Mais um ano chega ao fim e deixa
para trás bons momentos para a cultura em geral. Tivemos ótimos trabalhos na
música, cinema, literatura, quadrinhos e até mesmo na televisão. Que no ano que
bate na porta esperando para entrar, isso aconteça em uma quantidade maior,
afinal coisas boas são sempre bem vindas.
Que esse último dia sirva para
repensarmos a vida, as nossas atitudes e o caminho que optamos em trilhar. Que
as estradas que ainda vamos pavimentar pela frente estejam repletas de
realizações e alegrias e que ao construir essas novas estradas, nunca nos
esqueçamos do compromisso único de fazer desse mundo um lugar melhor para as
gerações futuras. Isso é fundamental.
Em 2012, apesar de uma quantidade
bem menor de textos (não deu para escrever tanto quanto eu queria), o Coisapop continuou
crescendo no que tange a quantidade de acessos. O que se convencionou como uma
regra desde que foi criado em 2005. Por isso o meu muito obrigado a todos que
passaram aqui, concordando ou não com o teor dos textos. Um abraço virtual em
todos os leitores, amigos e colaboradores que fazem com que isso seja levado em
frente dia a dia.
Que nesse novo ano possamos
honrar nossos sonhos e ideias como eles merecem.
Final de ano. Uma ótima época para
viajar com a família com o intuito de relaxar e aplacar um pouco a falta de
atenção cometida durante o restante do ano devido ao trabalho, as coisas da
vida em geral. Imagine só então ir para um lugar paradisíaco, repleto de
belezas naturais. Um sonho, não é? Foi isso que pensou uma (entre tantas
outras) família espanhola ao embarcar para as festas de 2004 com destino à costa
da Ásia. E devido a um tsunami de proporções gigantescas, esse sonho virou um
pesadelo.
É baseado nessa história real que
o diretor espanhol Juan Antonio Bayona (do esquecível “O Orfanato”) criou seu
novo filme “O Impossível”, que
estreia por aqui agora no final de 2012. Sem apelar para milhares de efeitos
especiais da catástrofe (apesar desses efeitos existirem), a trama tem como o
foco a briga para escapar da imensidão de água que constantemente arremessa
tudo e todos, para em um segundo momento se preocupar com o reflexo do desastre
que separa famílias e produz corpos.
Para interpretar a família
(convertida em britânica), outro acerto. O casal ficou com Ewan McGregor (“Trainspotting”)
e Naomi Watts (“21 Gramas”), e os dois que já haviam trabalhado juntos no
mediano “A Passagem” do diretor Marc Foster de 2005, aqui vão bem além e
conseguem brilhar, principalmente a atriz inglesa. Os três filhos do casal
também tem boas atuações, a saber: Tom Holland como Lucas, Samuel Joslin como
Thomas e Oaklee Pendergast como Simon. Fragilidade e coragem na dose certa.
O roteiro de Sergio G. Sánchez
(parceiro de Bayona em “O Orfanato”) tem essa habilidade de alternar a
calamidade de maneira mais ampla com o sofrimento particular da família. Isso
sem poupar o espectador de mostrar os graves ferimentos e toda a sujeira
imposta pela lama e sangue. O roteiro também encontra tempo para adicionar
outros personagens, como Karl (Sönke Möhring de “Bastardos Inglórios”), que em
poucos minutos na tela consegue passar uma carga forte de dor e esperança.
“O Impossível” até apresenta algumas questões para espectadores
mais ranzinzas discutirem, como colocar o foco em uma família europeia ao invés
de moradores da região, ou a solução final com o tratamento médico envolvido,
porém, nada disso tira a forte carga de emoção que o longa transpira a cada
minuto e muito menos as atuações convincentes do elenco, que vive ali naquele
momento o drama que milhares sofreram e que deixou mais de 200 mil mortes no
rastro de destruição que a natureza impôs.
Desde que a Editora Panini
assumiu a publicação das linhas da DC e da Marvel no Brasil, é inegável o bom
trabalho que vem sendo feito. Há de se discordar de alguns pontos como o tempo
de atraso ainda vigente nas publicações maiores, ou a equivocada junção de
títulos para formar o mix das revistas, resultando às vezes em boas séries
esquecidas. No entanto, isso são detalhes dentro de um todo. No geral, o
trabalho é bem realizado e cada vez está mais amplo.
O selo Vertigo da DC é um dos que
vem recebendo os melhores cuidados e a prova disso são dois recentes
lançamentos inéditos por aqui. O primeiro é “Sweet Tooth – Depois do Apocalipse” de Jeff Lemire, e o segundo é “O Inescrito” de Mike Carey e Peter
Gross. Os dois encadernados apresentam as cinco primeiras edições de cada,
originalmente publicadas no decorrer de 2009 inicialmente. “O Inescrito” ainda ganha alguns textos e mais extras de esboços
como bônus.
O primeiro volume de “Sweet Tooth” é “Saindo da Mata”. Nele,
Jeff Lemire conta a história de uma terra sofrida, após quase todos os humanos serem
extintos devido a uma infecção generalizada. As crianças que agora nascem no
planeta são híbridos de humanos e animais. O foco está no jovem Gus (que
carrega traços de cervo na anatomia), que depois de ver o pai falecer começa a
ser caçado, pois a espécie dele é altamente valorizada nesse mundo novo. É
quando entra o velho Jepperd.
