segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

E que venha 2013!!


Salve, salve minha gente amiga,

Mais um ano chega ao fim e deixa para trás bons momentos para a cultura em geral. Tivemos ótimos trabalhos na música, cinema, literatura, quadrinhos e até mesmo na televisão. Que no ano que bate na porta esperando para entrar, isso aconteça em uma quantidade maior, afinal coisas boas são sempre bem vindas.

Que esse último dia sirva para repensarmos a vida, as nossas atitudes e o caminho que optamos em trilhar. Que as estradas que ainda vamos pavimentar pela frente estejam repletas de realizações e alegrias e que ao construir essas novas estradas, nunca nos esqueçamos do compromisso único de fazer desse mundo um lugar melhor para as gerações futuras. Isso é fundamental.

Em 2012, apesar de uma quantidade bem menor de textos (não deu para escrever tanto quanto eu queria), o Coisapop continuou crescendo no que tange a quantidade de acessos. O que se convencionou como uma regra desde que foi criado em 2005. Por isso o meu muito obrigado a todos que passaram aqui, concordando ou não com o teor dos textos. Um abraço virtual em todos os leitores, amigos e colaboradores que fazem com que isso seja levado em frente dia a dia.

Que nesse novo ano possamos honrar nossos sonhos e ideias como eles merecem.

Que venha um grande ano.

Paz Sempre.

domingo, 30 de dezembro de 2012

"O Impossível" - 2012


Final de ano. Uma ótima época para viajar com a família com o intuito de relaxar e aplacar um pouco a falta de atenção cometida durante o restante do ano devido ao trabalho, as coisas da vida em geral. Imagine só então ir para um lugar paradisíaco, repleto de belezas naturais. Um sonho, não é? Foi isso que pensou uma (entre tantas outras) família espanhola ao embarcar para as festas de 2004 com destino à costa da Ásia. E devido a um tsunami de proporções gigantescas, esse sonho virou um pesadelo.

É baseado nessa história real que o diretor espanhol Juan Antonio Bayona (do esquecível “O Orfanato”) criou seu novo filme “O Impossível”, que estreia por aqui agora no final de 2012. Sem apelar para milhares de efeitos especiais da catástrofe (apesar desses efeitos existirem), a trama tem como o foco a briga para escapar da imensidão de água que constantemente arremessa tudo e todos, para em um segundo momento se preocupar com o reflexo do desastre que separa famílias e produz corpos.

Para interpretar a família (convertida em britânica), outro acerto. O casal ficou com Ewan McGregor (“Trainspotting”) e Naomi Watts (“21 Gramas”), e os dois que já haviam trabalhado juntos no mediano “A Passagem” do diretor Marc Foster de 2005, aqui vão bem além e conseguem brilhar, principalmente a atriz inglesa. Os três filhos do casal também tem boas atuações, a saber: Tom Holland como Lucas, Samuel Joslin como Thomas e Oaklee Pendergast como Simon. Fragilidade e coragem na dose certa.

O roteiro de Sergio G. Sánchez (parceiro de Bayona em “O Orfanato”) tem essa habilidade de alternar a calamidade de maneira mais ampla com o sofrimento particular da família. Isso sem poupar o espectador de mostrar os graves ferimentos e toda a sujeira imposta pela lama e sangue. O roteiro também encontra tempo para adicionar outros personagens, como Karl (Sönke Möhring de “Bastardos Inglórios”), que em poucos minutos na tela consegue passar uma carga forte de dor e esperança.

“O Impossível” até apresenta algumas questões para espectadores mais ranzinzas discutirem, como colocar o foco em uma família europeia ao invés de moradores da região, ou a solução final com o tratamento médico envolvido, porém, nada disso tira a forte carga de emoção que o longa transpira a cada minuto e muito menos as atuações convincentes do elenco, que vive ali naquele momento o drama que milhares sofreram e que deixou mais de 200 mil mortes no rastro de destruição que a natureza impôs.

Nota: 8,0

Assista ao trailer legendado:

sábado, 22 de dezembro de 2012

Quadrinhos - "Sweet Tooth - Depois do Apocalipse" e "O Inescrito"

 

Desde que a Editora Panini assumiu a publicação das linhas da DC e da Marvel no Brasil, é inegável o bom trabalho que vem sendo feito. Há de se discordar de alguns pontos como o tempo de atraso ainda vigente nas publicações maiores, ou a equivocada junção de títulos para formar o mix das revistas, resultando às vezes em boas séries esquecidas. No entanto, isso são detalhes dentro de um todo. No geral, o trabalho é bem realizado e cada vez está mais amplo.

O selo Vertigo da DC é um dos que vem recebendo os melhores cuidados e a prova disso são dois recentes lançamentos inéditos por aqui. O primeiro é “Sweet Tooth – Depois do Apocalipse” de Jeff Lemire, e o segundo é “O Inescrito” de Mike Carey e Peter Gross. Os dois encadernados apresentam as cinco primeiras edições de cada, originalmente publicadas no decorrer de 2009 inicialmente. “O Inescrito” ainda ganha alguns textos e mais extras de esboços como bônus.

O primeiro volume de “Sweet Tooth” é “Saindo da Mata”. Nele, Jeff Lemire conta a história de uma terra sofrida, após quase todos os humanos serem extintos devido a uma infecção generalizada. As crianças que agora nascem no planeta são híbridos de humanos e animais. O foco está no jovem Gus (que carrega traços de cervo na anatomia), que depois de ver o pai falecer começa a ser caçado, pois a espécie dele é altamente valorizada nesse mundo novo. É quando entra o velho Jepperd.

