A escravidão estava no patamar
dos piores crimes possíveis para o 16º Presidente dos Estados Unidos. Para
acabar com essa abominação, ele entrou em uma guerra que consumiu quase um
milhão de vidas. O buraco era bem mais embaixo e os estados do sul usavam a mão
de obra escrava como sustentáculo dos seus ganhos e lucros, assim como fizeram
durante tanto tempo. Além da luta armada foi preciso muita conversa, quebra de
princípios e jogadas pouco nobres para que a 13ª emenda fosse aprovada e
adicionasse na Constituição a proibição da escravatura em todas as suas formas
e procedimentos.
“Lincoln” que estreou no Brasil recentemente e está concorrendo a
12 estatuetas no Oscar desse ano é o novo filme do diretor Steven Spielberg. É
um testemunho pesado e longo (são duas horas e meia de duração) sobre alguns
meses entre o final de 1864 e o começo de 1865, justamente o período de
aprovação da referida emenda. Abraham Lincoln havia acabado de se reeleger e os
Estados Confederados do Sul começavam a ceder, logo o final da guerra se
aproximava. Todavia, isso não era o bastante. Ele queria fechar para sempre as
portas que culminavam nesse tipo tão vil de conduta.
Usando muitos e muitos diálogos e
com raríssimas cenas de ação ou de aventura, Spielberg provoca um mergulho em
um mundo escuro e denso, onde navegam lado a lado outras questões. Questões
como a ética, questões como os limites do poder, questões como a crueldade do
ser humano para com seus pares. Quem gosta de história e/ou conhece um pouco
dessa parte da trajetória dos Estados Unidos, irá se sentir bem mais a vontade,
isso é certo, porém, não somente para esse tipo de público “Lincoln” foi idealizado, a questão política tem um fiel endosso de
atualidade no seu foco.
Com toda a licença para o uso de
clichês, o elenco é estelar. Daniel Day-Lewis está soberbo como Abraham
Lincoln, Sally Field une desespero e força para Mary Todd, a esposa do Presidente,
David Strathairn aparece como o amigo e braço-direito William Seward, o
Secretário de Estado do país, Tommy Lee Jones impressiona como Thaddeus
Stevens, um importante político do partido conservador e James Spader coloca no
balcão um pouco de riso como o negociante de votos W. N. Bilbo. Isso tudo
amarrado com o roteiro categórico de Tony Kusher, responsável pelo estupendo
“Angels In America”.
A parte técnica é outra invasão
de nomes experientes e habilidosos, conhecedores de suas respectivas searas. Steven
Spielberg repete a dobradinha que rendeu estatuetas do Oscar em 1994 e 1999
(com “A Lista de Schindler” e “O Resgate do Soldado Ryan”, respectivamente) e
coloca Michael Kahn na montagem e Janusz Kaminiski na fotografia. Preciso
nestes dois pilares, a direção se preocupa assim em controlar a vasta gama de
personagens com papel de destaque, uma quantidade bem acima dos filmes
habituais. E é nos atores que o filme se desenvolve de maneira exemplar.
Contudo, “Lincoln” ainda esbarra em duas situações. A primeira é a impressão
que deixa de que os fins justificam os meios. Sim, esses meios sempre foram
utilizados e provavelmente sempre serão e os objetivos aqui em questão são mais
que nobres, mas pode ter uma extensão de compreensão a ser usada como desculpa
para absurdos diversos. Isso já foi visto em inúmeras ocasiões. Uma das falas
de Thaddeus Stevens depois da votação resume bem onde o Presidente teve que ir
para conseguir seu desejo: “esta é a maior lei do século e foi conseguida à
base da corrupção por um dos homens mais puros que eu conheço”.
A outra situação que prejudica um
pouco o resultado final é que somente em esparsas passagens o filme realmente apresenta
um clímax. Um desses momentos é a defesa que Lincoln (com Daniel Day-Lewis
sobrenatural) faz das razões para aprovar a 13ª emenda. Mas, cenas assim são raras
e apesar de todo o brilhantismo dos atores e a eficiência da área técnica, as
emoções são contidas, comedidas, controladas. Mesmo assim, “Lincoln” é um ótimo trabalho para o diretor depois do fraco
“Cavalo de Guerra”, como também para esse importante personagem que vê sua
história contada longe de caçadores e de vampiros.
Nota: 8,0
Assista ao trailer legendado:
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