terça-feira, 31 de maio de 2011

"Um Dia" - David Nicholls


Quando a leitura de “Um Dia” do inglês David Nicholls está prestes a iniciar é necessário se deparar com um vasto número de citações retiradas de críticas em jornais e revistas, assim como de autores como Nick Hornby e Tony Parsons. Essas citações estão dispostas na capa, contracapa e nas páginas iniciais afirmando em letras garrafais que se você não gostar do livro, com certeza é um idiota que não sabe apreciar “um clássico moderno” como afirmou o Daily Mirror.

Com lançamento nacional esse ano pela editora Intrínseca (416 páginas), o terceiro romance de David Nicholls conta a história de Dexter e Emma, que na noite da formatura dormem juntos e iniciam uma relação de amor e amizade que vai perdurar pelos próximos anos. Dexter é um jovem cheio de charme que almeja viver a vida e Emma é estudiosa e cheia de sonhos e boas causas para defender. Entre o dia que amanhece lá fora e o sono que chega, vivem um momento único.

Com início em um 15 de julho, o autor leva a narrativa para esse mesmo dia nos anos subseqüentes e consegue demonstrar como cada pessoa se transforma com o passar do tempo e deixa para trás as coisas da juventude para se apegar em outras mais corriqueiras e cotidianas. Ao crescer junto e de acordo com seus personagens fala diretamente a uma turma que está hoje entre os 30 e 40 anos, sem ostentar (ainda bem) ser o retrato fiel e exato de uma geração.

“Um Dia” virou um filme que estreia no segundo semestre e apresentará Anne Hattaway e Jim Strugess nos papeis principais, sendo que devido a recepção que teve no Reino Unido e aliado com o roteiro funcional adaptado pelo próprio autor, tem tudo para causar também algum rebuliço. Entretanto, quando a leitura chega ao fim parece que a obra recebeu superlativos demasiados. É atraente, divertido e com uma bonita aura triste, mas nada que chegue longe disso.

A condução do texto lembra vários outros autores como os já citados Nick Hornby e Tony Parsons (esse segundo principalmente em características de Dexter), além de Helen Fielding (no que tange a Emma) e os filmes de Richard Linklater (“Antes do Amanhecer”/“Antes do Pôr-do-sol”). Isso para ficar apenas nos mais óbvios. A fórmula envolve dúvidas, sarcasmo, cinismo e referências da cultura pop funcionando em prol de um romance complicado e quase intangível.

“Um Dia” é um bom livro e demonstra  sacadas interessantes, deixando ao leitor chances de se identificar com várias passagens e olhar para a sua própria vida de repente e lembrar, sorrir e chorar. Se um grande amor passou pela juventude, com certeza não se passará impune. Porém, não é nada além disso e não carrega em seu corpo toques de extraordinário. Histórias como a de Dexter e Emma são bonitas e emocionam, mas não podem almejar ser mais que isso.

domingo, 29 de maio de 2011

"Malu de Bicicleta" - 2011


Em algum momento da vida uma paixão avassaladora e meio sem sentido dará o ar da sua graça. Se isso não aconteceu até agora, pode esperar que ainda tem boas chances de acontecer. Nesse ponto é certo que você se pegará fazendo alguma coisa que não gosta, como por exemplo, comer ostras detestáveis só para agradar a pessoa na sua frente. É o que acontece com Luiz Mário (Marcelo Serrado) no filme “Malu de Bicicleta” que chega agora em DVD.

O filme dirigido por Flávio R. Tambellini (“Bufo & Spallanzani”) é uma adaptação do livro homônimo do Marcelo Rubens Paiva e narra as desventuras do conquistador e vida mansa Luiz. Empresário da noite paulistana e com uma vida regada a muita mulher, ele resolve tirar umas férias forçadas no Rio de Janeiro e logo no primeiro dia é atropelado por uma bicicleta em pleno calçadão. No comando dessa bicicleta está uma bela mulher de nome Malu (Fernanda de Freitas).

Nos primeiros 30 minutos de filme realmente não há muito com o que se empolgar. Tudo parece caminhar para uma comédia romântica recheada com todos os clichês possíveis. Temos lá um garanhão que se depara com uma mulher de um mundo diferente do seu e que lhe confrontará em várias convicções. Acontece que ele se dá mal e fica perdidamente apaixonado por ela e por mais que exista reciprocidade, paga com a mesma moeda o que aprontava com conquistas anteriores.