Jepperd é um homem forte, que por
razões bem próprias, resolve salvaguardar a vida de Gus e conduzi-lo a uma
reserva para sua espécie. Nessas primeiras edições a série ainda se apresenta e
exibe cores escuras e boas passagens de ação, tratando praticamente de
sobrevivência e busca de identidade. Quem já leu mais (através de importados ou
dos sites de scan da rede), sabe que tudo engrena a partir dessas primeiras
revistas, ganhando contornos mais dramáticos. Vale a espera.
“O Inescrito”, por sua vez, já começa apoderando-se do leitor. Mike
Carey e Peter Gross apresentam Tommy Taylor, um jovem que vive do sucesso do
desaparecido pai, um escritor responsável por uma franquia de extremo sucesso com
um jovem bruxo, onde o filho foi o molde para a criação. A história do jovem
bruxo é uma alusão direta a Harry Potter, e rende algumas tiradas inspiradas,
enquanto também é usada para uma crítica das adorações extremas da sociedade.
Viajando pelo universo da
literatura e fazendo desse universo a afiada faca que corta a linha entre
fantasia e realidade, “O Inescrito”
é original dentro da prerrogativa a que se propõe. Com direito as fantásticas
capas de Yuko Shimizu abrindo as edições, viajamos por um mundo onde até o falecido
escritor inglês Rudyard Kipling (mais aqui) serve como alavanca para o
desenvolvimento da trama. E entre todas essas citações, temos um dos grandes
trabalhos dos quadrinhos da atualidade.
P.S:“Sweet Tooth –
Depois do Apocalipse” tem 132 páginas e custa R$ 15,90. Já “O Inescrito” tem 148 páginas e custa
R$ 18,90. Ambas primeiras edições podem ser encontradas em bancas de revistas.
Em setembro de 2009, a Panini
resolveu homenagear os 50 anos de carreira de Maurício de Sousa. A primeira
tirinha dele foi publicada em 18 de julho de 1959 e a editora que trabalha com
a Turma da Mônica nos últimos anos resolveu prestar um tributo a sua obra. Para
tanto, chamou diversos artistas que participaram dos álbuns “MSP 50”, “MSP+50”,
“MSP Novos 50” e “Ouro da Casa”. Dentre as criações de Maurício, o Astronauta
foi um dos mais visitados. Nomes como Fábio Moon, Gabriel Bá e Renato Guedes
fizeram suas versões do personagem lá em 2009.
A recepção de público e crítica
foi tão boa que deu a origem a um selo chamado “Graphic MSP”, onde os
personagens de Maurício de Sousa ganhariam versões em álbuns maiores, em
histórias mais amplas, com um maior direcionamento também para o público
adulto. O primeiro filho desse interessante projeto é “Astronauta Magnetar”, escrita e desenhada pelo paulista Danilo
Beyruth (da premiada “Bando de Dois”), com cores de Cris Peter. O formato é
grande (19x27,5cm) e conta com 82 páginas, incluindo textos explicativos e
esboços de desenhos.
Na trama desenvolvida por Danilo
Beyruth, o Astronauta aparece lidando de maneira conflituosa sobre a solidão a
que se designou em troca das aventuras espaciais, em troca de conhecimento. Lembra-se
do avô no começo e em determinado momento mais adiante vê amigos, família e a
amada Ritinha refletidos na sua frente. A solidão, que sempre foi companheira
nas histórias da Turma da Mônica, aqui aparece amplificada. Quando ele erra e
bota a vida em risco na busca de estudar um fenômeno chamado magnetar, essa
solidão chega com tudo.
No meio do nada (literalmente), o
Astronauta precisa de toda força para não enlouquecer. É um náufrago em pleno
espaço e para sair desta desconfortável e desesperada posição tem que usar seu
intelecto e espírito aventureiro. Com a ajuda de cores fortes e proporcionando
uma bela junção entre quadrinhos e roteiro, Danilo Beyruth coloca o leitor
dentro do jogo, dentro do pequeno cosmo de angústia que o personagem está
inserido. Drama e aventura andam lado e lado e mostram autoridade para agradar os
leitores mais jovens, como também o público adulto.
Edward Dunford é um jornalista
policial do Condado de Yorkshire na Inglaterra nos anos 70. No final de 1974
consegue sua primeira grande cobertura, envolvendo um caso de assassinato entre
irmãos, o que o leva a ficar conhecido na região e o faz prospectar um futuro
melhor. Porém, nem tudo são flores e seu pai falece na mesma época e um caso
brutal envolvendo a morte de uma garotinha que teve asas de cisne costuradas nas
costas, bate a porta e mexe radicalmente com o possível futuro.
Lançado originalmente em 1999 no
Reino Unido, o livro “1974 – Red Riding”
é o primeiro de uma série de quatro que tratam sobre assassinatos impetuosos
neste território inglês. Aqui no Brasil chega esse ano, através da Benvirá, um
selo da Editora Saraiva. Com 448 páginas e tradução de Rodrigo Peixoto, é a
partida inicial para entrar no universo imaginado pelo escritor David Peace, um
universo onde palavras como perdão e cortesia fazem pouco sentido diante do
poder do dinheiro.
Essa série já foi adaptada para o
cinema em 2009, trazendo Andrew Garfield (o novo Homem Aranha) no papel do
jornalista. No entanto, saiu aqui no Brasil direto em DVD e não causou praticamente
emoção nenhuma. David Peace também escreveu “The Damned Utd” (ainda inédito por
aqui), que narra as desventuras de Brian Clough à frente do outrora glorioso
time de futebol Leeds United e que também virou filme com Michael Sheen no
papel principal. E nesse caso específico, um bom filme.