Jepperd é um homem forte, que por razões bem próprias, resolve salvaguardar a vida de Gus e conduzi-lo a uma reserva para sua espécie. Nessas primeiras edições a série ainda se apresenta e exibe cores escuras e boas passagens de ação, tratando praticamente de sobrevivência e busca de identidade. Quem já leu mais (através de importados ou dos sites de scan da rede), sabe que tudo engrena a partir dessas primeiras revistas, ganhando contornos mais dramáticos. Vale a espera.


“O Inescrito”, por sua vez, já começa apoderando-se do leitor. Mike Carey e Peter Gross apresentam Tommy Taylor, um jovem que vive do sucesso do desaparecido pai, um escritor responsável por uma franquia de extremo sucesso com um jovem bruxo, onde o filho foi o molde para a criação. A história do jovem bruxo é uma alusão direta a Harry Potter, e rende algumas tiradas inspiradas, enquanto também é usada para uma crítica das adorações extremas da sociedade.

Viajando pelo universo da literatura e fazendo desse universo a afiada faca que corta a linha entre fantasia e realidade, “O Inescrito” é original dentro da prerrogativa a que se propõe. Com direito as fantásticas capas de Yuko Shimizu abrindo as edições, viajamos por um mundo onde até o falecido escritor inglês Rudyard Kipling (mais aqui) serve como alavanca para o desenvolvimento da trama. E entre todas essas citações, temos um dos grandes trabalhos dos quadrinhos da atualidade. 


P.S: “Sweet Tooth – Depois do Apocalipse” tem 132 páginas e custa R$ 15,90. Já “O Inescrito” tem 148 páginas e custa R$ 18,90. Ambas primeiras edições podem ser encontradas em bancas de revistas.

Site da Panini direcionado ao selo Vertigo: http://hotsitepanini.com.br/vertigo

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

"Astronauta Magnetar" - Danilo Beyruth

Em setembro de 2009, a Panini resolveu homenagear os 50 anos de carreira de Maurício de Sousa. A primeira tirinha dele foi publicada em 18 de julho de 1959 e a editora que trabalha com a Turma da Mônica nos últimos anos resolveu prestar um tributo a sua obra. Para tanto, chamou diversos artistas que participaram dos álbuns “MSP 50”, “MSP+50”, “MSP Novos 50” e “Ouro da Casa”. Dentre as criações de Maurício, o Astronauta foi um dos mais visitados. Nomes como Fábio Moon, Gabriel Bá e Renato Guedes fizeram suas versões do personagem lá em 2009.

A recepção de público e crítica foi tão boa que deu a origem a um selo chamado “Graphic MSP”, onde os personagens de Maurício de Sousa ganhariam versões em álbuns maiores, em histórias mais amplas, com um maior direcionamento também para o público adulto. O primeiro filho desse interessante projeto é “Astronauta Magnetar”, escrita e desenhada pelo paulista Danilo Beyruth (da premiada “Bando de Dois”), com cores de Cris Peter. O formato é grande (19x27,5cm) e conta com 82 páginas, incluindo textos explicativos e esboços de desenhos.

Na trama desenvolvida por Danilo Beyruth, o Astronauta aparece lidando de maneira conflituosa sobre a solidão a que se designou em troca das aventuras espaciais, em troca de conhecimento. Lembra-se do avô no começo e em determinado momento mais adiante vê amigos, família e a amada Ritinha refletidos na sua frente. A solidão, que sempre foi companheira nas histórias da Turma da Mônica, aqui aparece amplificada. Quando ele erra e bota a vida em risco na busca de estudar um fenômeno chamado magnetar, essa solidão chega com tudo.

No meio do nada (literalmente), o Astronauta precisa de toda força para não enlouquecer. É um náufrago em pleno espaço e para sair desta desconfortável e desesperada posição tem que usar seu intelecto e espírito aventureiro. Com a ajuda de cores fortes e proporcionando uma bela junção entre quadrinhos e roteiro, Danilo Beyruth coloca o leitor dentro do jogo, dentro do pequeno cosmo de angústia que o personagem está inserido. Drama e aventura andam lado e lado e mostram autoridade para agradar os leitores mais jovens, como também o público adulto.

Nota: 8,0

Site de Danilo Beyruth: http://evilking.net
Site de Maurício de Sousa: http://www.monica.com.br/mauricio-site

Matérias relacionadas no blog:

- “Bando de Dois” – Danilo Beyruth 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

"1974 - Red Riding" - David Peace


Edward Dunford é um jornalista policial do Condado de Yorkshire na Inglaterra nos anos 70. No final de 1974 consegue sua primeira grande cobertura, envolvendo um caso de assassinato entre irmãos, o que o leva a ficar conhecido na região e o faz prospectar um futuro melhor. Porém, nem tudo são flores e seu pai falece na mesma época e um caso brutal envolvendo a morte de uma garotinha que teve asas de cisne costuradas nas costas, bate a porta e mexe radicalmente com o possível futuro.

Lançado originalmente em 1999 no Reino Unido, o livro “1974 – Red Riding” é o primeiro de uma série de quatro que tratam sobre assassinatos impetuosos neste território inglês. Aqui no Brasil chega esse ano, através da Benvirá, um selo da Editora Saraiva. Com 448 páginas e tradução de Rodrigo Peixoto, é a partida inicial para entrar no universo imaginado pelo escritor David Peace, um universo onde palavras como perdão e cortesia fazem pouco sentido diante do poder do dinheiro.

Essa série já foi adaptada para o cinema em 2009, trazendo Andrew Garfield (o novo Homem Aranha) no papel do jornalista. No entanto, saiu aqui no Brasil direto em DVD e não causou praticamente emoção nenhuma. David Peace também escreveu “The Damned Utd” (ainda inédito por aqui), que narra as desventuras de Brian Clough à frente do outrora glorioso time de futebol Leeds United e que também virou filme com Michael Sheen no papel principal. E nesse caso específico, um bom filme.