Depois dessa meia hora inicial, mesmo com todas as conhecidíssimas situações apresentadas, o tom escolhido para declamar esse amor é que faz o filme valer verdadeiramente a pena. Necessidade, desejo e vontade (como diria a canção) são ultrapassados por aquela sensação de que você achou a pessoa certa para envelhecer contigo. Acontece que junto com isso vem o medo de perder e traz na bagagem uns passageiros ingratos e nada nobres como o ciúme e a paranóia.

“Malu de Bicicleta” tem roteiro coordenado pelo próprio Marcelo Rubens Paiva, no entanto, não apresenta a mesma carga erótica do livro, dando uma pequena amansada. Mas mesmo assim é uma comédia romântica para adultos que funciona muito bem. O amor, ou paixão como preferir, é posto em prova por alguns dos seus ângulos mais conhecidos e transforma encontros e desencontros em uma história bem real que pode ser contada em qualquer esquina do mundo.

No blog tem mais Marcelo Rubens Paiva aqui e aqui.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

"O Mágico" - 2010


No final dos anos 50 um velho mágico perambula de teatro em teatro tentando vender o mundo de ilusões do qual é fornecedor. Estamos em uma época onde o mundo começa a tomar um rumo onde velhas profissões já não fazem o mesmo sentido de antes, já não possuem o mesmo impacto. Apesar do evidente cansaço com a vida que leva, o velho mágico ainda procura viver da sua arte e tenta sobreviver em cidades da França, Inglaterra e Escócia.

“O Mágico” que chega agora em DVD ao nosso país é o segundo longa de animação do diretor Sylvain Chomet (“As Bicicletas de Belleville”) e recebeu indicações para diversas premiações mundo afora, incluindo o Oscar desse ano. Acima de todas as suas projeções e objetivos, trata-se na sua essência de um trabalho em homenagem ao diretor francês Jacques Tati falecido em 1982, pois foi baseado em texto inédito deixado por ele e adaptado por Chomet e Henri Marquet.

Usando boa parte da estética visual do seu longa anterior, Sylvain Chomet compõe uma triste canção na qual os versos mais fortes ganham amplitude no desencanto e em uma vida que passou. Nas suas andanças o mágico Tatischeff (sobrenome original de Jacques Tati) parte para uma pequena ilha da Escócia depois de já não ser aceito nas grandes cidades e lá encontra uma jovem camponesa, que em uma atitude curiosa resolve lhe acompanhar para Edimburgo.

Os dois trocam suas necessidades mais veementes, que passam por uma estrada paralela a aquela do amor e da paixão. O mágico enxerga nela um público perdido que ainda se empolga com suas pequenas transformações e ela vê nele um mundo de magia diferente da labuta doméstica que enfrentava. Passando a viver em um hotel com outros artistas fracassados como um ventríloquo bêbado, a relação não bem explicada entre os dois tem prazo para desandar.

Praticamente sem utilizar palavras, o filme faz uma bonita homenagem ao cinema mudo e a um tempo que parece estar mais distante do que é verdade. O mágico atrapalhado que não é respeitado nem pelo próprio coelho ganha uma sinfonia repleta de acordes tristes, mas não menos belos e emocionantes. De onde estiver curtindo a existência que agora lhe cabe, Jacques Tati com certeza bateu palmas e derrubou algumas lágrimas ao assistir “O Mágico”. Faça o mesmo.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Séries - "Guerra Dos Tronos"


Tem uma frase do famoso diplomata americano Henry Kissinger (Prêmio Nobel da Paz em 1973) que diz que o “poder é o afrodisíaco mais forte”. Ao assistir o rei Robert Baratheon em ação comandando os sete reinos da série “Guerra dos Tronos”, fica bastante fácil concordar com essa afirmação. A nova trama que a HBO disponibiliza aos domingos é uma aposta alta que logo no seu início traz muitos indícios de que será bastante válida.

A HBO que recentemente produz séries do porte de “Boardkwalk Empire” e “Treme” e tem no currículo pérolas como “A Família Soprano” adentra o (caro) universo da fantasia baseada na obra de George R.R. Martin. O autor que está em vias de liberar o quinto livro dos sete pretendidos originalmente (aqui no Brasil foram lançados dois) participa da produção dos episódios e tenta atestar o máximo de fidelidade possível para a sua história.

Os primeiros capítulos de “Guerra dos Tronos” ambientados em Westeros, uma espécie de grande reino da idade média, trazem inicialmente uma associação direta com o mundo do “O Senhor dos Anéis” de J.R. Tolkien, até mesmo pelo fato de um dos principais personagens ser interpretado por Sean Bean, o Boromir da adaptação cinematográfica. Com o tempo algumas correlações indiretas aparecem como as séries “The Tudors” e “Roma”.

