O Lollapalooza chegou a sua
segunda edição brasileira nesse final de semana de páscoa. Nos dias 29, 30 e 31
de março, o Jockey Club de São Paulo recebeu dezenas de atrações e contou com a
presença de 167 mil pessoas nos três dias (de acordo com informação do próprio
evento). Uma venda de mais de 92% da totalidade dos ingressos disponibilizados
a um preço que para muitos foi bastante salgado (inteiras de R$ 330,00 a R$
350,00 por dia). Antes de falar sobre o principal item em um festival de
música, que olha só, deveria ser a música, vou me ater a alguns outros pontos.
Quando pagamos um valor,
qualquer que seja ele, em troca de uma mercadoria ou serviço, é lógico que
esperamos uma contrapartida a altura do que investimos. Quando o valor é elevado,
entende-se como normal que a cobrança seja do mesmo tamanho. Não foi exatamente
o que vimos no Lollapalooza. Do pulo dos dois dias de 2012 para os três dias de
2013, a produção do evento reconheceu erros e prometeu melhorias, o que na
verdade não ocorreu em quantidade satisfatória. É evidente que não é fácil
fazer uma estrutura desse porte funcionar 100% no que tange a transporte,
comodidade, alimentação, higiene e serviços em geral. Mas isso nunca pode ser
encarado como desculpa, que é o que geralmente acontece. Paga-se muito.
Exige-se muito. É assim que funciona. Ou pelo menos, é assim que deveria
funcionar.
Logo na sexta-feira deu para perceber
que existiriam dores de cabeça. Quem deixou para retirar os ingressos na hora
do evento levou de uma a três horas para cumprir tal (simples?) tarefa. Absurdo
é pouco, ainda mais agravado se lembrarmos que existe a cobrança da famigerada
taxa de conveniência (que não serve para nada, a não ser aumentar os lucros dos
responsáveis). Ao entrar no Jockey Club logo se deparava com filas e mais filas
para compras as “Pillas”, a moeda oficial do evento. E de novo, filas e mais
filas para ir ao banheiro, que em determinado momento era um amontoado de
sujeira, ou filas e mais filas para resgatar alguma coisa para beber ou comer.
Some-se a isso o fato da chuva ter espalhado lama por toda a área (o que
poderia ter sido resolvido nos dias seguintes com proteção nos piores
setores). Conectar o telefone a internet ou conseguir uma ligação era um milagre
na maioria das operadoras. Congestionamento de linhas beirando proporções
épicas.
Quando enfim se passa por um
sacrifício que repito, não se justifica de maneira alguma, e finalmente entramos
na música em si, esses esforços e pesares vão perdendo importância e acabam
sendo, se não esquecidos, pelo menos relevados e até mesmo, pasmem: perdoados.
É de botar medo o discurso do “valeu a pena, apesar de tudo”. Pois dessa
maneira, o consumidor se coloca em uma posição de estar agradecido por alguém
ter lhe dado a chance de ver a banda predileta. Uma chance que não lhe “deram”,
e sim foi paga por um valor respeitável para se assistir e merece ser atendido
da melhor maneira possível. Esse tipo de discurso é o que contribui, e muito,
para que as coisas continuem sendo do jeito que são.
Dito isso, vamos partir para os
shows. Não vi no Jockey Club nenhum show histórico ou algo do tipo, mas sim,
ocorreram apresentações ótimas e memoráveis. Um festival é sempre um exercício
de escolha, é bom lembrar, e entre as diversas opções (e no Lollapalooza eram 4
palcos), você opta pelo que mais gosta ou faz alguma aposta que possa
surpreender. É humanamente impossível ver tudo, isso é pura balela. E entre
afirmações, loucuras e decepções, distribuo minhas impressões abaixo em algumas
categorias:
- Melhores shows (em ordem de preferência):
1-Pearl Jam: Foi a última apresentação do festival e também foi a
melhor. Em duas horas e pouco, Eddie Vedder e sua trupe destilaram versões
poderosas de canções como “Corduroy”, “State Of Love And Trust”,
“Rearviewmirror” e principalmente a já clássica “Black”. Ainda houve tempo para
homenagear os Ramones com a versão de “I Believe In Miracles” e o The Who com uma
versão para “Baba O’ Riley”. Foram 26 músicas e um belo show de rock para
velhos, jovens, crianças e seres de qualquer planeta cantarem e pularem juntos.