Mas voltando ao livro em si, ele apresenta Edward Dunford dentro do contexto exposto no primeiro parágrafo e entre 13 de dezembro de 1974 e a véspera de natal daquele ano, o insere um dentro de um jogo de gato e rato, onde nada se apresenta gratuitamente e fica absolutamente fácil se perder na enormidade de interesses hostis e informações falsas. O jornalista está em um redemoinho composto por álcool, violência e sexo e nem mesmo percebe que está se afundando mais e mais.

Utilizando uma narrativa versátil e veloz, David Peace deixa o leitor confuso e desnorteado, tanto quanto o personagem principal. Tendo o Reino Unido dos anos 70 como pano de fundo - e aqui se entenda música (Elton John e David Bowie são referências constantes) e política - ele consegue se distanciar da vala meio comum dos romances policiais e apresenta algo que se por um lado não é extremamente novo, por outro apresenta muito vigor e nenhum pudor para expor as piores facetas da humanidade.

Nota: 7,5

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

"Silver Age" - Bob Mould - 2012


Bob Mould tem uma lista primorosa de serviços prestados a música. Desde o final dos anos 70 quando montou o Husker Dü, nunca deixou de produzir e gravar discos. No decorrer desse caminho, a primeira banda acabou, ele montou o Sugar que também acabou e então abraçou de vez a carreira individual. O seu rock agressivo, porém com fartas doses de melodia, influenciou um bocado de gente relevante dentro do cenário (como Kurt Cobain do Nirvana, por exemplo).

No entanto, fazia tempo que Bob Mould não lançava um trabalho realmente enérgico e com um nível de excelência espalhado completamente por todas as faixas. Talvez, isso não ocorresse desde “The Last Dog And Pony Show” de 1998. Isso muda com “Silver Age”, o décimo (ou décimo-primeiro, dependendo da visão) registro solo da carreira. Com apenas ele na guitarra, Jason Narducy no baixo e Jon Wurster na bateria, o resultado é potente e eficaz.

Essa, digamos assim, retomada da melhor forma, passa por alguns motivos que valem ser citados. Em 2011 ele participou do (ótimo) disco “Wasting Light” do Foo Fighters, cantando e tocando guitarra em “Dear Rosemary”. No mesmo ano recebeu uma bonita homenagem em show de nomes como Craig Finn (The Hold Steady) e durante 2012 saiu excursionando tocando o “Copper Blue” de 1992 do Sugar na íntegra, em comemoração aos 20 anos. Isso mexeu com a vontade.

“Silver Age” exibe 10 faixas em quase 40 minutos e trabalha nas letras temas como dúvidas sobre o caminho seguido e desesperança com o mundo a nossa volta, mas quase sempre ostenta no final um sentimento de ir em frente, de não baixar a cabeça. Isso acontece em faixas como “Star Machine” e a canção que dá nome ao trabalho, por exemplo. O pano de fundo sonoro disso tudo é um rock básico envolto ao punk e ao garage, com aquela conhecida proporção pop.

Algumas canções desse “Silver Age” são verdadeiras aulas. Tente escutar “The Descent” e “Briefest Moment” e não lembrar o Foo Fighters, ou “Angels Rearrange” e não remeter a bandas de punk-pop. Depois de álbuns bons mas não tão brilhantes assim (como os últimos “District Line” de 2008 e “Life And Times” de 2009), Bob Mould volta a grande forma e até canta nos versos finais da última faixa “First Time Joy”, um “aqui vamos nós de novo”. Que bom. A música agradece.

Nota: 8,5

Site oficial: http://bobmould.com

Textos relacionados no blog:
- Música: “District Line” (2008) – Bob Mould
- DVD: “BackAnd Forth” – Foo Fighters

Assista ao clipe de “The Descent”:

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

"A Máquina de Goldberg" - Vanessa Barbara e Fido Nesti


A vingança é um prato que se come frio, afirma o velho dito popular. Ao ler “A Máquina De Goldberg” é fácil lembrar-se dessa antiga frase. O álbum em quadrinhos é o primeiro de um novo projeto da editora Companhia das Letras, através do seu selo Quadrinhos na Cia., que é inteiramente dedicado à nona arte. Esse projeto visa reunir escritores e desenhistas relativamente novos. A estreia fica nas mãos da jornalista Vanessa Barbara (“O Livro Amarelo do Terminal”) e do ilustrador Fido Nesti (“Os Lusíadas” em quadrinhos).

O roteiro de Vanessa Barbara acompanha um menino gordinho, fã de punk rock e sem muito traquejo social na estadia em um acampamento de férias chamado carinhosamente de “Montanha Feliz”. Getúlio (o garoto em questão) não está muito a vontade com essa verdadeira missão, onde além de suportar todas as zombarias dos colegas de classe, também tem que lidar com a perseguição implacável do professor de educação física e responsável pelo acampamento, um ex-militar e ex-boxeador nada confiável.

Em meio a luta pessoal para “sobreviver”, Getúlio invade a casa do zelador do acampamento, um senhor estranho e calado de nome Leopoldo, que guarda alguns segredos. Entre esses segredos está a dedicação espartana em criar máquinas de Goldberg, assim conhecidas por transformarem rotinas banais (como abrir uma porta, por exemplo) em complicados sistemas de evolução. Esse tipo de projeto foi imaginado há mais ou menos uns cem anos atrás pelo cartunista e inventor estadunidense Rube Goldberg (daí o nome).

Para uma máquina de Goldberg ser realmente interessante, tem que conter as junções mais absurdas possíveis. Amostras disso nós podemos ver na abertura do seriado infantil “Castelo Rá-Tim-Bum” (vídeo aqui) ou mais recentemente em um comercial caprichado da Red Bull (vídeo aqui). No caso da obra em questão ela inclui dezenas de bugigangas se intercalando e serve não somente como uma grande personagem coadjuvante, como a via que proporcionará a vingança esperada por Leopoldo e, por conseguinte, Getúlio.