Quando o universo da trama começa a se desvendar, no entanto, percebe-se que a obra por mais que se aproprie de detalhes clássicos do universo da fantasia (com dragões e outras criaturas), prefere optar por um caminho mais escuro e denso. O alicerce que fundamenta os capítulos são as conspirações entre famílias tradicionais que buscam voltar ou tomar o poder, usando para tanto os mais dissimulados artifícios que esbarram em questões como honra.

A HBO acerta ao trazer para o elenco atores competentes como o já citado Sean Bean e outros como Mark Addy (de “Ou Tudo Ou Nada”) e Aidan Gillen (da série “The Wire”), além de mostrar gratas surpresas como Peter Dinklage no papel do anão Tyrion Lannister e a jovem Maisie Williams como uma das filhas de Lorde Stark. Na retaguarda aparecem nomes como David Benioff (roteirista de “Entre Irmãos”) e Alik Sakharov na direção da fotografia.

Todo esse esmero com a produção é fundamental para que o mundo repleto de violência, crueldade, conspirações e traições concebido por George R.R. Martin funcione na sua amplitude. É cedo para afirmar se esse novo projeto irá se consolidar e alcançar o nível de qualidade que o canal já obteve em outros trabalhos, mas tudo parece caminhar para esse sentido. Uma boa pedida é comprar uma passagem para Westeros e confirmar por si mesmo.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

"Nós Vamos Invadir Sua Praia" - Andréa Ascenção


Entre as primeiras músicas que me lembro de tentar cantar quando criança estão “Nós Vamos Invadir Sua Praia”, “Inútil”, “Marylou” e “Independente Futebol Clube”. Todas essas faixas estão contidas na estreia dos paulistas do Ultraje a Rigor em 1985. Lá pelos 6, 7 anos eu ficava ali enchendo o saco das minhas irmãs mais velhas enquanto elas desvendavam o rock nacional junto com a sua turma de amigos. Diversão garantida para um pentelho de plantão.

O Ultraje comandado pela mão forte de Roger Moreira teve uma grande influência em toda a constituição do rock nacional dos anos 80 e, por conseguinte (ainda que em menor escala) do que se formatou depois. Com um disco inicial que não pode ganhar outra alcunha senão matador, o Ultraje vendeu muito e com a sua verve bem humorada e crítica cravou algumas pequenas pérolas da história do rock brazuca. Faltava alguém contar essa história para os mais novos.

A jornalista Andréa Ascenção (ela mesmo uma jovem nascida em 1986) resolveu contar a história da banda e o resultado é o livro “Nós Vamos Invadir Sua Praia” que tem 352 páginas e ganha lançamento esse ano pela Editora Belas-Letras. Para tanto, Andréa mergulhou na literatura disponível sobre o movimento da época, assim como em reportagens de jornais. O extenso trabalho contou com entrevistas, idas a shows e fuçadas em curiosidades e novidades.

O projeto gráfico do livro elaborado por Celso Orlandin Jr. é muito bem realizado. Colorido ao extremo e com diversas fotos espelha bem a imagem divertida que a banda sempre passou (por mais que às vezes pareça meio revista “Capricho”). Mostra também a capa dos discos, as músicas que fazem parte e espalha as letras no final da obra. Como a carreira do Ultraje nunca foi fértil em discos, essas inclusões acabam ajudando mais do que atrapalhando no final.

Mesmo com os pontos bacanas que o livro traz, nem tudo é só alegria. A condução do texto incomoda em algumas passagens pela quebra de ritmo e a inclusão de muitas vírgulas, o que prejudica a agilidade em que o texto funcionaria melhor. Algumas páginas também poderiam ser suprimidas, pois trazem informações pouco relevantes como a narrativa de um programa de perguntas e respostas na MTV. Por mais que a intenção seja boa, não consegue dizer para que veio.

Os pequenos detalhes negativos, no entanto, não diminuem muita coisa em “Nós Vamos Invadir Sua Praia”. Com a participação ilustre de Kid Vinil e Lobão, Andréa Ascenção passeia bem por todas as formações do grupo e expõe, ainda que em segundo plano, um perfil do líder e fundador Roger Moreira que guiou a carreira da banda acreditando nas suas concepções e sem abrir muita margem para aquilo que não gostava, o que convenhamos é coisa bem rara de se ver.

Site Oficial: http://www.ultraje.com
Twitter do Roger Moreira: http://twitter.com/ROXMO

sábado, 21 de maio de 2011

"Vício Inerente" - Thomas Pynchon

Em plena Los Angeles dos anos 70 um detetive particular leva sua vida na manha, sem se estressar com muita coisa e tendo como maior preocupação acender alguns cigarros de substâncias exóticas durante o dia, enquanto se envolve em casos pitorescos. Isso muda quando uma ex-namorada bate a sua porta e pede que ele se envolva em um intricado caso que reúne um dos maiores figurões da Califórnia.