Mas voltando ao livro em si, ele
apresenta Edward Dunford dentro do contexto exposto no primeiro parágrafo e
entre 13 de dezembro de 1974 e a véspera de natal daquele ano, o insere um
dentro de um jogo de gato e rato, onde nada se apresenta gratuitamente e fica
absolutamente fácil se perder na enormidade de interesses hostis e informações
falsas. O jornalista está em um redemoinho composto por álcool, violência e
sexo e nem mesmo percebe que está se afundando mais e mais.
Utilizando uma narrativa versátil
e veloz, David Peace deixa o leitor confuso e desnorteado, tanto quanto o personagem
principal. Tendo o Reino Unido dos anos 70 como pano de fundo - e aqui se
entenda música (Elton John e David Bowie são referências constantes) e política
- ele consegue se distanciar da vala meio comum dos romances policiais e
apresenta algo que se por um lado não é extremamente novo, por outro apresenta muito
vigor e nenhum pudor para expor as piores facetas da humanidade.
Bob Mould tem uma lista primorosa
de serviços prestados a música. Desde o final dos anos 70 quando montou o
Husker Dü, nunca deixou de produzir e gravar discos. No decorrer desse caminho,
a primeira banda acabou, ele montou o Sugar que também acabou e então abraçou
de vez a carreira individual. O seu rock agressivo, porém com fartas doses de melodia,
influenciou um bocado de gente relevante dentro do cenário (como Kurt Cobain do
Nirvana, por exemplo).
No entanto, fazia tempo que Bob
Mould não lançava um trabalho realmente enérgico e com um nível de excelência
espalhado completamente por todas as faixas. Talvez, isso não ocorresse desde “The
Last Dog And Pony Show” de 1998. Isso muda com “Silver Age”, o décimo (ou décimo-primeiro, dependendo da visão)
registro solo da carreira. Com apenas ele na guitarra, Jason Narducy no baixo e
Jon Wurster na bateria, o resultado é potente e eficaz.
Essa, digamos assim, retomada da
melhor forma, passa por alguns motivos que valem ser citados. Em 2011 ele
participou do (ótimo) disco “Wasting Light” do Foo Fighters, cantando e tocando
guitarra em “Dear Rosemary”. No mesmo ano recebeu uma bonita homenagem em show de
nomes como Craig Finn (The Hold Steady) e durante 2012 saiu excursionando
tocando o “Copper Blue” de 1992 do Sugar na íntegra, em comemoração aos 20 anos.
Isso mexeu com a vontade.
“Silver Age” exibe 10 faixas em quase 40 minutos e trabalha nas
letras temas como dúvidas sobre o caminho seguido e desesperança com o mundo a
nossa volta, mas quase sempre ostenta no final um sentimento de ir em frente,
de não baixar a cabeça. Isso acontece em faixas como “Star Machine” e a canção
que dá nome ao trabalho, por exemplo. O pano de fundo sonoro disso tudo é um
rock básico envolto ao punk e ao garage, com aquela conhecida proporção pop.
Algumas canções desse “Silver Age”
são verdadeiras aulas. Tente escutar “The Descent” e “Briefest Moment” e não lembrar
o Foo Fighters, ou “Angels Rearrange” e não remeter a bandas de punk-pop.
Depois de álbuns bons mas não tão brilhantes assim (como os últimos “District
Line” de 2008 e “Life And Times” de 2009), Bob Mould volta a grande forma e até
canta nos versos finais da última faixa “First Time Joy”, um “aqui vamos nós de novo”. Que bom. A
música agradece.
A vingança é um prato que se come
frio, afirma o velho dito popular. Ao ler “A
Máquina De Goldberg” é fácil lembrar-se dessa antiga frase. O álbum em
quadrinhos é o primeiro de um novo projeto da editora Companhia das Letras,
através do seu selo Quadrinhos na Cia., que é inteiramente dedicado à nona
arte. Esse projeto visa reunir escritores e desenhistas relativamente novos. A
estreia fica nas mãos da jornalista Vanessa Barbara (“O Livro Amarelo do
Terminal”) e do ilustrador Fido Nesti (“Os Lusíadas” em quadrinhos).
O roteiro de Vanessa Barbara acompanha
um menino gordinho, fã de punk rock e sem muito traquejo social na estadia em
um acampamento de férias chamado carinhosamente de “Montanha Feliz”. Getúlio (o
garoto em questão) não está muito a vontade com essa verdadeira missão, onde
além de suportar todas as zombarias dos colegas de classe, também tem que lidar
com a perseguição implacável do professor de educação física e responsável pelo
acampamento, um ex-militar e ex-boxeador nada confiável.
Em meio a luta pessoal para “sobreviver”,
Getúlio invade a casa do zelador do acampamento, um senhor estranho e calado de
nome Leopoldo, que guarda alguns segredos. Entre esses segredos está a
dedicação espartana em criar máquinas de Goldberg, assim conhecidas por
transformarem rotinas banais (como abrir uma porta, por exemplo) em complicados
sistemas de evolução. Esse tipo de projeto foi imaginado há mais ou menos uns
cem anos atrás pelo cartunista e inventor estadunidense Rube Goldberg (daí o
nome).
Para uma máquina de Goldberg ser
realmente interessante, tem que conter as junções mais absurdas possíveis. Amostras
disso nós podemos ver na abertura do seriado infantil “Castelo Rá-Tim-Bum”
(vídeo aqui) ou mais recentemente em um comercial caprichado da Red Bull (vídeo
aqui). No caso da obra em questão ela inclui dezenas de bugigangas se
intercalando e serve não somente como uma grande personagem coadjuvante, como a
via que proporcionará a vingança esperada por Leopoldo e, por conseguinte, Getúlio.