“A Máquina de Goldberg” trata sobre adequação e comportamento juvenil e traz a vingança para fazer parte como condutora das motivações. Com uma premissa inicial boa (apesar de comum), o trabalho se perde no meio do caminho e acaba não convencendo por completo. Isso ocorre principalmente devido à mistura (sem explicação aparente) na identidade dos personagens, variando características estrangeiras e nacionais, assim como pelas medianas soluções encontradas para elaborar o desfecho.  

Nota: 6,0

Leia um trecho no site da editora:



quinta-feira, 29 de novembro de 2012

"Delta Time" - Hans Theessink & Terry Evans - 2012


Hans Theessink nasceu na cidade de Enschede na Holanda. Já Terry Evans chegou ao mundo em Vicksburg no estado do Mississipi nos EUA. Ambos percorreram seus caminhos tendo a música - mas especificamente o blues - como sustento e força motriz. Foi essa música que em 2008 uniu os dois em um bonito disco chamado “Visions”. E foi essa mesma música que em 2012 reativou esse pacto para a gravação de mais um álbum, dessa vez intitulado “Delta Time”. Isso e a admiração por Ry Cooder.

Ry Cooder foi uma espécie de motivador para esse novo trabalho, ainda que indiretamente. Seus discos nos anos 70 serviram de inspiração básica, o que levou a dupla a convidá-lo para participar de “Delta Time” em três faixas. Terry Evans, que já havia trabalhado com Ry Cooder em alguns discos mais antigos, assiste novamente a classe dele destilada em acordes inspirados, como aqueles que elaboram o solo de slide em “Blue Stay Away From Me”, composição dos irmãos Delmore.

Primordialmente em formato acústico, o blues demonstrado por Theessink e Evans é forjado a partir de elementos da melhor safra do estilo. Com bandolins e banjos no meio dos violões, guitarras e harmônicas, a dupla principal ainda conta com o auxílio de Arnold McCuller e Willie Green Jr. nos vocais de fundo. Esses vocais, aliás, são tão importantes quanto os instrumentos em si. São vários os momentos em que se sobressaem, como em “Build Myself a Home” e a clássica “Honest I Do” de Jimmy Reed.

Das 13 canções que perfilam os poucos mais de 58 minutos do registro, algumas merecem um destaque especial, como a faixa-título (composição de Hans Theessink) e “The Birds And The Bees”, uma releitura para o primeiro sucesso de Terry Evans quando ainda fazia parte dos Turnarounds nos anos 60. Some-se também o petardo lamurioso e dramático de “Down In Mississippi” de J. B. Lenoir e a homenagem de mais de 10 minutos que “Mississipi” (mais uma composição do holandês) insere no final.

Com lançamento pela Blue Groove Records, “Delta Time” é um trabalho garboso e elegante, trazendo para os dias atuais um pouco da magia do velho blues, ainda envolto em nuances com tônicas acústicas. Hans Theessink com seu vocal forte e acentuado combina com requinte esse estilo com o jeito brando e mais espiritual de Terry Evans. O resultado é um disco que envolve o ouvinte na própria atmosfera e mostra que para a música não existem barreiras presunçosas como fronteiras, cores e raças.

Nota: 8,0

Site oficial de Hans Theessink: http://www.theessink.com
Site oficial de Terry Evans: http://www.terryevansmusic.com

Assista a uma bela execução de “Delta Time”, a música que dá nome ao disco:

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

"Completamente Idiota" - Tommy Jaud


O mundo está cheio de idiotas. Não tem para onde correr. Em alguma esquina de uma cidade qualquer você pode se deparar com um dos diversos tipos que existem. Longe de querer aqui enumerar tipos dessa criatura ou elaborar um estudo profundo sobre esse tema tão fundamental para a humanidade. Podemos apenas dizer que existem os idiotas realmente idiotas e aqueles que por algum distúrbio mental desconhecido pela ciência não param de fazer besteiras e tomar atitudes burras.

Usando esse tipo de “idiota do bem”, por assim dizer, o escritor e roteirista de tevê alemão Tommy Jaud lançou em 2004 o primeiro livro intitulado “Vollidiot”. Foi um êxito absoluto no seu país, vendeu mais de um milhão de cópias e virou um filme também de sucesso estrelado por um conhecido comediante nacional. Agora em 2012 a Editora Prumo resolveu lançar a obra em território brazuca com o título de “Completamente Idiota”, 240 páginas e tradução de Camila Werner.

O livro tem uma diretriz cômica declarada e usa um cara de quase 30 anos para servir de personagem principal. Simon Peters trabalha em uma loja de eletrônicos e celulares na cidade de Colônia e tem uns três ou quatro amigos dos quais não gosta muito. Além disso, não goza de muito prestígio com as mulheres. “Completamente Idiota” pega esse personagem em um momento de “crise”, digamos. Um momento onde todas as cagadas que sempre fez na vida se elevam a potência máxima e passam a provocar danos.

Durante o decorrer das páginas, Simon Peters vai aumentando gradativamente, degrau por degrau, a reputação de babaca. Corre atrás da namorada do melhor amigo, faz estripulias com o cartão de crédito do outro, joga cerveja em uma garota no show em que a convidou, invade uma casa para salvar uma burrada que fez no trabalho e em um jogo de futebol faz comentários desajustados (entre outras coisas) para o treinador do Schalke 04 em pleno camarote vip, no qual estava como convidado.

“Completamente Idiota” é um livro que tem bons momentos, apesar de parte das piadas ficarem um pouco deslocadas por causa da data original de publicação e o lançamento por aqui. Tommy Jaud não tem como objetivo tratar superficialmente de nenhum problema embutido no humor que exerce. Busca apenas divertir e consegue isso de modo razoável. Seu humor não é nada que já não foi visto antes, mas serve para tirar alguns sorrisos despretensiosos que serão esquecidos logo em seguida.

