Em 12 de junho de 2009 a República
Islâmica do Irã saia às ruas com o intuito de decidir o novo presidente do
país. Quatro candidatos participaram do pleito e no dia seguinte foi decretado
a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, ex-prefeito de Teerã que ocupa a
presidência desde 2005. O resultado foi amplamente contestado por fraude, o que
levou a uma recontagem que ratificou o veredicto inicial. O povo insatisfeito
saiu novamente às ruas, agora não mais para votar, e sim para protestar.
O resultado de tal demonstração
democrática foi a repressão sangrenta feita pelo governo, que através dos Basiji
(uma truculenta milícia paramilitar de uso do poder) realizou espancamentos,
prisões e mortes. Uma dessas mortes foi a de Neda Agha Soltan alvejada por tiros
e que através de uma exposição inicial no site do escritor brasileiro Paulo Coelho
(que viu seu agente no país no vídeo), ganhou o mundo todo e promoveu um clamor
(ainda que sem sucesso) pela justiça a ser feita.
“O Paraíso de Zahra” é uma graphic
novel que ficcionalmente se desenvolve após essa conturbada eleição. Com
272 páginas foi publicada aqui no final de 2011 pela Editora Leya em conjunto
com a Barba Negra. Escrita por Amir, um ativista dos direitos humanos,
jornalista e cineasta com foco em documentários e desenhada por Khalil, um artista
que se apresenta pela primeira vez em um projeto desse tipo, inicialmente foi concebida
como uma série online antes de assumir forma física.
Os autores Amir & Khalil não expõem
os verdadeiros nomes com medo da represália dos mandatários de um país que de
acordo com a Anistia Internacional foi o segundo com maior número de execuções
em 2010, ficando atrás só da benevolente China. Os próprios a definem como ficção,
pois não se julgam “aptos a documentar os fatos sobre as eleições presidenciais
iranianas”, porém não podem “fingir que não há ligação entre a ficção e a
realidade” e que tiveram “milhares de colaboradores, alguns vivos, outros
mortos”.
Dedicada “aos desaparecidos, aos
ausentes e aos que caíram”, o livro tem como trama principal o sumiço de um
jovem chamado Mehdi, que depois dos protestos feitos na praça da liberdade contra
as trapaças nas urnas, simplesmente desapareceu. A mãe (chamada Zahra) e o
irmão mais velho tentam em vão encontrar vestígios do rapaz. Perambulando em
prisões, necrotérios e hospitais, os dois angariam alguma ajuda, mas nada que
solucione a questão que vem corrompendo suas almas pouco a pouco.
Esse irmão mais velho desabafa
sobre suas desilusões e frustrações sobre o caso em um blog chamado “O Paraíso
de Zahra”, que é o nome do principal cemitério de Teerã e que homenageia a
filha única do profeta Maomé (fundador do Islamismo), um símbolo de pureza,
dignidade e generosidade para os religiosos. Essa é uma das várias analogias
que o texto de modo brilhante frequentemente utiliza e vai correlacionando o
passado da nação com fatos recentes e todo um cotidiano contemporâneo.
A arte de “O Paraíso de Zahra” é um espetáculo à parte. Em preto e branco,
Khalil transmite toda a tensão dos momentos brutais, assim como viaja em
comparações e alegorias que representam bem o que o texto ambiciona repassar ao
leitor. Mesmo repleto de tristeza e inconformismo, a narração feita pelo irmão
de Mehdi traz alguns toques de humor, tanto ocasionais, como ácidos em relação
ao modus operandi de um governo que suprime
não só a liberdade, como também as qualidades do povo iraniano.
“O Paraíso de Zahra” traz um projeto gráfico zeloso e preocupado
com uma informação mais ampla e na busca por Mehdi, insere o leitor em um país
que para muitos não consegue mais ser uma República e muito menos ser Islâmica.
Uma tirania disfarçada que faz com que um povo sofra dissabores mil e veja seus
direitos arremessados na sarjeta a cada dia. Um trabalho corajoso e agudo que
serve para despertar os olhos do mundo e para homenagear todos aqueles que
sucumbiram aos desmandos da insanidade.
Nota: 9,0
No site da Editora Barba Negra
tem partes para visualização. É só ir aqui.
Assista ao documentário (em
inglês) “For Neda” feita pela HBO sobre a morte de Neda Agha Soltan:
Nenhum comentário:
Postar um comentário