Muito provavelmente “Kind Of
Blue” é o disco de jazz mais conhecido de todos os tempos. Com ele, Miles Davis
recondicionou o estilo e a própria carreira e desde que foi lançado nos Estados
Unidos em 17 de agosto de 1959 recebeu reedições diversas, além de textos e
livros que permeiam sua concepção como o ótimo “Kind Of Blue - A história da obra-prima
de Miles Davis” de Ashley Kahn que a Editora Barracuda lançou por aqui em 2007.
Em “Kind Of Blue - Miles Davis e o álbum que reinventou a música moderna”,
o inglês Richard Williams opta por outro caminho. Antes de falar sobre o álbum,
tenta estabelecer paradigmas sobre o antes e conjecturas sobre o depois. Visa não
somente explanar como o músico foi se dirigindo ao momento da criação que
resultou no registro, mas também tratar dos efeitos que essa obra exerceu na
época, assim como posteriormente foi demonstrando a cada ano.
Com 288 páginas, tradução de Fal
Azevedo e publicação pela Casa da Palavra em 2011, o livro atravessa os
momentos anteriores ao “Kind Of Blue” como a fase dentro do bebop, a primeira
turnê pela Europa, o envolvimento com a heroína e o encarceramento na Riker’s
Island. Ao desembarcar em “Miles Ahead” de 1957, mostra uma mudança
significativa quando ocorre a troca (nesse disco) do trompete em favor do
flugelhorn, pavimentando assim importantes estradas.
Na busca por uma nova forma de
abordar a harmonia, Davis foi propositalmente atenuando o ritmo e desacelerando
o estilo de tocar em uma época onde era crescente o interesse pela arte em
geral, se colocando assim na vanguarda do período. E no porão de uma igreja
ortodoxa armênia com reverberação de três segundos convertida em estúdio em
Nova York, gravou um álbum onde as vozes nunca se erguem e o timbre de cada
instrumento é unicamente realçado.
Richard Williams então de modo
técnico e extensivo mostra como as cinco peças foram previamente construídas na
cabeça de Davis e depois executadas por um timaço que contava com Julian
“Cannonball” Adderley no saxofone alto, John Coltrane no saxofone tenor, Bill
Evans no piano, Paul Chambers no contrabaixo e Jimmy Cobb na bateria, sendo que
em “Freddie Freeloader” é Wynton Kelly quem assume a missão de conduzir o piano
durante a faixa.
Usando a palavra “azul” como
parâmetro, o autor mergulha bastante em direção a correlações e explicações, o
que em parte do livro parece mais um exercício de conhecimento, do que
propriamente didático ou narrativo. Organizados como se fossem ensaios, os
capítulos se sobressaem em “O Momento Azul”, onde versa sobre o disco em si,
“Azul Escuro” onde usa o Velvet Underground como extensão de influência e
“Código Azul”, onde faz o mesmo com Brian Eno.
Aliás, na viagem de influências
que o autor busca alcançar partindo de “Kind Of Blue” é que a obra fica mais interessante
e se descentraliza em uma lista que mesmo sendo diversa, aparece repleta de
boas razões para o entendimento. A paixão por Miles Davis fica evidente no
texto, o que acaba atrapalhando um pouco e resulta em ligações às vezes
imprecisas e outras magistrais como quando utiliza o existencialismo em relação
à obra dos cineastas italianos Fellini e Antonioni.
Com um conhecimento evidente
sobre o tema, Richard Williams explora a música de “Kind Of Blue” e o poder que
este álbum exerceu nas camadas mais profundas da música, baseado em uma ampla
lista de referências que demonstra no final. Adotando uma linguagem
especializada que às vezes se volta contra si, não se abstêm em traçar seus
panoramas usando levemente os mesmos moldes experimentais que esse belo de
registro de 1959 se baseou e fez história.
Nota: 7,0
Site oficial sobre o músico: http://www.milesdavis.com
Assista a uma apresentação ao vivo de “So What” que abre o “Kind
Of Blue”:
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