“A Máquina de Goldberg” trata sobre adequação e comportamento juvenil
e traz a vingança para fazer parte como condutora das motivações. Com uma
premissa inicial boa (apesar de comum), o trabalho se perde no meio do caminho
e acaba não convencendo por completo. Isso ocorre principalmente devido à
mistura (sem explicação aparente) na identidade dos personagens, variando características
estrangeiras e nacionais, assim como pelas medianas soluções encontradas para elaborar
o desfecho.
Hans Theessink nasceu na cidade
de Enschede na Holanda. Já Terry Evans chegou ao mundo em Vicksburg no estado
do Mississipi nos EUA. Ambos percorreram seus caminhos tendo a música - mas
especificamente o blues - como sustento e força motriz. Foi essa música que em
2008 uniu os dois em um bonito disco chamado “Visions”. E foi essa mesma música
que em 2012 reativou esse pacto para a gravação de mais um álbum, dessa vez
intitulado “Delta Time”. Isso e a
admiração por Ry Cooder.
Ry Cooder foi uma espécie de
motivador para esse novo trabalho, ainda que indiretamente. Seus discos nos
anos 70 serviram de inspiração básica, o que levou a dupla a convidá-lo para participar
de “Delta Time” em três faixas.
Terry Evans, que já havia trabalhado com Ry Cooder em alguns discos mais antigos,
assiste novamente a classe dele destilada em acordes inspirados, como aqueles
que elaboram o solo de slide em “Blue Stay Away From Me”, composição dos irmãos
Delmore.
Primordialmente em formato
acústico, o blues demonstrado por Theessink e Evans é forjado a partir de
elementos da melhor safra do estilo. Com bandolins e banjos no meio dos
violões, guitarras e harmônicas, a dupla principal ainda conta com o auxílio de
Arnold McCuller e Willie Green Jr. nos vocais de fundo. Esses vocais, aliás,
são tão importantes quanto os instrumentos em si. São vários os momentos em que
se sobressaem, como em “Build Myself a Home” e a clássica “Honest I Do” de
Jimmy Reed.
Das 13 canções que perfilam os
poucos mais de 58 minutos do registro, algumas merecem um destaque especial,
como a faixa-título (composição de Hans Theessink) e “The Birds And The Bees”, uma
releitura para o primeiro sucesso de Terry Evans quando ainda fazia parte dos
Turnarounds nos anos 60. Some-se também o petardo lamurioso e dramático de “Down
In Mississippi” de J. B. Lenoir e a homenagem de mais de 10 minutos que “Mississipi”
(mais uma composição do holandês) insere no final.
Com lançamento pela Blue Groove
Records, “Delta Time” é um trabalho
garboso e elegante, trazendo para os dias atuais um pouco da magia do velho blues,
ainda envolto em nuances com tônicas acústicas. Hans Theessink com seu vocal
forte e acentuado combina com requinte esse estilo com o jeito brando e mais
espiritual de Terry Evans. O resultado é um disco que envolve o ouvinte na própria
atmosfera e mostra que para a música não existem barreiras presunçosas como
fronteiras, cores e raças.
O mundo está cheio de idiotas. Não
tem para onde correr. Em alguma esquina de uma cidade qualquer você pode se
deparar com um dos diversos tipos que existem. Longe de querer aqui enumerar
tipos dessa criatura ou elaborar um estudo profundo sobre esse tema tão
fundamental para a humanidade. Podemos apenas dizer que existem os idiotas
realmente idiotas e aqueles que por algum distúrbio mental desconhecido pela
ciência não param de fazer besteiras e tomar atitudes burras.
Usando esse tipo de “idiota do
bem”, por assim dizer, o escritor e roteirista de tevê alemão Tommy Jaud lançou
em 2004 o primeiro livro intitulado “Vollidiot”. Foi um êxito absoluto no seu
país, vendeu mais de um milhão de cópias e virou um filme também de sucesso estrelado
por um conhecido comediante nacional. Agora em 2012 a Editora Prumo resolveu
lançar a obra em território brazuca com o título de “Completamente Idiota”, 240 páginas e tradução de Camila Werner.
O livro tem uma diretriz cômica
declarada e usa um cara de quase 30 anos para servir de personagem principal.
Simon Peters trabalha em uma loja de eletrônicos e celulares na cidade de
Colônia e tem uns três ou quatro amigos dos quais não gosta muito. Além disso,
não goza de muito prestígio com as mulheres. “Completamente Idiota” pega esse personagem em um momento de “crise”,
digamos. Um momento onde todas as cagadas que sempre fez na vida se elevam a
potência máxima e passam a provocar danos.
Durante o decorrer das páginas,
Simon Peters vai aumentando gradativamente, degrau por degrau, a reputação de
babaca. Corre atrás da namorada do melhor amigo, faz estripulias com o cartão
de crédito do outro, joga cerveja em uma garota no show em que a convidou, invade
uma casa para salvar uma burrada que fez no trabalho e em um jogo de futebol faz
comentários desajustados (entre outras coisas) para o treinador do Schalke 04
em pleno camarote vip, no qual estava como convidado.
“Completamente Idiota” é um livro que tem bons momentos, apesar de
parte das piadas ficarem um pouco deslocadas por causa da data original de
publicação e o lançamento por aqui. Tommy Jaud não tem como objetivo tratar
superficialmente de nenhum problema embutido no humor que exerce. Busca apenas
divertir e consegue isso de modo razoável. Seu humor não é nada que já não foi
visto antes, mas serve para tirar alguns sorrisos despretensiosos que serão
esquecidos logo em seguida.