Nota: 5,0

Site oficial do autor: http://www.tommyjaud.de   

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

"New Multitudes" - Jay Farrar, Will Johnson, Anders Parker & Yim Yames - 2012


Em 1998, o cantor e compositor inglês Billy Bragg se juntava aos americanos do Wilco para lançar o álbum “Mermaid Avenue”. O registro (excelente, diga-se de passagem) ganhou um segundo volume em 2000 e foi elaborado em cima de letras não musicadas do cantor folk Woody Guthrie, falecido no dia 3 de outubro de 1967. Guthrie se tornou um ícone nos EUA e sua música e postura política influenciaram nomes do porte de Bob Dylan, Bruce Springsteen e Joe Strummer (The Clash).

Porém, antes do projeto ser oferecido a Billy Bragg, foi feito o mesmo convite para Jay Farrar e o seu Son Volt. É bom lembrar que Jay Farrar e Jeff Tweedy do Wilco faziam parte da mesma banda, a ótima Uncle Tupelo, que durou até 1994. Depois do fim é que seus atuais grupos tiveram início. O projeto “Mermaid Avenue” foi um sucesso (e ganha até reedição caprichada esse ano, com mais um disco), então quando Jay Farrar teve novamente a chance de visitar o baú do ídolo, dessa vez não vacilou.

Convidado por Nora Lee Guthrie, filha de Woody e irmã do também cantor e compositor Arlo Guthrie, Jay Farrar se pôs a fuçar os arquivos para organizar esse projeto, com o intuito de comemorar o centenário de nascimento do homenageado. Assim começou a nascer o álbum “New Multitudes”, lançado pela Rounder Records no começo do ano e feito em parceira com os velhos amigos Will Johnson (Centro-matic), Anders Parker (Varnaline e Gob Iron) e Yim Yames (My Morning Jacket e Monsters Of Folk).

“New Multitudes” oferece 12 canções na sua versão comum (existe também a deluxe, com outro disco), forjadas tanto individualmente quanto em conjunto pelos envolvidos. O material utilizado para servir de inspiração foi de cadernos até revistas, desenhos e pinturas. Com produção de John Agnello (Sonic Youth, Dinosaur Jr.), temos um álbum que trilha estradas bem distantes do que poderia ser oportunismo e se consolida além da homenagem como um registro particular e independente.

Jay Farrar abre com “Hoping Machine”, uma canção sobre ser convicto e forte nos seus desejos e que tem o belo verso: “a música é a linguagem da mente que viaja”. Em “My Revolutionary Mind”, Jim James evoca os protestos de Guthrie e correlaciona isso com o desejo por uma “mulher progressista”. “No Fear” traz Will Johnson cantando sobre medo e morte, enquanto “Angel’s Blues” vem pesada, com guitarras densas e Anders Parker misturando saudade, orgulho e promessas.

O segundo disco que aparece na versão deluxe mostra 11 composições, dessa vez somente de Jay Farrar e Anders Parker, e mantém o nível elevado, se mostrando tão obrigatório quanto o primeiro. Nele, os temas explorados vão de guerra nuclear em “Word’s On Fire” até prostituição em “San Antone Meat House”. A sonoridade das faixas habita o mesmo universo explorado pelos criadores, indo do folk ao alt-country, com um pé no blues e no rock e sem medo de soar pop aqui ou acolá.

“New Multitudes” é o tipo de álbum que prende a atenção do ouvinte por completo. Seja pelo encanto das melodias ou pelas letras bem construídas. Uma elegante homenagem a Woody Guthrie que está no mesmo nível da já citada série “Mermaid Avenue”, só que com lados um pouco mais escuros. Com isso, o legado fundamental daquele que dizia que seu violão era “uma máquina de matar fascistas”, se prolonga e também se amplia para novos públicos, novas terras prometidas, novas multidões.

Nota: 9,5


Assista “Careless Reckless Love” executada ao vivo no estúdio:

terça-feira, 6 de novembro de 2012

"Tatá Aeroplano" - Tatá Aeroplano - 2012


Existem determinados momentos da vida em que se faz necessário caminhar por fora daquelas ruas que estamos habituados a seguir. Essa mudança pode significar tanto um ensaio para andar realmente por novos caminhos, quanto simplesmente um flerte com algo diferente, uma leve aliviada da vida casual preenchida com outros aromas e cores. Esse momento chegou para o inquieto Tatá Aeroplano, que desde 2004 junto com a banda Cérebro Eletrônico fez parte de pelo menos dois álbuns interessantíssimos.

Tatá é uma das cabeças por trás da nova cena paulistana ao lado de nomes como Tulipa Ruiz, Tiê, Bárbara Eugênia, Leo Cavalcanti e Thiago Petit, entre outros. Também toca projetos diversos como o dançante Jumbo Elektro ou ataca de disc jockey pelas noites da cidade. A cidade de São Paulo, aliás, é uma das mais fortes presenças nessa estreia solo de nome homônimo. Ela está retratada em diversos versos nos seus exageros e idiossincrasias, naquilo que consegue provocar para o bem e para o mal.

Financiado em boa parte através do processo de crowfunding (via Embolacha), o álbum traz canções antigas e novas, sendo que algumas ganharam seu primeiro esboço nos idos de 2008, por exemplo. Produzido pela dupla Dustan Gallas e Junior Boca, o registro ostenta uma sonoridade mais simples, com guitarra, baixo, bateria e teclado fazendo poucas invencionices e renegando quaisquer modernidades. Essa sonoridade traz o rock dos anos 70 flertando com vários estilos, entre eles o brega da mesma época.

