O escritor e filósofo inglês
Francis Bacon escreveu em uma de suas obras no longínquo ano de 1625 que “os homens temem a morte como as crianças
temem ir ao escuro”. Tal assertiva datada de tanto tempo atrás personifica
um pouco o temor do ser humano com o perecimento, com o final a que todos estamos
sujeitos. Quanto mais velhos ficamos é normal que essa ideia esteja mais
presente nos nossos pensamentos e mesmo que não se fique paranoico com isso,
vez ou outra esse pensamento surge.
Baseado nesse compromisso
inadiável que todos nós temos é que a atriz Fernanda Torres ambienta seu
primeiro romance, intitulado não por acaso com o nome de “Fim”. Atriz competente e hábil tanto no teatro quanto na televisão
e no cinema, ela já se arriscava na escrita em publicações como a Revista Piauí
e a Folha de São Paulo. Essa transição para um romance completo foi então
gradual e começou com um conto encomendando pelo diretor Fernando Meirelles (de
“Cidade de Deus”) anos atrás.
Lançado no ano passado pela Companhia
Das Letras com 208 páginas, “Fim” discorre
sobre a morte, não esconde isso de maneira alguma, mas também investe no modo
de vida que se leva até chegar a esse dia. As escolhas, loucuras, amores,
arrependimentos, brigas. O caminhar rotineiro de cada indivíduo sobre a terra.
Para tanto usa um tom debochado, satírico, desvairado e repleto de humor. Esse
tom surpreende até mesmo quem já havia lido outro texto seu antes. É sentimental,
mas com elevada carga de escárnio.
“Fim” usa o Rio de Janeiro como recinto, um Rio de Janeiro bem
diferente do atual. O contraponto entre as épocas é talentosamente utilizado e
é importante para ambientar a trama. Trama, que se centraliza em cinco amigos
(Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro) que invadem os anos 50 e vivem a mudança
acentuada de comportamento que a sociedade passou, assim como já entram nos
anos 60 com tudo de bom e de ruim que isso representa. A vida dos personagens
viaja pelas demais décadas até o dia anterior do seu falecimento.
O grupo de amigos é composto por
um cara certinho, um perito em drogas diversas e álcool, um conquistador nato,
um atleta radiante e um reclamão de primeira linha. Atrás dessas vestes
iniciais, Fernanda Torres estrutura muito bem cada um com seus defeitos,
neuroses, dúvidas e aspirações. Essa estruturação é fundamental para que o
romance funcione levando-se a crer fortemente que a autora não é uma mulher de
48 anos e sim um homem que viveu os mesmos regalos e desgostos que os
personagens que criou.
Para deixar a coisa mais
satisfatória ainda, corta o tempo em fatias e muda o narrador da história frequentemente,
não somente passando pelos cinco amigos, como também se difundindo entre
esposas, filhos, amantes e até mesmo o capelão do cemitério São João Batista.
De modo escrachado e sagaz discorre sobre cenários típicos da cidade e
situações que de um modo ou outro todos se sujeitam totalmente ou parcialmente
no decorrer da vida. Para a autora Fernanda Torres nada é intocável, tudo merece
uma alfinetada aqui e acolá.
No seu romance de estreia
Fernanda Torres toma o leitor de assalto e agrada bastante. Fala de uma questão
séria como a morte e daquele momento que já se deseja que ela venha em troca da
amarga vida atual, depois de tanta coisa experimentada e sentida no passar dos
anos. E faz isso sem soar piegas, pelo contrário. Com uma escrita remetendo
levemente a nomes como Reinaldo Moraes e Sérgio Sant’Anna versa sobre o
usufruto da vida e sua finitude, para no meio disso também versar sobre uma geração
que aprendeu que ninguém pode fugir do amor e da morte.
Nota: 9,0
A Companhia das Letras disponibiliza gratuitamente um trecho
aqui: http://www.companhiadasletras.com.br/trechos/13662.pdf
Textos relacionados no blog:
- Literatura: “Tanto Faz & Abacaxi” – Reinaldo Moraes
- Literatura: “Romance de Uma Geração” – Sérgio Sant’Anna
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