Em 1998, o cantor e compositor
inglês Billy Bragg se juntava aos americanos do Wilco para lançar o álbum “Mermaid
Avenue”. O registro (excelente, diga-se de passagem) ganhou um segundo volume
em 2000 e foi elaborado em cima de letras não musicadas do cantor folk Woody
Guthrie, falecido no dia 3 de outubro de 1967. Guthrie se tornou um ícone nos
EUA e sua música e postura política influenciaram nomes do porte de Bob Dylan,
Bruce Springsteen e Joe Strummer (The Clash).
Porém, antes do projeto ser
oferecido a Billy Bragg, foi feito o mesmo convite para Jay Farrar e o seu Son
Volt. É bom lembrar que Jay Farrar e Jeff Tweedy do Wilco faziam parte da mesma
banda, a ótima Uncle Tupelo, que durou até 1994. Depois do fim é que seus
atuais grupos tiveram início. O projeto “Mermaid Avenue” foi um sucesso (e
ganha até reedição caprichada esse ano, com mais um disco), então quando Jay
Farrar teve novamente a chance de visitar o baú do ídolo, dessa vez não vacilou.
Convidado por Nora Lee Guthrie, filha
de Woody e irmã do também cantor e compositor Arlo Guthrie, Jay Farrar se pôs a
fuçar os arquivos para organizar esse projeto, com o intuito de comemorar o
centenário de nascimento do homenageado. Assim começou a nascer o álbum “New Multitudes”, lançado pela Rounder
Records no começo do ano e feito em parceira com os velhos amigos Will Johnson
(Centro-matic), Anders Parker (Varnaline e Gob Iron) e Yim Yames (My Morning
Jacket e Monsters Of Folk).
“New Multitudes” oferece 12 canções na sua versão comum (existe
também a deluxe, com outro disco), forjadas tanto individualmente quanto em
conjunto pelos envolvidos. O material utilizado para servir de inspiração foi
de cadernos até revistas, desenhos e pinturas. Com produção de John Agnello
(Sonic Youth, Dinosaur Jr.), temos um álbum que trilha estradas bem distantes do
que poderia ser oportunismo e se consolida além da homenagem como um registro
particular e independente.
Jay Farrar abre com “Hoping
Machine”, uma canção sobre ser convicto e forte nos seus desejos e que tem o
belo verso: “a música é a linguagem da
mente que viaja”. Em “My Revolutionary Mind”, Jim James evoca os protestos
de Guthrie e correlaciona isso com o desejo por uma “mulher progressista”. “No Fear” traz Will Johnson cantando sobre
medo e morte, enquanto “Angel’s Blues” vem pesada, com guitarras densas e
Anders Parker misturando saudade, orgulho e promessas.
O segundo disco que aparece na
versão deluxe mostra 11 composições, dessa vez somente de Jay Farrar e Anders
Parker, e mantém o nível elevado, se mostrando tão obrigatório quanto o
primeiro. Nele, os temas explorados vão de guerra nuclear em “Word’s On Fire”
até prostituição em “San Antone Meat House”. A sonoridade das faixas habita o
mesmo universo explorado pelos criadores, indo do folk ao alt-country, com um
pé no blues e no rock e sem medo de soar pop aqui ou acolá.
“New Multitudes” é o tipo de álbum que prende a atenção do ouvinte
por completo. Seja pelo encanto das melodias ou pelas letras bem construídas. Uma
elegante homenagem a Woody Guthrie que está no mesmo nível da já citada série “Mermaid
Avenue”, só que com lados um pouco mais escuros. Com isso, o legado fundamental
daquele que dizia que seu violão era “uma máquina de matar fascistas”, se
prolonga e também se amplia para novos públicos, novas terras prometidas, novas
multidões.
Existem determinados momentos da vida
em que se faz necessário caminhar por fora daquelas ruas que estamos habituados
a seguir. Essa mudança pode significar tanto um ensaio para andar realmente por
novos caminhos, quanto simplesmente um flerte com algo diferente, uma leve aliviada
da vida casual preenchida com outros aromas e cores. Esse momento chegou para o
inquieto Tatá Aeroplano, que desde 2004 junto com a banda Cérebro Eletrônico fez
parte de pelo menos dois álbuns interessantíssimos.
Tatá é uma das cabeças por trás da
nova cena paulistana ao lado de nomes como Tulipa Ruiz, Tiê, Bárbara Eugênia,
Leo Cavalcanti e Thiago Petit, entre outros. Também toca projetos diversos como
o dançante Jumbo Elektro ou ataca de disc jockey pelas noites da cidade. A
cidade de São Paulo, aliás, é uma das mais fortes presenças nessa estreia solo
de nome homônimo. Ela está retratada em diversos versos nos seus exageros e idiossincrasias,
naquilo que consegue provocar para o bem e para o mal.
Financiado em boa parte através do
processo de crowfunding (via Embolacha), o álbum traz canções antigas e novas,
sendo que algumas ganharam seu primeiro esboço nos idos de 2008, por exemplo.
Produzido pela dupla Dustan Gallas e Junior Boca, o registro ostenta uma
sonoridade mais simples, com guitarra, baixo, bateria e teclado fazendo poucas
invencionices e renegando quaisquer modernidades. Essa sonoridade traz o rock
dos anos 70 flertando com vários estilos, entre eles o brega da mesma época.