2-Queens Of The Stone Age: Josh Homme, assim como no SWU, abriu
logo com dois hits. Dessa vez as escolhidas foram “The Lost Art of Keeping a
Secret” e “No One Knows”. E assim o público estava ganho. Desse ponto em diante
veio o rock visceral, enérgico e muito bem tocado da banda. Com direito a uma
música nova (“My God Is The Sun”), o QOTSA deixou um sorriso espalhado de lado
a lado nos rostos no Jockey. Mesmo que inexplicavelmente tenha acabado uns 10
minutos mais cedo e “Feel Good Hit Of The Summer” tenha ficado de fora.
3-Alabama Shakes: Tipo do show em que tudo deu certo. Final de
tarde, o céu mudando de cor, pássaros voando por cima do palco (sim, eu vi isso
e estava lúcido) e Britanny Howard com muita vontade de tocar e cantar. Inspiradíssima
e apoiada na capacidade dos seus parceiros destilou o repertório do ótimo álbum
de estreia “Boys & Girls” do ano passado. Faixas como “Hold On” e “Heartbraker”
ganharam uma dimensão diferente ao vivo e colaboram para fazer um show simples,
porém, emocionante.
4-Flaming Lips: Wayne Coyne parecia ter vindo de um futuro distante
para o Lolla. Como um pregador após o apocalipse espalhou sua mensagem para os
sobreviventes com um “bebê” no colo que alimentava uma cascata de luz atrás
dele. Só saiu do pequeno palanque em que ficou no final. Com projeções ensandecidas
de cores e texturas acompanhando a música repleta de nuances progressivas e fora
dos padrões, deixou alguns fiéis mais crentes ainda, ao passo que afastou muitos
novos adeptos. Para os fiéis, mandou entre o repertório praticamente novo,
preces conhecidas como “Yoshimi Battles the Pink Robots” e “Dou You Realize??”
como prêmio. E dessa maneira, fez rezar na virtuosa viagem que escolheu
comandar.
5-Planet Hemp: Tocando em um horário nobre no domingo (coisa
raríssima para bandas nacionais), Marcelo D2 e BNegão não perderam a
oportunidade. Mesmo com o som explodindo algumas vezes, comandaram um som
pesado, com groove e preenchido por hits. O Planet é daquelas bandas que são
associadas diretamente a uma temática e não tem como fugir disso. O discurso
bem humorado no telão (que foi muito bem usado) com o Away no início podia ser
menor, mas tirando isso até que o discurso não encheu o saco. Dividido em três
atos que exploraram os discos lançados, ainda teve no final uma bacanuda
homenagem a Chico Science com uma versão respeitável de “Samba Makossa”.
6-The Killers: Gostando ou não das músicas (ou da postura) de
Brandon Flowers e companhia, uma coisa ficou inegável no Jockey Club: a banda
está jogando no time de cima do rock mundial. Sua mistura de rock de estádio
com farofa e anos 80 culminando em refrãos com ganchos poderosos, funcionou
muito e fez um grande público se envolver no show. E o desempenho em cima do
palco também foi proporcional. Simpático, usando de bons clichês e cantando
limpamente, o vocalista comandou um show competente, um rock preparado para
arenas e públicos grandes. Goste-se ou não, repito, a banda entende do negócio em
que se meteu.
7-Tomahawk: O projeto paralelo que Mike Patton (Faith No More) leva
em frente junto com John Stainer (Helmet), Duane Denison (Jesus Lizard) e
Trevor Dunn (Mr. Bungle), fez um show bem interessante. O vocalista podia ser
facilmente confundido com um brasileiro enquanto se expressava ao público, pois
fala praticamente como se fosse um. Deixando um pouco de lado as canções mais
experimentais, o grupo sentou a mão em um repertório coeso e pesado, que incluiu
também faixas do recém-lançado “Oddfellows”.
