O poeta e escritor escocês Robert
Louis Stevenson classificava o casamento como uma longa conversa entremeada com
disputas. Se na verdade é isso ou não, o livro “Garota Exemplar” deixa mais um atestado no caminho dessa
afirmação. É o primeiro trabalho da jornalista e escritora Gillian Flynn a ser
publicado aqui no Brasil (os inéditos são “Sharp Objects” e “Dark Places”),
depois de passar por mais de 20 países e ter alguns milhões de exemplares
vendidos. A Editora Intrínseca é a responsável pelo lançamento tupiniquim, que
conta com tradução de Alexandre Martins e 450 páginas.
Em “Garota Exemplar” o leitor é convidado a entrar na vida do casal
Amy e Nick Dunne. Ela é uma mulher de metrópole, criada em Nova York, com pais
que fizeram fortuna com uma série de livros infantis e juvenis baseados na própria
filha, onde a protagonista exala todo e qualquer tipo de perfeição que possa
existir. Já ele, é um crítico cultural, com gostos meio simplórios e comuns, que
acabou perdendo o emprego na revista em que trabalhava devido a transposição do
mercado para a internet e a consequente reforma que isso iniciou na segunda
metade da década passada.
Por um desses encontros e
desencontros da vida os dois se interessaram um pelo outro, preenchendo (pelo
menos momentaneamente) algumas lacunas necessárias e se casam. No ponto em que
o livro começa estamos no dia do aniversário de cinco anos de matrimônio e as
coisas já não andam lá tão bem. A fortuna de Amy foi se esvaindo aos poucos,
Nick continuou desempregado e por uma questão que aliou problemas familiares e
necessidade pessoal, o casal mora agora em uma casa situada nas margens do Rio
Mississippi, longe de tudo aquilo com que se acostumaram.
Gillian Flynn alterna os
capítulos individualmente de cada lado e entrecorta presente e passado na
primeira parte do livro. Essa construção é necessária para que o leitor entre
em uma zona de conforto e ache que já é senhor da trama, para que mais lá na
frente sinta o baque e seja convocado a se levantar e deixar essas primeiras
impressões de lado. Assim, os dois personagens são bem construídos, expondo
suas imperfeições e defeitos, sendo que nesse momento é bem mais fácil se
agradar com Amy do que propriamente com o lado masculino do par.
Uma das grandes vantagens de “Garota Exemplar” é deixar seus personagens
com um lado ambíguo e duvidoso, optando em navegar em áreas cinzas ao invés do tradicional
preto ou branco. Ambos têm coisas para se odiar. Quando Amy simplesmente
desaparece na manhã do aniversário de casamento já citado e a procura da
polícia começa a apontar para o envolvimento de Nick (deixando de lado a opção
de sequestro), é que isso aparece mais, com tons mais traiçoeiros e capciosos onde
as demais pessoas envolvidas no caso (família, amigos e público em geral) partilham
entre si também dessa faceta dúbia e se entregam facilmente aos seus interesses
pessoais.
Mesmo com a tarja estampada de “milhões
de cópias vendidas”, que pode assustar o leitor mais exigente por se imaginar o
enquadramento como uma literatura banal, “Garota
Exemplar” esquiva-se dessa provável regra e é uma boa e surpreendente exceção.
Um livro não remete linhas muito lisonjeiras para a instituição casamento e assim
passa perto de afirmações como a do ex-presidente norte-americano Abraham
Lincoln que definia o casamento como “nem o paraíso e nem o inferno, apenas o
purgatório”.
Nota: 7,5
Site oficial da autora: http://gillian-flynn.com
A Editora Intrínseca
disponibiliza um trecho gratuitamente para leitura, aqui.
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