Habita com conforto e tranquilidade
dentro do lugar comum a noção de que um festival de música é um processo de
escolhas, e que, basicamente, se resume nisso. Afinal de contas são muitas
atrações e a não ser que você seja um atleta na acepção do termo fica
impossível de acompanhar tudo. A 3ª edição do Lollapalloza em São Paulo, agora no
Autódromo de Interlagos e comandada pela Tickets For Fun, mostrou muito bem
isso.
Foram 2 dias de um evento que
surpreendentemente foi quase impecável (ainda que se questione os valores dos
ingressos), onde 54 horas de música serviram um público estimado em 150 mil
pessoas que consumiram entre outras coisas 123 mil litros de chope e centenas
de pratos no Chef’s Stage, talvez a grande sacada desse ano, pois trouxe comida
boa e de verdade para um festival nacional pela primeira vez.
E dessas 54 horas de música, a
escolha, sim ela de novo, me colocou presente em alguns shows e me deixou
ausente de outros. Shows sobre os quais disponho leves impressões abaixo.
Dia 05/04/2014 - Sábado
Silva
Ao final do show, próximo das
duas da tarde do sabadão, pintou um pouco de frustração por não ter chegado
antes. Mesmo vendo só da metade em diante, deu para ver que o Silva funcionou
muito bem com banda e naipe de metais. Esse é o caminho para não ficar uma
coisa tão previsível. Vamos esperar que se mantenha nessa toada.
Lucas Santtana
Um show de um cara que pode muito
mais. Talvez pelo horário, o músico pensou em fazer uma apresentação mais
“enérgica”, mas o que vimos foi um tiro que saiu pela culatra. Foi confuso e
sem graça alguma.
Café Tacvba
A primeira grande performance da
edição. Ritmos latinos misturados com pop, rock, ska e o que mais pintar na
frente. Junte a isso muita simpatia, dancinhas, e claro, boas músicas. Diversão
garantida às custas de Rubén Albarrán e seus amigos.
Julian Casablancas
Ouvi de longe algumas músicas do
vocalista do Strokes. Horrível é pouco. Muito pouco.
Portugal. The Man
A banda do Alaska foi uma
aprazível surpresa. Com um rock bem feito, apostando em melodias e com um pé fincado
no rock alternativo dos anos 80 e 90, convenceram muito bem. Única coisa ruim
foi a versão desconexa para “Another Brick In The Wall” do Pink Floyd que não
disse a que veio.
Lorde
Vi uma música. Bastou. Para nunca
mais.
Phoenix
Acho o Phoenix uma boa banda, com
hits para encaixar uma apresentação bacana e um vocalista que sabe se portar em
um palco. Mas eles exageram. E isso faz com que se saia no meio do show
infelizmente.
Nine Inch Nails
Na ativa desde o final dos anos
80, o Nine Inch Nails é uma banda para se admirar. Pouco convencional e com
letras contundentes em cima da cama pesada forjada entre o metal e o
industrial, o grupo de Trent Reznor fez o sábado valer a pena. De tão intensa
que foi a apresentação vi marmanjos com mais de 40 anos se emocionando e vertendo
suaves lágrimas em diversos pontos distintos do show. Impossível não ficar
submerso a mistura sonora e de luzes que a banda arremessa no público. O final com “The Hand That Feeds”,
“Head Like a Hole” e “Hurt” foi esplendoroso.
Dia 06/04/2014 - Domingo
Apanhador Só
O domingão começou cedo com um
sol de rachar a cuca, até mesmo para quem está habituado com o calor. Como
alívio para isso nada melhor que uma cerveja na mão e o show dos gaúchos da
Apanhador Só, que ao mesclar músicas dos seus dois discos focando em canções
mais agitadas, fez uma das apresentações mais legais da edição colocando o
público para cantar junto canções como “Despirocar” e “Prédio”. Palmas para
eles.
Raimundos
Com um caminhão de hits no bolso,
os Raimundos são o tipo de banda que podem fazer fácil uma hora de show
plenamente animada. Sobreviventes, por assim dizer, depois da saída de Rodolfo
dos vocais no começo dos anos 2000, aquela que provavelmente foi a maior banda
de rock do país na segunda metade dos anos 90, hoje é uma pálida sombra do que
foi. Culpa do guitarrista (e agora vocalista) Digão que com sua insistência em
continuar cantando e seus discursos vazios e clichês detonam qualquer esperança
de novos bons momentos.
Johnny Marr
Quando o show do ex-guitarrista
do Smiths foi anunciado pelo Lollapalloza a comoção não foi tão grande assim.
Ainda mais no horário em que foi colocado, iniciando às 14:20, não podia se
esperar realmente grandes coisas. Como funcionar suas músicas com o sol que
queimava a todos? É, mas funcionou. E muito bem. Tanto para saudosistas quanto
para neófitos, o talento e a simpatia do guitarrista que influenciou uma penca
de bandas indies nos últimos anos foram avassaladores. Entre as canções do
ótimo “The Messenger” do ano passado, ainda encontrou tempo para relembrar
canções da velha banda como “Stop Me If You Think You Heard This One Before”,
“Bigmouth Strikes Again”, “How Soon Is Now?” (esta com a presença do velho
amigo e ex-baixista do Smiths, Andy Rourke, no palco) e o hino “There Is a
Light That Never Goes Out” para fechar. Se a palavra emoção tivesse que ter
imagens para definir seu significado era só filmar o público depois disso. O
melhor show do festival.
Pixies
Não tem como não gostar de um
show do Pixies. Mesmo sem a Kim Deal no baixo. E no Lollapalloza 2014 não foi diferente.
Entre músicas novas como “Magdalena”, cacetadas como “Ed Is Dead” e clássicos como
“Where Is My Mind”, Frank Black comandou aos gritos e sussurros uma
apresentação digna da importância da banda, ainda que inferior a aquela feita
no frio do SWU de uns anos atrás.
Soundgarden
A distância entre palcos cobrou seu
preço e deu para ver pouca coisa. Mas vi “Black Hole Sun”, tipo de canção que
sozinha já vale um show.
New Order
O show a ser visto era o Arcade
Fire. Não tinha discussão nesse quesito. Mas como não se render ao coração e
ver Bernard Summer entoar canções que marcaram uma geração em outro palco? As
recomendações eram de que a apresentação “era morna”, “não valia a pena”, “melhor
colocar um DVD”. Grave engano. O New Order que se viu em Interlagos em 2014,
podia não ter o vigor de outras épocas, mas nem de perto foi automático ou
chato. Para o público que fez esta difícil escolha, o agradecimento veio com
uma bela exibição e um repertório fantástico com faixas como “Singularity” e “586”,
além de pérolas como “Your Silent Face”, “World”, “Bizarre Love Triangle”, “Blue
Monday” e The Perfect Kiss” e da homenagem a Ian Curtis com as versões de “Transmission”,
“Atmosphere” e o encerramento comovente com “Love Will Tear Us Apart” do Joy
Division. Pouco importava se Bernard Summer parecia seu tio bêbado na festa de
natal quando se metia a dançar no palco ou se Gillian Gilbert lembrasse mais
uma secretária executiva prestes a se aposentar do que uma artista pop. O que
importava eram as músicas cantadas, os sorrisos nos rostos que o New Order
provocou. A parte do Lollapalooza que se permitiu dançar e cantar. Que Win Butler
nos desculpe, mas o Arcade Fire fica para a próxima vez. Sem arrependimentos.
Top 5 – Melhores Shows
1 – Johnny Marr
2 – Nine Inch Nails
3 – New Order
4 – Pixies
5 – Café Tacvba
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