8-Graforréia Xilarmônica: Frank Jorge, Carlo Pianta, Marcelo e
Alexandre Birck só não entraram mais acima, pois devido ao horário só assisti
as 7 últimas músicas (de 20 tocadas). Com um som claro e forte, o grupo tocou
suas canções bem humoradas e alegrou o pequeno público presente. O fechamento
foi com “Bagaceiro Chinelão”, “Benga Velha Companheira” e “Rancho”. Ficou o
arrependimento de não ter assistido mais, se bem que apenas 7 músicas da
Graforréia ainda valem mais do que muita coisa por aí.
- Os Piores Shows
1-A Perfect Circle: Concorreu seriamente pelo posto da pior coisa
que o festival produziu. E olha que a concorrência era forte se adicionarmos as
filas, a lama e tudo mais na briga. Show capaz de assombrar os sonhos por um
bom tempo.
2-Two Door Cinema Club: Não dava para entender todo aquele público
cantando e vibrando quando se escutava as canções ou a sua execução no palco. A
alegria era inversamente proporcional a qualidade do que saia das caixas.
Daquelas coisas inexplicáveis da vida.
- As Decepções
1-Cake: Uma das bandas mais esperadas, o Cake decepcionou bastante.
Começou bem com a dobradinha “Frank Sinatra” e “Love You Madly”, no entanto foi
se perdendo com o decorrer do tempo. As longas paradas entre as músicas e o
falatório completamente desnecessário de John McCrea foram fundamentais para
essa queda. Na parte final ainda houve uma tentativa de retomar o público com
canções como a cover de “I Will Survive” e as próprias “Never There” e “Short
Skirt/Long Jacket”, mas aí já era tarde demais, o jogo já estava perdido.
Infelizmente.
2-The Black Keys: Sabe aquela mulher que você vê na capa das
revistas e tudo está incrivelmente no lugar, mas quando você a vê em uma imagem
na rua ou na praia, a coisa é beeem diferente? Pois é, assim foi o show do
Black Keys. Não chegou a ser ruim, mas era claro que a mistura de blues e rock
de garagem do duo Dan Auebach e Patrick Carney não estava funcionando como
deveria. Mesmo abrindo com “Howlin’ For You” e “Next Girl” e passando por
coisas como “Thickfreakness”, não convenceu completamente. Melhor ficar com os
discos ou esperar um show em um ambiente diferente. E menor.
- Melhores canções de cada dia:
1-Sexta: “Mr. Brightside” – The Killers
2-Sábado: “Hold On” – Alabama Shakes
3-Domingo: “Black” – Pearl Jam
- Melhor Lanche:
Os Churros foram imbatíveis, mas as tirinhas de frango também fizeram bonito e quase arrebataram o primeiro
posto nesse quesito.
O Lollapalooza Brasil 2013 teve
pontos positivos como os shows, o acesso fácil (pelo menos para chegar, para
sair já foi outra história), a diversidade de lanches oferecidos (mesmo que
fosse complicado adquiri-los) e o chopp quase sempre bem gelado. Mas pecou
muito nos pontos descritos nos primeiros parágrafos. Pontos relevantíssimos,
afirme-se novamente aqui. Que a edição de 2014 já confirmada para 18,19 e 20 de
abril, venha melhor e com mais respeito ao público, que é a engrenagem que
financia um evento desse porte. Respeito é bom e até onde eu sei, faz muito
bem. E que o público também mude a postura do “valeu a pena, apesar de tudo” e
cobre por condições melhores para usufruir do dinheiro que está investido na
sua diversão.
2014 é bem ali. Vamos esperar para ver.
Todas as fotos foram retiradas dos
endereços oficiais. Tanto do site (http://www.lollapaloozabr.com)
quando do facebook (http://www.facebook.com/LollapaloozaBR).
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