “Relatório Taylor”, um estudo
que definia dezenas de mudanças e atualizações necessárias para o esporte e
para a própria gerência dos clubes. Foi assim que a nova liga inglesa estreou
em 15 de agosto de 1992 quando em um jogo entre o Sheffield e o Manchester
United, Bobby Deane desviou de cabeça para vencer o estupendo goleiro Peter
Schmeichel e assim fazer o primeiro gol dessa nova época (o jogo acabou 2 a 1
para o Sheffield). A partir dessa data os clubes eram os donos do espetáculo ao
invés da FA (Football Association) e assim fugiam de seus desmandos e inércia.
Nick Hornby e “Febre de Bola” estiveram bem no centro
de tudo isso de certa maneira. Pois no livro vemos problemas diversos como
campos ruins, brigas, falta de segurança, cambistas, e desconforto aparecerem
como personagens coadjuvantes do amor do autor pelo Arsenal, um amor que
parecia que seria até impossível levar a vida longe do Highbury, estádio do
time, que em 2006 deu lugar ao poderoso Emirates Stadium. E seu entusiasmo também
se estende no livro pelo Cambridge City (time minúsculo da cidade onde foi
estudar) e pela seleção da Inglaterra (que mais uma vez foi uma decepção só na
Copa do Mundo do Brasil, não refletindo o sucesso da Premier League).
Entre desgostos, rezas,
esperanças e frustrações, “Febre de Bola”
é biblioteca mais que básica quando se fala de futebol e literatura andando juntos.
Nick Hornby soube como poucos alinhar tudo isso em pequenos testemunhos
divertidos e, à sua maneira, críticos e pessimistas. E depois dele, assim como
o Arsenal a partir de 1991 seguiu para conquistas maiores, pois como ele mesmo
escreve nas páginas do livro: “os times de futebol são como nós, sempre estão
começando vida nova”.
Nota: 9,5
P.S: Nick Hornby meteu seu bedelho final sobre a Copa do Mundo do
Brasil. Dá uma conferida aqui: http://www.espnfc.com/blog/world-cup-central/59/post/1943558/nick-hornby-has-the-world-cup-really-been-that-good
P.S: Depois da derrocada final da seleção brasileira na Copa que
fez em casa, é necessário e extremamente urgente também repensar o nosso
futebol e a nossa liga como os ingleses fizeram. É torcer para isso, mesmo
sabendo que se depender dos clubes e da estimada CBF isso nunca acontecerá.
Textos relacionados no blog:
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Nick Hornby
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