No futebol, entre todas as
posições em campo, duas funções quase sempre resultam em um diferencial para
qualquer time. A primeira é a do meia armador, que organiza o meio de campo com
classe e faz o time andar, funcionando até como ponta de lança e indo para área
fazer de gols de vez em quando, mas que tem como objetivo primordial servir os
atacantes. A segunda função é a do centroavante, o cara que está na frente e
tem como missão receber os passes e marcar os gols necessários para a vitória.
Às vezes esse centroavante é marrento, mas o que interessa é que cumpra esse
papel.
Fazendo a analogia do futebol com
a música, uma banda que detenha um integrante capaz de produzir melodias
bonitas e que resultam em canções marcantes, via de regra se torna algo
diferente da grande média. Cantando essas músicas adicione um vocalista
competente, que cheio de estilo e marra, conte essas histórias para os
ouvintes. Os britânicos tinham isso no Oasis. Os irmãos Gallagher possuíam em
Noel, aquele camisa 10 bom de bola, que era capaz de brilhantismos durante um
disco e em Liam o vocalista cheio de estrelismo que repassava com seu canto
próprio o produto final para o ouvinte.
Pelo Oasis, os irmãos Gallagher
elaboraram dois grandes álbuns: “Definitely Maybe” de 1994 e “(What’s The
Story) Morning Glory?” de 1995. Depois deixaram o ego falar maior que a
qualidade em si e foram apresentando discos cada vez menores. Acharam que já
estavam em um nível de excelência muito alto, jogando mais bola do que aquela
que realmente jogavam. Com “Dig Out Your Soul” de 2008, uma pequena centelha de
criatividade aparecia novamente no gramado de jogo, mas esse último suspiro não
foi suficiente para que a banda continuasse e desse a volta por cima.
Já com o fim do Oasis decretado,
Liam juntou os ex-parceiros de banda e partiu para um novo time, o Beady Eye.
Lá, continuou marcando seus golzinhos (mesmo sabendo que não briga mais por
títulos) e fez um bom trabalho, de acordo com o que se espera dele, um rock
focado nos anos 60 e 70 e sem maiores invencionices. Já Noel, ficou quieto no
seu canto, compondo, produzindo e esperando propostas. Resolveu então criar um
time e um selo próprio (Sour Mash) e lançou “Noel Gallagher’s High Flying Birds”,
onde juntou alguns amigos e só não tocou bateria e teclado nas 10 faixas do
registro.
Com “Noel Gallagher’s High Flying
Birds”, o irmão mais talentoso faz o que mais ou menos se aguardava de um
camisa 10 diferenciado como ele. Constrói belas harmonias e as preenche com
violões, orquestrações, pianos, solos breves de guitarra e até mesmo metais. Tudo
como seu estilo indicaria que fosse: grandioso e com tendência ao épico. No
entanto, nem tudo é magistral no disco. Assim como no Oasis, Noel embrulha
obras primas absolutas como “The Death Of You And Me” com outras faixas apenas razoáveis,
como “Everybody's On The Run” e “(Stranded On) The Wrong Beach”.
Cabe aqui lembrar que isso também
acontecia no Oasis. Para cada “Wonderwall”, “Don’t Look Back In Anger” ou “Live
Forever” feita por ele, tinha também uma "Put Yer Money Where Yer Mouth
Is" ou uma "Mucky Fingers" (apenas para ficar em algumas). Mas mesmo
oscilando entre brilhante e mediano, a estreia de Noel Gallagher é melhor que a
do irmão, apesar de não lhe caberem tantos superlativos quanto os que lhe são
direcionados pela maioria da imprensa. Com sua técnica apurada, nos oferece
belas faixas como “Dream On”, “Soldier Boys And Jesus Freaks” e “AKA... Broken
Arrow”.
Fica difícil prever o quanto esse
projeto durará (ou se a antiga banda retornará um dia) e quão significativo ele
será para a música atual, pois nem mesmo ele sabe ao certo, como atestou em
recente entrevista para a revista Rolling Stone. O que dá para saber com elevado
grau de certeza é que Noel não se esqueceu de como tocar uma bola com classe,
por mais que os últimos anos de Oasis levassem a essa crença. “Noel Gallagher’s
High Flying Birds” é um bonito trabalho, que mostra um cara com um dom supremo
de criar melodias, mas que no final das contas, voltando as analogias futebolísticas,
sempre é um pouco atrapalhado por se imaginar como um gênio, ao invés de "somente" um craque.
Site oficial: http://www.noelgallagher.com
Assista ao clipe da estupenda “The
Death Of You And Me”:
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