Essa junção coloca no jogo uma
participação muito particular de teclados comuns e mellotron, dando um ar retrô
e dramático nas músicas. Já logo na abertura em “Sartriana” (com participação
de Leo Cavalcanti), Tatá expõe uma letra baseada em falsidade, ao mesmo tempo
em que insere no contexto drogas e admiração pelo filosófo francês Jean-Paul
Sartre. A balada “Um Tempo Pra Nós Dois” é outra amplificada pelo drama, desconfortável
em um relacionamento desgastado que vai embora pouco a pouco.
Esse tom triste e por vezes trágico, também
aparece na bonita “Uma Janela Aberta” (com vocal dividido com Bárbara Eugênia),
expondo uma saudade do mundo, de si mesmo e daquilo que se foi anteriormente. “Te
Desejo...Mas Te Refuto” tem como foco arrependimento, culpas e orgulho, mas mantém
a mesma intensidade consternada. Assim como “Cão Sem Dono”, inspirada no filme
de mesmo nome do Beto Brant (que por sua vez é adaptado de um livro do Daniel
Galera), que é outra com esse ar desesperado.
O álbum ainda tem a circense
tropicália de “Perigas Correr” e a lisergia crítica de “Tudo Parado na City”, porém
o melhor fica com os 10 minutos de “Par de Tapas que Doeu em Mim”, uma odisseia
noturna embalada como um brega dos anos 70 com guitarras embutidas. Um caso
complicado, com bebida, porrada e sexo com uma mulher conquistada na famosa Rua
Augusta “em meio as freaks da night”, que serve para ratificar o talento de
Tatá Aeroplano e mostrar que a carreira solo tem gás de sobra para ir mais longe.
O ano era 1962 e estreava nos
cinemas “007 Contra o Satânico Dr. No”, com Sean Connery no papel do agente
britânico idealizado por Ian Fleming nos livros. De lá para cá, nos 50 anos que
passaram, a franquia de espionagem mais charmosa do planeta gerou 22 filmes,
com direito a 6 atores usando as vestes do personagem. Em 2012, “007 – Operação Skyfall” chega com a
missão de comemorar o cinquentenário dessa história, como também afirmar de vez
alguns nomes e moldar os caminhos para o futuro.
Um desses nomes que precisam de
afirmação é Daniel Craig. Sua passagem como 007 desembarca agora no terceiro
filme, sendo que nos anteriores ele ainda não havia convencido plenamente como
James Bond, apesar dos números de bilheteria apontarem outra análise. O diretor
Sam Mendes, vencedor do Oscar por “Beleza Americana” em 1999, é outro que ganha
uma chance de aparecer novamente, além da MGM, empresa que detém os direitos e
que passou por um processo de falência recentemente.
“007 – Operação Skyfall” abre com uma sequência matadora de ação (e
que remete muito ao recente “O Legado Bourne” do diretor Tony Gilroy), que
culmina em Bond atingido por um tiro equivocado da sua companheira de MI6, Eve
(Naomi Harris). Logo em seguida, o agente secreto é dado como morto e o filme
nos leva até ele em uma ilha bebendo tudo o que é possível, enquanto sucumbe à
própria preguiça e desgosto. Até que ele vê na televisão que o antigo órgão
onde trabalhava sofreu um atentado.
Com a vida de M (Judi Dench,
sempre excelente) em jogo, o 007 não vê outra saída senão voltar e resolver
tudo. Dobra-se ao chamado quase inevitável de bancar o herói novamente. Para
achar o responsável por trás do ataque, Bond precisa se sujeitar a uma série de
testes físicos e psicológicos para mostrar que ainda está apto para a missão,
principalmente aos olhos do novo chefão da agência, Gareth Mallory (Ralph
Fiennes). Essa necessidade de se mostrar útil ainda, vira na verdade, a sua
grande motivação.
É nesse momento que “007 – Operação Skyfall” apresenta todas
as apostas. Mantendo a opção em fazer filmes cada vez mais realistas, insere um
vilão (Javier Bardem) que não quer destruir o mundo, mas apenas saciar desejos
de enriquecer e de conseguir vingança. O Q (espécie de cientista maluco do bem)
do MI6 agora é um nerd com paixão por computadores (Ben Whishaw) e não inventa
engenhocas mirabolantes. E para dar um último realce, envolve um dramalhão
sobre carências maternas e traições de confiança.
O diretor Sam Mendes, apoiado no
roteiro de John Logan, brinca de modo constante com o presente e o passado na
tentativa de deixar as coisas mais viáveis. No entanto, parece esquecer que nos
filmes do agente, a figura principal sempre tem que ser Bond. Daniel Craig,
mesmo melhorando desde a estreia em “Casino Royale”, ainda não demonstra o
charme, o humor e a vaidade que cunharam a marca 007. Assim, o filme é um prato
vistoso e elaborado com bons ingredientes, mas ainda insípido ao paladar.
Nascer e crescer. Ser um bom
menino, estudar para conseguir boas notas, entrar na universidade, se formar,
arrumar um emprego, casar, comprar um carro e uma casa, ter filhos, trabalhar
para sustentar a família, ver os filhos crescerem e lhe ofertarem netos, ter
uma aposentadoria tranquila e depois de tudo, morrer e tentar - depois desse
percurso exaustivo - deixar alguma marca no mundo. Com algumas variações, esse
é o roteiro básico prometido e almejado por um inúmero contingente de pessoas.