É a partir desse ponto que o escritor Thomas Pynchon desenvolve seu mais recente romance. Lançado lá fora no ano de 2009, ganhou edição nacional pela Companhia das Letras no ano passado, com 464 páginas e tradução de Caetano W. Galindo. O autor famoso por obras como “O Arco-Íris da Gravidade” de 1973, mostra em “Vício Inerente” que não perdeu nada da forma exibida em outrora.

Em uma época não muito fácil nos Estados Unidos, o detetive Doc Sportello insere-se em uma trama perigosa que na verdade, na verdade, não entende muito bem. Veja bem, o cara é um ex-hippie que consome uma quantidade razoável de maconha diariamente e não consegue discernir direito nem as louras que se exibem de biquíni por Gordita Beach, o que dirá então desvendar um caso repleto de complicações.

As ações de Charles Manson eram bem vivas e assombravam as mentes mais “abertas” e Richard Nixon cometia suas loucuras na presidência, assim como Ronald Reagan no governo do estado da Califórnia. A cidade de Los Angeles vivia um momento mais tresloucado que nunca, onde o cinema se confundia com a vida de todos os habitantes e o movimento hippie já exalava odores não muito agradáveis.

Como de costume em seus livros, Thomas Pynchon ministra ao leitor fartas doses de confusão, dúvidas e neuroses diversas. A sua escrita é ácida, irônica e divertida, sendo utilizada para tratar dos mais variados temas, tais como corrupção, política e comportamento social, de uma maneira que tudo seja convertido na lógica peculiar e errônea da trama. É fácil se perder no meio de tanta paranóia e alucinação.

Em “Vício Inerente”, Thomas Pynchon espalha seu olhar para a cultura dos anos 70 enquanto usa de uma trama policial para disfarçadamente atestar o fim de uma geração (ou de uma época) em si. O livro traz referências mil em todos os seus poros e é uma literatura que anda na mesma estrada de contemporâneos seus como Joseph Heller e Hunter S. Thompson. Um livro para se fazer a cabeça. Experimente. 

Um trailer de apresentação sobre o livro, aqui.  

quinta-feira, 19 de maio de 2011

"Padre" - 2011


Quando se escuta a palavra padre não tem muito como fugir da simbologia cristã que ela atrai tanto para o bem quanto para o mal. No entanto, se for analisada sem o cunho religioso totalmente envolvido, essa palavra também transmite na sua origem correlações com segurança e força. O personagem de Paul Bettany (“O Código da Vinci”) em “Padre” que estreia nos cinemas nacionais, remete diretamente para esses significados mais subjetivos.

O longa é dirigido por Scott Stewart, que não conseguiu convencer na sua primeira obra, o fraquíssimo “Legião”. No novo trabalho ele se baseia nos quadrinhos (chamados “manhwas”) do sul-coreano Hyung Min-Woo, mas não deixa de usar parte da temática utilizada anteriormente. Para quem conhece a obra original lançada aqui pela Editora Lumus anos atrás, não encontrará muita coisa em comum, a não ser o clima de velho oeste implantado.

Não honrar os quadrinhos em quase nada, no entanto, não chega a ser um problema do filme. Raramente acontece de uma adaptação ser melhor que o original, mas nesse caso aparece uma pequena exceção à regra. Utilizando muita ação e baseando o roteiro em obras como “Laranja Mecânica” de Anthony Burgess e “1984” de George Orwell”, o diretor consegue dar um aspecto interessante a trama, considerando é claro, as liberdades desse tipo de filme.

Paul Bettany vive um padre em um mundo onde a igreja controla plenamente as cidades e que converte o medo do povo em fé para continuar no poder. Tal medo é oriundo de uma época em que guerras sangrentas foram travadas com vampiros e somente com o surgimento de uma série de guerreiros amplamente treinados é que o jogo finalmente se decidiu em favor dos humanos. Mas com o final da guerra nem tudo parece bem na vida desses guerreiros.

Renegados a viver na margem da sociedade, os padres que travaram a luta tempos atrás estão escondidos e sem função. Quando um fato peculiar acontece e anuncia o retorno dos vampiros, esses guerreiros ganham novamente uma razão de existir. Com cenas de ação extremamente bem feitas, assim como a caracterização visual e o bom uso do 3-D, o diretor Scott Stewart acerta a mão e elabora um competente trabalho na seara dos filmes de aventura/ficção.