Em mais de 40 anos trabalhando
com cinema, o canadense David Cronenberg quase que sempre objetivou repassar
algum tipo de incômodo ao espectador. Esse desejo está lá nos seus filmes dos
anos 80 como “Videodrome – A Síndrome do Vídeo” de 1983, “A Mosca” de 1986, ou
o perturbador “Gêmeos - Mórbida Semelhança” de 1988. Isso foi se transformando
com o tempo e ganhando outras cores como atestam os recentes “Marcas da
Violência” de 2005 e “Senhores do Crime” de 2007. Porém, o desejo está lá,
presente.
Em “Cosmópolis”, o mais recente trabalho de Cronenberg, essa opção em
inquietar a quem assiste ao filme não poderia ficar de fora, e ganha contornos
mais acentuados do que nos últimos longas. Baseado em livro homônimo lançado em
2003 por Don DeLillo (com roteiro adaptado pelo próprio diretor), vemos as
preferências da carreira saltarem à vista, como a violência (embutida aqui mais
em palavras), a preocupação constante com as expressões dos atores e aquele
sentimento de angústia presente no ar.
A história em si não chega a ser difícil.
Em um dia ruim, Eric Michael Packer (Robert Pattinson de “Crepúsculo”) vê a sua
fortuna sumir pouco a pouco. Ele é jovem, de boa aparência, rico e executivo
maior de um conglomerado bilionário. Mas também é paranoico, repleto de
obsessões e preso a um casamento por conveniência financeira, do qual tenta de
modo infrutífero fazer parte. Em um mundo onde até a palavra computador já soa
antiga, busca algum alívio na arte de pintores como Mark Rothko.
Para lidar com esse dia perverso,
Eric Packer se tranca em uma limousine branca com seguranças de suporte e busca
atravessar a cidade para cortar o cabelo. Dentro desse “mundo próprio” que é o
carro, ele recebe parceiros de negócios para reuniões, faz sexo e tem
atendimento de rotina por um médico, sem perder a concentração. Em uma passagem
chave do longa, mesmo passando por um exame de próstata à moda antiga, ele mal
muda a expressão e continua conversando sobre a derrocada da fortuna.
Para interpretar os demais personagens
que enxertam a trama, Cronenberg utiliza atores de categoria como Paul
Giamatti, Juliette Binoche e Patton Oswald. Isso ajuda para tirar o foco um
pouco de Robert Pattinson, que apesar de fazer um trabalho até bom, fica
distante da intensidade que se almejaria em um primeiro momento para o papel. É
bom ressaltar que o ator da saga juvenil vampiresca não era a escolha inicial,
que recaia sobre Colin Farrell, descartado por estar envolvido em “O Vingador
do Futuro”.
Em “Cosmópolis”, David Cronenberg exibe uma ótima forma. Todos os
detalhes são inseridos milimetricamente. Da expressão de apatia dos figurantes no
fundo aos detalhes das faixas dos protestantes no meio da cidade, tudo indica
uma razão de ser, de existir. Com a câmera focada na maior parte do tempo nos
rostos dos atores e repleto de analogias e alegorias por todos os lados, elabora
uma narrativa incisiva sobre a sociedade, o capitalismo em termos gerais e o
modo de vida pessoal e tão individualista dos nossos tempos.
Nota: 8,5
Assista ao trailer legendado:
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