Não para Malcom Ede, o personagem
principal do livro “Cama”, a estreia
do inglês David Whitehouse. Lançado na gringa no ano passado chega ao país por
culpa da Editora Rocco, com 256 páginas e tradução de Ryta Vinagre. O autor, agora
com 31 anos, antes da estreia escreveu artigos para publicações diversas como
The Observer e Esquire, e provocou uma razoável expectativa para o primeiro
trabalho. Expectativa que se provou frustrada, embora os conceitos iniciais
apontassem para o lado oposto.
“Cama” gira em torno de uma família basicamente comum em uma
analisada breve e ligeira. Um casal com dois filhos e poucos anos de diferença
entre si. Porém, no fundo disso, está um pai que carrega uma culpa consigo e
uma mãe protetora ao extremo, que atende a todos os desejos dos filhos, pois é
a única maneira que compreende o amor. Os filhos, bem diferentes entre si,
vivem uma troca constante de amor é ódio, principalmente do mais novo em
relação ao primogênito, que é esperto, mas cheio de manias.
Durante a infância esse irmão
mais velho coloca a família em saias justas muitas vezes, mas acaba seguindo
parcialmente o roteiro descrito no primeiro parágrafo e arruma uma mulher e sai
de casa para construir um novo lar apoiado em um emprego comum qualquer. Isso
não o faz tão feliz como deveria e ele vive criticando o sentido das suas
ações, até que em um dia aparentemente normal resolve não sair mais da cama e estica
isso por 20 anos até chegar aos 600 quilos. É nesse ponto que o romance se
inicia.
O autor alterna presente e
passado, e concentra o foco nos motivos que levaram Malcom Ede a tomar sua
decisão e o efeito que isso faz com as pessoas ao redor. David Whitehouse tenta
tratar o tema na linha do fantástico e força uma carga de ironia e humor negro
que quase nunca acerta o alvo. Com uma narrativa atrapalhada por um nível
elevadíssimo de comparações e analogias para justificar as ações dos personagens,
acaba travando as boas ideias e as faz habitar imediatamente na casa da chatice
e da monotonia.
Em mais de 40 anos trabalhando
com cinema, o canadense David Cronenberg quase que sempre objetivou repassar
algum tipo de incômodo ao espectador. Esse desejo está lá nos seus filmes dos
anos 80 como “Videodrome – A Síndrome do Vídeo” de 1983, “A Mosca” de 1986, ou
o perturbador “Gêmeos - Mórbida Semelhança” de 1988. Isso foi se transformando
com o tempo e ganhando outras cores como atestam os recentes “Marcas da
Violência” de 2005 e “Senhores do Crime” de 2007. Porém, o desejo está lá,
presente.
Em “Cosmópolis”, o mais recente trabalho de Cronenberg, essa opção em
inquietar a quem assiste ao filme não poderia ficar de fora, e ganha contornos
mais acentuados do que nos últimos longas. Baseado em livro homônimo lançado em
2003 por Don DeLillo (com roteiro adaptado pelo próprio diretor), vemos as
preferências da carreira saltarem à vista, como a violência (embutida aqui mais
em palavras), a preocupação constante com as expressões dos atores e aquele
sentimento de angústia presente no ar.
A história em si não chega a ser difícil.
Em um dia ruim, Eric Michael Packer (Robert Pattinson de “Crepúsculo”) vê a sua
fortuna sumir pouco a pouco. Ele é jovem, de boa aparência, rico e executivo
maior de um conglomerado bilionário. Mas também é paranoico, repleto de
obsessões e preso a um casamento por conveniência financeira, do qual tenta de
modo infrutífero fazer parte. Em um mundo onde até a palavra computador já soa
antiga, busca algum alívio na arte de pintores como Mark Rothko.
Para lidar com esse dia perverso,
Eric Packer se tranca em uma limousine branca com seguranças de suporte e busca
atravessar a cidade para cortar o cabelo. Dentro desse “mundo próprio” que é o
carro, ele recebe parceiros de negócios para reuniões, faz sexo e tem
atendimento de rotina por um médico, sem perder a concentração. Em uma passagem
chave do longa, mesmo passando por um exame de próstata à moda antiga, ele mal
muda a expressão e continua conversando sobre a derrocada da fortuna.
Para interpretar os demais personagens
que enxertam a trama, Cronenberg utiliza atores de categoria como Paul
Giamatti, Juliette Binoche e Patton Oswald. Isso ajuda para tirar o foco um
pouco de Robert Pattinson, que apesar de fazer um trabalho até bom, fica
distante da intensidade que se almejaria em um primeiro momento para o papel. É
bom ressaltar que o ator da saga juvenil vampiresca não era a escolha inicial,
que recaia sobre Colin Farrell, descartado por estar envolvido em “O Vingador
do Futuro”.
Em “Cosmópolis”, David Cronenberg exibe uma ótima forma. Todos os
detalhes são inseridos milimetricamente. Da expressão de apatia dos figurantes no
fundo aos detalhes das faixas dos protestantes no meio da cidade, tudo indica
uma razão de ser, de existir. Com a câmera focada na maior parte do tempo nos
rostos dos atores e repleto de analogias e alegorias por todos os lados, elabora
uma narrativa incisiva sobre a sociedade, o capitalismo em termos gerais e o
modo de vida pessoal e tão individualista dos nossos tempos.