Essa junção coloca no jogo uma participação muito particular de teclados comuns e mellotron, dando um ar retrô e dramático nas músicas. Já logo na abertura em “Sartriana” (com participação de Leo Cavalcanti), Tatá expõe uma letra baseada em falsidade, ao mesmo tempo em que insere no contexto drogas e admiração pelo filosófo francês Jean-Paul Sartre. A balada “Um Tempo Pra Nós Dois” é outra amplificada pelo drama, desconfortável em um relacionamento desgastado que vai embora pouco a pouco.

Esse tom triste e por vezes trágico, também aparece na bonita “Uma Janela Aberta” (com vocal dividido com Bárbara Eugênia), expondo uma saudade do mundo, de si mesmo e daquilo que se foi anteriormente. “Te Desejo...Mas Te Refuto” tem como foco arrependimento, culpas e orgulho, mas mantém a mesma intensidade consternada. Assim como “Cão Sem Dono”, inspirada no filme de mesmo nome do Beto Brant (que por sua vez é adaptado de um livro do Daniel Galera), que é outra com esse ar desesperado.

O álbum ainda tem a circense tropicália de “Perigas Correr” e a lisergia crítica de “Tudo Parado na City”, porém o melhor fica com os 10 minutos de “Par de Tapas que Doeu em Mim”, uma odisseia noturna embalada como um brega dos anos 70 com guitarras embutidas. Um caso complicado, com bebida, porrada e sexo com uma mulher conquistada na famosa Rua Augusta “em meio as freaks da night”, que serve para ratificar o talento de Tatá Aeroplano e mostrar que a carreira solo tem gás de sobra para ir mais longe.

Nota: 8,5

Site oficial onde o disco está disponível gratuitamente para download: http://www.tataaeroplano.com/site

Textos relacionados no blog:
- Literatura: “Até o Dia em que o CãoMorreu” – Daniel Galera
- Música: “Pareço Moderno (2008)” – Cerébro Eletrônico

Assista “Par de Tapas que Doeu em Mim” ao vivo no estúdio Showlivre:

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

"007 - Operação Skyfall" - 2012


O ano era 1962 e estreava nos cinemas “007 Contra o Satânico Dr. No”, com Sean Connery no papel do agente britânico idealizado por Ian Fleming nos livros. De lá para cá, nos 50 anos que passaram, a franquia de espionagem mais charmosa do planeta gerou 22 filmes, com direito a 6 atores usando as vestes do personagem. Em 2012, “007 – Operação Skyfall” chega com a missão de comemorar o cinquentenário dessa história, como também afirmar de vez alguns nomes e moldar os caminhos para o futuro.

Um desses nomes que precisam de afirmação é Daniel Craig. Sua passagem como 007 desembarca agora no terceiro filme, sendo que nos anteriores ele ainda não havia convencido plenamente como James Bond, apesar dos números de bilheteria apontarem outra análise. O diretor Sam Mendes, vencedor do Oscar por “Beleza Americana” em 1999, é outro que ganha uma chance de aparecer novamente, além da MGM, empresa que detém os direitos e que passou por um processo de falência recentemente.

“007 – Operação Skyfall” abre com uma sequência matadora de ação (e que remete muito ao recente “O Legado Bourne” do diretor Tony Gilroy), que culmina em Bond atingido por um tiro equivocado da sua companheira de MI6, Eve (Naomi Harris). Logo em seguida, o agente secreto é dado como morto e o filme nos leva até ele em uma ilha bebendo tudo o que é possível, enquanto sucumbe à própria preguiça e desgosto. Até que ele vê na televisão que o antigo órgão onde trabalhava sofreu um atentado.

Com a vida de M (Judi Dench, sempre excelente) em jogo, o 007 não vê outra saída senão voltar e resolver tudo. Dobra-se ao chamado quase inevitável de bancar o herói novamente. Para achar o responsável por trás do ataque, Bond precisa se sujeitar a uma série de testes físicos e psicológicos para mostrar que ainda está apto para a missão, principalmente aos olhos do novo chefão da agência, Gareth Mallory (Ralph Fiennes). Essa necessidade de se mostrar útil ainda, vira na verdade, a sua grande motivação.

É nesse momento que “007 – Operação Skyfall” apresenta todas as apostas. Mantendo a opção em fazer filmes cada vez mais realistas, insere um vilão (Javier Bardem) que não quer destruir o mundo, mas apenas saciar desejos de enriquecer e de conseguir vingança. O Q (espécie de cientista maluco do bem) do MI6 agora é um nerd com paixão por computadores (Ben Whishaw) e não inventa engenhocas mirabolantes. E para dar um último realce, envolve um dramalhão sobre carências maternas e traições de confiança.

O diretor Sam Mendes, apoiado no roteiro de John Logan, brinca de modo constante com o presente e o passado na tentativa de deixar as coisas mais viáveis. No entanto, parece esquecer que nos filmes do agente, a figura principal sempre tem que ser Bond. Daniel Craig, mesmo melhorando desde a estreia em “Casino Royale”, ainda não demonstra o charme, o humor e a vaidade que cunharam a marca 007. Assim, o filme é um prato vistoso e elaborado com bons ingredientes, mas ainda insípido ao paladar.

P.S: A música tema é da Adele. Ouça aqui.

Nota: 5,5

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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

"Cama" - David Whitehouse


Nascer e crescer. Ser um bom menino, estudar para conseguir boas notas, entrar na universidade, se formar, arrumar um emprego, casar, comprar um carro e uma casa, ter filhos, trabalhar para sustentar a família, ver os filhos crescerem e lhe ofertarem netos, ter uma aposentadoria tranquila e depois de tudo, morrer e tentar - depois desse percurso exaustivo - deixar alguma marca no mundo. Com algumas variações, esse é o roteiro básico prometido e almejado por um inúmero contingente de pessoas.

