O falecido arquiteto mexicano
Luis Barragán Morfin escreveu em determinada ocasião que “a arte é feita pelos anônimos para os anônimos”. Tal afirmativa
pode muito bem ser direcionada a obra de Banksy, o artista inglês que ninguém
sabe quem é verdadeiramente, mas que a cada dia que passa conquista mais admiradores
pelo mundo. Porém, considerando que a arte tem como tradição sempre exigir
doses complementares de amor e ódio, a quantidade de hostis também cresce
relativamente.
Aqui no Brasil, a produção deste oculto
grafiteiro ganhou um livro no ano passado. “Banksy
– Guerra e Spray” foi originalmente publicado no Reino Unido em 2005 e
depois de ter sido um sucesso de vendas, só agora desembarcou no país. Com
lançamento da Editora Intrínseca em formato grande (26x21cm), conta com 240
páginas e tradução de Rogério Durst. Com uma leve introdução e seis capítulos
posteriores, são retratadas algumas intervenções feitas até aquela data, aliadas
com pequenas histórias.
Durante os anos muito se
especulou sobre a verdadeira identidade de Banksy. O tabloide inglês Daily Mail
chegou a cravar que ele é Robert Banks, nascido em 1973 na região de Bristol na
Inglaterra. Outros especulam que Thierry Guetta, o protagonista do documentário
que concorreu ao Oscar de 2011, “Exit Through The Gift Shop” (com Banksy
destacado como diretor) seja quem se procura, e outros ainda consideram que o
nome seja na realidade um conjunto de artistas de vários países.
No entanto, independente de quem
seja, a verdade é que o trabalho de Banksy oferece impacto e colisões
constantes. O anonimato causa mais interesse, é lógico, mas isso é apenas mais
um adendo sobre o cenário geral e aquilo que mais importa, que é o cutucão que
a sociedade como um todo recebe. Utilizando seu spray e praticando estêncil
(uma espécie de desenho feito com buracos na superfície), as tintas usadas não
isentam ninguém. Governos, religiões, cotidianos, polícia. Todos são alvos.
Um dos trechos do livro diz que “é preciso muita coragem para, numa
democracia ocidental, se erguer anonimamente e clamar por coisas em que ninguém
mais acredita – como paz, justiça e liberdade.” A assertiva que pode
parecer ingênua em um mundo que sucumbe cada vez mais a aceitação de ideias
prontas e do lema do “isso não é comigo”, funciona mais do que o esperado, pois
incomoda e perturba um pouco a mente de conservadores, reacionários e omissos
de quaisquer estirpes.
É fato que o discurso de Banksy
extrapola alguns pontos, como em relação a invasão de propriedade privada e as
máculas em monumentos históricos, mas mesmo isso não chega a ser exatamente
ofensivo. Outras questões como a arte com alcance gratuito, copyright e lucro
também são inerentes perante alguns produtos gerados pela marca cada vez maior
do artista, no entanto, esses questionamentos acabam por expirar perante o
significado das manifestações assinadas pela alcunha.
Tratando o grafite como uma “das mais honestas formas de arte disponíveis”,
ele consegue contrapor de modo inteligente a “sujeira” provocada pelas suas
pinturas com aquelas que as empresas e governos fazem legalmente e que enchem
as ruas de propagandas e coisas do tipo. O ferrão irônico e provocador produz
situações como a de policiais se beijando ou a menina Phan Kim Phúc sendo
acompanhada pelo Mickey e Ronald McDonald na famosa foto da Guerra do Vietnã tirada no ano de 1972.
E quando trata de situações em que governo,
guerra e política são explorados, é que o livro se abrilhanta mais, porém sem esquecer das injustiças sociais. Em uma das
passagens temos:
“A raça humana promove o tipo mais estúpido e injusto de corrida.
Muitos dos corredores não calçam um tênis decente nem têm acesso a água
potável. Alguns já nascem largando muito na frente, recebem toda a ajuda
possível ao longo do trajeto e ainda assim os fiscais de prova parecem estar do
lado deles. Não surpreende que muitos desistam de competir, preferindo se
sentar na arquibancada, comer porcarias e gritar que foi tudo marmelada. O que
a corrida humana precisa é de muito mais nudistas invadindo a pista.”
As criações de Banksy invadiram
outros países como Estados Unidos, Israel, Japão e Espanha e entre
pegadinhas com transeuntes e críticas repletas de humor negro e ironia, serviram
para sacudir um pouco a apatia e a falsa sensação de conforto que se espalha
como um vírus no ar. Como ele mesmo afirma que “é sempre mais fácil conseguir perdão do que permissão”, podemos
esperar muito mais pela frente, além daquilo que já está retratado nesse ótimo “Guerra e Spray”.
Nota: 9,5
Site oficial: http://www.banksy.co.uk
Assista abaixo (completo e
legendado) o documentário “Exit Through The Gift Shop”:
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