A 8ª edição do Festival Se Rasgum
em Belém chega novamente com uma proposta diferente do ano anterior. Agora, a
programação musical é mais espaçada e perdura por cinco dias em três espaços
diferentes, tendo pelo meio um dia gratuito e outro em um teatro. Isso sem
falar das habituais oficinas de profissionalização e neste ano uma mostra de
cinema, harmonizando a cultura em geral mais um pouco na proposta original.
Na abertura musical do festival,
a escolha ficou com o Teatro Estação Gasômetro tendo como atrações o
paraense Arthur Nogueira (atualmente morando no eixo Rio-São Paulo) e um senhor
de 70 anos chamado Jards Macalé. Começando às 20:35, Arthur subiu ao palco
junto com o antigo parceiro Renato Torres (da banda Clepsidra e outros
projetos) e abriu com um trecho do livro “Moby Dick” de Herman Melville, lido pelo
amigo e poeta Antônio Cícero no som. Aliás, uma das marcas do trabalho do músico é
justamente essa união entre música e poesia.
Em um show enxuto, o músico
paraense cantou muito bem como de costume e apresentou boas versões do seu
trabalho em faixas como “Gratuito”, assim como na releitura de “Cara” da Marina
Lima, ambas constantes no álbum “Mundano” de 2009 (que você encontra
gratuitamente para download aqui: http://www.amusicoteca.com.br/?p=1309).
Após uns 40 minutos o show terminava de maneira elegante e abria caminho para vermos
o que Jards Macalé aprontaria no palco.
Munido apenas de um violão, o
carioca, ícone da música popular brasileira mas que sempre trafegou mais pelo
lado do grupo dos “malditos” (é altamente recomendável assistir ao documentário
“Jards” sobre a vida do músico), ofereceu ao público todas as canções mais
poderosas da carreira, tais como “Farinha do Desprezo”, “Mal Secreto”, “Vapor
Barato”, “Gotham City” e “Negra Melodia”. Todas com roupagens extremamente
diferentes e experimentais, o que fazia o público não conseguir acompanhar a
maioria ao (tentar) cantar junto.
Entre a ironia e o escracho, a
alegria e a rabugice, Jards Macalé parecia multiplicar o violão que amparava
nos braços e promovia uma apresentação singular e repleta de intensidade e
vigor. Fazendo o público rir, contando um caso aqui e outro ali, o músico
entregava não somente um repertório brilhante, como também fugia da obviedade
dos corinhos e palmas. Quando isso acontecia era travestido, recortado e
provocado pelo próprio artista que pediu que lhe dessem vaias depois de “Gotham
City” para lembrar-se do IV Festival Internacional da Canção em 1969.
Histórias como a de que Wally
Salomão se arrependeu dos versos “eu não
preciso de muito dinheiro, graças a Deus” contidos em “Vapor Barato”, ou da
relação com as divas da Mpb Gal Costa e Maria Bethânia, afirmando depois que
havia prometido não “falar mais mal dos coleguinhas”, acertavam em cheio o
público, enquanto por outro lado expurgava canções de Carl Perkins, Noel Rosa,
Wilson Baptista (uma música que achou na internet, definindo a rede mundial de
computadores como “coisa foda”), Dominguinhos e Luiz Gonzaga.
No final do show ainda chamou
Arthur Nogueira para cantar uma virtuosa interpretação de “Último Desejo” de Noel
Rosa, para depois engatar sozinho uma ensandecida “Let’s Play That” e fechar com
“Juízo Final” do Nelson Cavaquinho, já clássica nos seus shows. Em uma hora e
vinte minutos, Jards Macalé bagunçou com o violão, entortou suas músicas, foi
engraçado ao seu estilo e o mais importante, passou longe de fazer uma exibição
monótona, muito pelo contrário. Inquieto e endiabrado, abriu o festival com
chave de ouro.
Nada mal para uma terça-feira.
P.S: Só para dizer que nem tudo foram flores, o telão ao fundo das
apresentações causou incômodo ao expor a bacanuda arte do festival desse ano em
efeitos visuais dignos de proteção de tela do Windows em alguns momentos. O que
não combinava em nada com o que estava sendo tocado. A logo poderia ter ficado
só parada. Às vezes, menos é mais, mas isso é ser rabugento e eu não tenho nem o
charme e nem o talento de um Jards Macalé para tanto.
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