Não para Malcom Ede, o personagem principal do livro “Cama”, a estreia do inglês David Whitehouse. Lançado na gringa no ano passado chega ao país por culpa da Editora Rocco, com 256 páginas e tradução de Ryta Vinagre. O autor, agora com 31 anos, antes da estreia escreveu artigos para publicações diversas como The Observer e Esquire, e provocou uma razoável expectativa para o primeiro trabalho. Expectativa que se provou frustrada, embora os conceitos iniciais apontassem para o lado oposto.

“Cama” gira em torno de uma família basicamente comum em uma analisada breve e ligeira. Um casal com dois filhos e poucos anos de diferença entre si. Porém, no fundo disso, está um pai que carrega uma culpa consigo e uma mãe protetora ao extremo, que atende a todos os desejos dos filhos, pois é a única maneira que compreende o amor. Os filhos, bem diferentes entre si, vivem uma troca constante de amor é ódio, principalmente do mais novo em relação ao primogênito, que é esperto, mas cheio de manias.

Durante a infância esse irmão mais velho coloca a família em saias justas muitas vezes, mas acaba seguindo parcialmente o roteiro descrito no primeiro parágrafo e arruma uma mulher e sai de casa para construir um novo lar apoiado em um emprego comum qualquer. Isso não o faz tão feliz como deveria e ele vive criticando o sentido das suas ações, até que em um dia aparentemente normal resolve não sair mais da cama e estica isso por 20 anos até chegar aos 600 quilos. É nesse ponto que o romance se inicia.

O autor alterna presente e passado, e concentra o foco nos motivos que levaram Malcom Ede a tomar sua decisão e o efeito que isso faz com as pessoas ao redor. David Whitehouse tenta tratar o tema na linha do fantástico e força uma carga de ironia e humor negro que quase nunca acerta o alvo. Com uma narrativa atrapalhada por um nível elevadíssimo de comparações e analogias para justificar as ações dos personagens, acaba travando as boas ideias e as faz habitar imediatamente na casa da chatice e da monotonia.

Nota: 4,5

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

"Cosmópolis" - 2012


Em mais de 40 anos trabalhando com cinema, o canadense David Cronenberg quase que sempre objetivou repassar algum tipo de incômodo ao espectador. Esse desejo está lá nos seus filmes dos anos 80 como “Videodrome – A Síndrome do Vídeo” de 1983, “A Mosca” de 1986, ou o perturbador “Gêmeos - Mórbida Semelhança” de 1988. Isso foi se transformando com o tempo e ganhando outras cores como atestam os recentes “Marcas da Violência” de 2005 e “Senhores do Crime” de 2007. Porém, o desejo está lá, presente.

Em “Cosmópolis”, o mais recente trabalho de Cronenberg, essa opção em inquietar a quem assiste ao filme não poderia ficar de fora, e ganha contornos mais acentuados do que nos últimos longas. Baseado em livro homônimo lançado em 2003 por Don DeLillo (com roteiro adaptado pelo próprio diretor), vemos as preferências da carreira saltarem à vista, como a violência (embutida aqui mais em palavras), a preocupação constante com as expressões dos atores e aquele sentimento de angústia presente no ar.

A história em si não chega a ser difícil. Em um dia ruim, Eric Michael Packer (Robert Pattinson de “Crepúsculo”) vê a sua fortuna sumir pouco a pouco. Ele é jovem, de boa aparência, rico e executivo maior de um conglomerado bilionário. Mas também é paranoico, repleto de obsessões e preso a um casamento por conveniência financeira, do qual tenta de modo infrutífero fazer parte. Em um mundo onde até a palavra computador já soa antiga, busca algum alívio na arte de pintores como Mark Rothko.

Para lidar com esse dia perverso, Eric Packer se tranca em uma limousine branca com seguranças de suporte e busca atravessar a cidade para cortar o cabelo. Dentro desse “mundo próprio” que é o carro, ele recebe parceiros de negócios para reuniões, faz sexo e tem atendimento de rotina por um médico, sem perder a concentração. Em uma passagem chave do longa, mesmo passando por um exame de próstata à moda antiga, ele mal muda a expressão e continua conversando sobre a derrocada da fortuna.

Para interpretar os demais personagens que enxertam a trama, Cronenberg utiliza atores de categoria como Paul Giamatti, Juliette Binoche e Patton Oswald. Isso ajuda para tirar o foco um pouco de Robert Pattinson, que apesar de fazer um trabalho até bom, fica distante da intensidade que se almejaria em um primeiro momento para o papel. É bom ressaltar que o ator da saga juvenil vampiresca não era a escolha inicial, que recaia sobre Colin Farrell, descartado por estar envolvido em “O Vingador do Futuro”.

Em “Cosmópolis”, David Cronenberg exibe uma ótima forma. Todos os detalhes são inseridos milimetricamente. Da expressão de apatia dos figurantes no fundo aos detalhes das faixas dos protestantes no meio da cidade, tudo indica uma razão de ser, de existir. Com a câmera focada na maior parte do tempo nos rostos dos atores e repleto de analogias e alegorias por todos os lados, elabora uma narrativa incisiva sobre a sociedade, o capitalismo em termos gerais e o modo de vida pessoal e tão individualista dos nossos tempos.

Nota: 8,5

Assista ao trailer legendado:

domingo, 28 de outubro de 2012

"O Exótico Hotel Marigold" - 2011


A vida passou e deixou para trás uma série de casos mal resolvidos, frustrações e arrependimentos. Ou então, essa vida passou com tanta alegria e entusiasmo que os dias atuais já não correspondem aquilo que se acostumou em outros tempos. De uma forma ou de outra, são esses dois lados que impulsionam sete idosos ingleses a irem para uma viagem com destino a um hotel na Índia, com o intuito de aproveitar a aposentadoria, curar-se de algum mal ou simplesmente perceber que ainda se está vivo.

