Como afirmar se uma vida realmente
valeu a pena? São tantos pesos, tantas medidas e tantas considerações que podem
fazer parte desse questionamento inicialmente simples, que no fim, nenhuma
resposta parece ser a correta. Ter uma vida pacata, sendo um cidadão de bem e
feliz dentro da sua tranquilidade, valida uma vida? Ou é necessário criar
grandes obras, ser reconhecido no seu círculo e esbanjar criatividade mesmo que
em poucos anos de brilho? É bem difícil afirmar.
O inglês Roger Keith Barrett transitou
por essas duas pontas. É o que vemos no livro “Crazy Diamond – Syd Barrett e o Surgimento do Pink Floyd”, que a Sonora
Editora lançou aqui no ano passado, com 224 páginas e tradução de Maíra
Contrucci Jamel. Escrito a quatro mãos por Mike Watkinson e Pete Anderson, a
obra teve a primeira edição lá fora em 1991, ganhando novos adornos depois do
falecimento do biografado em 2006, na sua acolhedora e querida Cambridge que utilizou
como exílio voluntário na maior parte da vida.
“Crazy
Diamond” é um trabalho valoroso para os fãs do Pink Floyd e interessante
para amantes da arte pop em geral. Trata da formação da banda, quando Syd Barrett
conhece Nick Mason, Roger Waters, Richard Wright e David Gilmour, que
posteriormente lhe substituiria no grupo. Do estouro local quando os primeiros
singles “Arnold Layne” e “See Emily Play” os levaram a programas como o “Top Of
The Pops” até a derrocada e a saída da banda em 1968 encontramos um personagem
repleto de singularidades.
Ele era o “dono” da banda nesse
início. Compunha, cantava e tocava guitarra. Esse reflexo dinâmico pode ser
visto no álbum de estreia do Pink Floyd de 1967, o clássico “The Piper At The
Gates Of Dawn”. Já no segundo trabalho de 1968, “A Saucerful Of Secrets”, ele
pouco participou (uma boa exceção é “Jugband Blues” que fecha o trabalho), e
depois da saída a sua criatividade ainda apareceu (mesmo que de modo camuflado
e confuso) nos discos solo “The Madcap Laughs” e “Barret”, ambos de 1970.
Características do artista como a inovação
e a inclusão de nuances pouco usuais na época, se por si só não podemos afirmar
que criaram a psicodelia, foram fundamentais para que esta acontecesse. No
entanto, isso tem um preço, e nos anos 60 esse preço vinha pelo poder do ácido,
que foi responsável por fazer que Syd Barrett alternasse de humor e visse sua
maestria ir embora pouco a pouco pelo demasiado consumo de substâncias do tipo.
Substâncias que afloravam o sentimento de inquietude que sempre lhe
acompanhara.
Um dos pontos positivos do livro é
apontar que sem a saída de Syd Barret do Pink Floyd, a banda nunca teria
acontecido da maneira que aconteceu, assim como, que a ideia vendida de que ele
fora escorraçado do grupo e rejeitado pelos integrantes posteriormente é mera
bobagem. Ele simplesmente não tinha como continuar, aliás, ele não queria
continuar. E o Pink Floyd sempre teve que viver com a sua sombra pairando em
entrevistas, artigos e matérias de tevê, enquanto ele escolheu a paz da cidade
natal para se recuperar e viver.
O trabalho vivaz e a seguinte queda encontra
paralelo em outros artistas como Brian Wilson dos Beach Boys, Peter Green do
Fletwood Mac, ou, guardadas as devidas proporções, em Arnaldo Baptista dos
Mutantes. O preço de viver loucamente a época cobrou seu preço e a volta se
tornou uma difícil missão. Para Syd Barrett, essa volta nunca aconteceu. Nunca
mais gravou nada depois desse período e nem quis mais conversa, apesar de
receber propostas tentadoras de gravadoras dispostas a usufruir do mito criado.
“Crazy
Diamond” demonstra não somente a intensidade do artista, como também sua
importância, mas fica no ar a questão de como o rock, e por extensão a música
pop, cria controversas auras de magnetismo. Como pode provocar tanto fascínio uma
obra tão pequena (em quantidade)? E fica mais fascinante ainda ser oriunda de um
cara atípico onde as canções falam de temas não muito básicos e tem formatações
e construções diferentes do pop costumeiro, ainda que as melodias apontem para
esse lado.
Isso, só a música pode explicar. E é aí
que reside boa parte da sua graça.
P.S: Para
neófitos, uma coletânea dupla chamada “Wouldn’t You Miss Me” de 2001 é
totalmente recomendável (e encontra-se aí pela rede).
Nota:
8,0
Site oficial: http://www.sydbarrett.com
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