A vida passou e deixou para trás
uma série de casos mal resolvidos, frustrações e arrependimentos. Ou então, essa
vida passou com tanta alegria e entusiasmo que os dias atuais já não
correspondem aquilo que se acostumou em outros tempos. De uma forma ou de
outra, são esses dois lados que impulsionam sete idosos ingleses a irem para
uma viagem com destino a um hotel na Índia, com o intuito de aproveitar a
aposentadoria, curar-se de algum mal ou simplesmente perceber que ainda se está
vivo.
“O Exótico Hotel Marigold”, filme de 2011 que está disponível em
DVD no país, trata justamente disso. De uma viúva que dedicou praticamente todas
as energias ao casamento até um juiz aposentado que carrega dentro de si uma
imensa sensação de culpa, esses sete idosos rumam na direção das cores,
barulhos e odores da Índia procurando um algo mais, nem que esse algo mais seja
um simples alívio. E é entre solidão, tédio e desejo que esses estranhos tentam
redescobrir novamente as alegrias perdidas.
Dirigido por John Madden (de “Shakespeare
Apaixonado)”, o filme é baseado no livro “These Foolish Things” de Deborah
Moggach, aqui adaptado pelo roteirista inglês Oliver Parker. No elenco, nomes
de talento mais que comprovado como Judi Dench (“Notas Sobre um Escândalo”),
Bill Nighy (“Simplesmente Amor”) e Tom Wilkinson (“Entre Quatro Paredes”), além
de promessas como Dev Patel (“Quem Quer Ser Um Milionário?”) que interpreta o
sonhador e atrapalhado dono do hotel que dá nome ao longa.
Ao chegar à Índia, os sete
viajantes se deparam logo com um choque de cultura e tradições. Quando chegam ao
hotel - que pela internet conquistou a todos com seus aposentos maravilhosos – vem
o choque, pois o mesmo é decadente e com sérios problemas de infraestrutura.
Essa colisão de expectativas é a deixa para guiar os bons diálogos e a
irreverência que assume o controle na maior parte do tempo, esbarrando de leve
na questão de identidade cultural (aqui pungente por se tratar de Inglaterra e
Índia).
“O Exótico Hotel Marigold” é um filme agradável, com destaque para
as atuações individuais e conduzido de modo tranquilo pela direção. Mesmo
parecendo piegas em alguns momentos, não deixa de exibir um pequeno charme lá
no fundo. Os personagens que ostentam uma idade avançada estão acima de tudo preocupados
em se mostrar vivos, com medo de parecer obsoletos perante o mundo. À sua
maneira, fazem pensar em como conduzimos nossas vidas e o que estamos fazendo nesse
trajeto rumo ao nosso destino final.
O ano é 1997. A cidade é Nova
Orleans no estado da Louisiana nos EUA. Em meio à mítica Rua Bourbon Street
está Alvin, um guitarrista de jazz já com idade avançada que teve uma vida
sossegada e caminha a passos largos para a aposentadoria. Ele é o típico do
senhor que não pode reclamar da vida boa e tranquila que teve, porém essa vida
foi aquém das expectativas da juventude e nunca lhe levou aos patamares maiores
do panteão da música.
Estiloso, com terno de blazer
riscado e ostentando um bigodinho maroto, Alvin praticamente já se conformou
com o destino que se aproxima, quando tudo muda ao ver estampado no jornal uma
matéria sobre o sucesso dos cubanos do Buena Vista Social Club, que tardiamente
chegam ao sucesso e ao reconhecimento mundial. Uma faísca que acende o fogo
adormecido da mocidade e o faz instigar os velhos comparsas a tocarem
novamente.
Para botar mais fogo ainda
nesse pensamento, encontra um antigo trompete de um velho amigo sumido há
50 anos. Cornelius era um extraordinário músico, com uma carreira brilhante pela frente,
até que desapareceu sem deixar vestígios, para tristeza e melancolia do amigo.
Com o surgimento do trompete e de novas informações, a trupe de Alvin se coloca a procura do majestoso trompetista que representará um plus para que a marcha obtenha sucesso.
Esse é o mote de “Bourbon Street – Os Fantasmas de Cornelius”,
álbum em quadrinhos que a editora 8INVERSO Graphics lançou este ano no país. A
obra tem 56 páginas, com roteiro de Philippe Charlot (o primeiro trabalho dele
na área), desenhos de Alexis Chabert e cores de Sébastien Bouet. Lançado
originalmente em 2011 na França, ganhou um tratamento majestoso por aqui com
capa dura, formato grande (28cm x 21cm) e extras de criação no final.
Com prefácio do escritor (e
amante declarado de jazz) Luís Fernando Veríssimo, o álbum é um deleite do início
ao fim. Tanto pela história da jornada musical de Alvin, quanto pela
esplendorosa arte e cores que ostenta. Quem guia e narra a trama é ninguém mais,
ninguém menos, que o “Pops”, o grande Louis Armstrong, aqui convertido em um
fantasminha camarada (mas nem tanto assim) que volta para ajudar esse bando 26 anos depois da sua morte.
“Bourbon
Street – Os Fantasmas de Cornelius” trata paralelamente de racismo, culpa, conformismo e o envelhecimento dos sonhos. Tendo o jazz como coadjuvante ativo encanta não somente aos amantes do estilo, mas estende-se aos apaixonados por música. A busca de Alvin por Cornelius e, por conseguinte, pela juventude
perdida, esbarra em uma bonita frase do compositor George Gershwin que diz: “De
certo modo, a vida é como o jazz. É melhor quando se improvisa”.
P.S: O álbum representa apenas a primeira parte. A segunda
tinha lançamento previsto na França para o segundo semestre desse ano e, se assim ocorrer,
deve desembarcar por aqui em 2013.