“O Exótico Hotel Marigold”, filme de 2011 que está disponível em DVD no país, trata justamente disso. De uma viúva que dedicou praticamente todas as energias ao casamento até um juiz aposentado que carrega dentro de si uma imensa sensação de culpa, esses sete idosos rumam na direção das cores, barulhos e odores da Índia procurando um algo mais, nem que esse algo mais seja um simples alívio. E é entre solidão, tédio e desejo que esses estranhos tentam redescobrir novamente as alegrias perdidas.

Dirigido por John Madden (de “Shakespeare Apaixonado)”, o filme é baseado no livro “These Foolish Things” de Deborah Moggach, aqui adaptado pelo roteirista inglês Oliver Parker. No elenco, nomes de talento mais que comprovado como Judi Dench (“Notas Sobre um Escândalo”), Bill Nighy (“Simplesmente Amor”) e Tom Wilkinson (“Entre Quatro Paredes”), além de promessas como Dev Patel (“Quem Quer Ser Um Milionário?”) que interpreta o sonhador e atrapalhado dono do hotel que dá nome ao longa.

Ao chegar à Índia, os sete viajantes se deparam logo com um choque de cultura e tradições. Quando chegam ao hotel - que pela internet conquistou a todos com seus aposentos maravilhosos – vem o choque, pois o mesmo é decadente e com sérios problemas de infraestrutura. Essa colisão de expectativas é a deixa para guiar os bons diálogos e a irreverência que assume o controle na maior parte do tempo, esbarrando de leve na questão de identidade cultural (aqui pungente por se tratar de Inglaterra e Índia).

“O Exótico Hotel Marigold” é um filme agradável, com destaque para as atuações individuais e conduzido de modo tranquilo pela direção. Mesmo parecendo piegas em alguns momentos, não deixa de exibir um pequeno charme lá no fundo. Os personagens que ostentam uma idade avançada estão acima de tudo preocupados em se mostrar vivos, com medo de parecer obsoletos perante o mundo. À sua maneira, fazem pensar em como conduzimos nossas vidas e o que estamos fazendo nesse trajeto rumo ao nosso destino final.

Nota: 8,0

Assista ao trailer legendado:

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

“Bourbon Street – Os Fantasmas de Cornelius” - Philippe Charlot e Alexis Chabert


O ano é 1997. A cidade é Nova Orleans no estado da Louisiana nos EUA. Em meio à mítica Rua Bourbon Street está Alvin, um guitarrista de jazz já com idade avançada que teve uma vida sossegada e caminha a passos largos para a aposentadoria. Ele é o típico do senhor que não pode reclamar da vida boa e tranquila que teve, porém essa vida foi aquém das expectativas da juventude e nunca lhe levou aos patamares maiores do panteão da música.

Estiloso, com terno de blazer riscado e ostentando um bigodinho maroto, Alvin praticamente já se conformou com o destino que se aproxima, quando tudo muda ao ver estampado no jornal uma matéria sobre o sucesso dos cubanos do Buena Vista Social Club, que tardiamente chegam ao sucesso e ao reconhecimento mundial. Uma faísca que acende o fogo adormecido da mocidade e o faz instigar os velhos comparsas a tocarem novamente.

Para botar mais fogo ainda nesse pensamento, encontra um antigo trompete de um velho amigo sumido há 50 anos. Cornelius era um extraordinário músico, com uma carreira brilhante pela frente, até que desapareceu sem deixar vestígios, para tristeza e melancolia do amigo. Com o surgimento do trompete e de novas informações, a trupe de Alvin se coloca a procura do majestoso trompetista que representará um plus para que a marcha obtenha sucesso.

Esse é o mote de “Bourbon Street – Os Fantasmas de Cornelius”, álbum em quadrinhos que a editora 8INVERSO Graphics lançou este ano no país. A obra tem 56 páginas, com roteiro de Philippe Charlot (o primeiro trabalho dele na área), desenhos de Alexis Chabert e cores de Sébastien Bouet. Lançado originalmente em 2011 na França, ganhou um tratamento majestoso por aqui com capa dura, formato grande (28cm x 21cm) e extras de criação no final.

Com prefácio do escritor (e amante declarado de jazz) Luís Fernando Veríssimo, o álbum é um deleite do início ao fim. Tanto pela história da jornada musical de Alvin, quanto pela esplendorosa arte e cores que ostenta. Quem guia e narra a trama é ninguém mais, ninguém menos, que o “Pops”, o grande Louis Armstrong, aqui convertido em um fantasminha camarada (mas nem tanto assim) que volta para ajudar esse bando 26 anos depois da sua morte.

“Bourbon Street – Os Fantasmas de Cornelius” trata paralelamente de racismo, culpa, conformismo e o envelhecimento dos sonhos. Tendo o jazz como coadjuvante ativo encanta não somente aos amantes do estilo, mas estende-se aos apaixonados por música. A busca de Alvin por Cornelius e, por conseguinte, pela juventude perdida, esbarra em uma bonita frase do compositor George Gershwin que diz: “De certo modo, a vida é como o jazz. É melhor quando se improvisa”.

P.S:  O álbum representa apenas a primeira parte. A segunda tinha lançamento previsto na França para o segundo semestre desse ano e, se assim ocorrer, deve desembarcar por aqui em 2013.

Nota: 9,5

Textos relacionados no blog:
- Literatura: “Pops- A Vida deLouis Armstrong” – Terry Teachout

Aqui tem um pequeno trecho que a editora 8INVERSO disponibilizou no seu site: 
http://www.8inverso.com.br/livros2/8inverso-graphics/bourbon-street-os-fantasmas-de-cornelius/