“Eu não tinha ideia de que estava fazendo uma revolução. Sabia que o
meu trabalho era diferente porque eu queria que fosse diferente, e que estava
falando com um leitor totalmente distinto”.
O pequeno texto acima é uma das
citações que o escritor Michael Schumacher usa no início do livro “Will Eisner: Um Sonhador Nos Quadrinhos”.
De autoria do biografado, a frase diz muito sobre a personalidade dele, que
sempre acreditou no potencial e no alcance da arte que fazia. Lançado lá fora
em 2010 ganhou edição nacional pelo selo Biblioteca Azul da Editora Globo no
ano passado. Com 410 páginas e tradução de Érico Assis passa a limpo toda a
vida deste símbolo da nona arte.
O autor, um biógrafo que já
formulou obras sobre nomes como Allen Ginsberg, Eric Clapton e Francis Ford
Coppola, entende muito bem do ofício. Sua escrita é limpa e de fácil acesso,
além do fato de dosar bem dados históricos com opiniões pessoais. Esses dados
oriundos de uma pesquisa tão vasta e cuidadosa quanto se pode imaginar para
alguém com uma carreira ativa de mais de 70 anos é o eixo que sustenta todo o
livro, permitindo ao autor um terreno independente para expressar suas
opiniões, assim como apresentar a de pessoas do mesmo círculo.
Para a sorte de Michael
Schumacher, falar sobre a vida de Will Eisner é um trabalho árduo, mas muito
prazeroso. E ele consegue transferir esse prazer perfeitamente ao leitor.
Nascido no Brooklyn em Nova York em 1917, Eisner passou pela grande depressão
na adolescência e isso o moldou para a vida toda. Judeu, sentiu na pele os
efeitos da segunda guerra mundial, e sempre combateu nos seus álbuns o
antissemitismo. Forçado a ir para a rua muito cedo para ajudar com a renda
familiar, sempre foi uma máquina de trabalhar até falecer em janeiro de 2005
aos 87 anos.
Sempre acreditando no potencial
da arte que fazia, foi um titã na briga para ver os quadrinhos localizados em
livrarias e não somente em bancas, para ver os quadrinhos respeitados e não
ridicularizados, para ver os quadrinhos como leitura adulta e séria e não
somente infantil e engraçada. Para controlar isso, assim que teve a
oportunidade montou o próprio estúdio com 20 e poucos anos para gerenciar a
produção e os ganhos, como também controlar o fluxo financeiro de modo geral.
Foi muito criticado
posteriormente (e com certa razão) pela mão de ferro que comandava seus
estúdios e pela prática adotada no repasse de créditos para os artistas que
trabalhavam com ele. De personalidade afável, mas também totalmente avesso a
muitas críticas ao seu trabalho, manteve relação cordial com poucos editores.
Nos estúdios dele passaram nomes como Bob Kane (criador do Batman), Jack Kirby
(o monstro criador do Quarteto Fantástico, Thor, Hulk, Homem de Ferro,
Vingadores e tantos outros), Lou Fine e Bob Powell.
Esses primeiros passos da
indústria dos quadrinhos são realmente instigantes de se ler. Didático, narra um
pequeno universo repleto de intrigas, falsidade, traições e desonestidade. Era
como matar literalmente um leão todo dia. Will Eisner começa a galgar espaços
maiores quando no começo dos anos 40 idealiza o personagem que mais é vinculado
a ele até hoje, The Spirit. Com Spirit sendo publicado em suplementos de
jornais, o alcance que ele passou a ter alcançou a casa dos milhões de
leitores.
O período de maior ostracismo
(mas não de trabalho) é pela primeira vez bem abordado. Depois da segunda
guerra (na qual foi convocado e foi), o quadrinista fez a opção de montar uma
nova empresa e trabalhar para o governo e empresas privadas. Esse período de
muito trabalho, mas pouca criatividade e relevância, foi fundamental para que nos
anos 70 se surpreendesse com a novidade das comixs de nomes como Robert Crumb,
Art Spielgeman e Gilbert Shelton, e a partir disso impulsionasse a carreira
para o patamar que idealizava.
Will Esiner não foi o criador do
termo graphic novel, mas
definitivamente foi ele que o potencializou. Com histórias pessoais alinhadas a
uma arte distinta, potente e comovente criou obras fantásticas como “Um
Contrato Com Deus”, “Ao Coração Da Tempestade”, “A Força da Vida”, “Avenida
Dropsie” e “Pequenos Milagres”. Depois dessa retomada de produção para o
público em geral mesmo obras menores tem seu valor, como “Pessoas Invisíveis” e
“Fagin, O Judeu”, até adaptações de clássicos da literatura em um projeto
educativo.
Michael Schumacher conduz muito
bem a biografia, que é vasta em imagens e fotos, e mesmo ficando clara a sua
admiração pelo artista, não deixa de emitir opiniões críticas (ainda que em
doses moderadas). Isso fortalece muito o trabalho e faz de “Will Eisner: Um Sonhador Nos Quadrinhos”, uma leitura
imprescindível para os amantes dos quadrinhos. Uma leitura sobre um fundamental
e formidável artista e a crença de que sempre podia mais. É para acabar de ler,
correr para a estante e retirar seus trabalhos de lá novamente.
Nota: 9,0
Site oficial: http://willeisner.com
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