Até que ponto as marcas da infância e adolescência podem contribuir negativamente para o futuro de uma pessoa? E se essas marcas além de psicológicas, também forem físicas? O quão difícil será para se livrar delas no restante da vida e seguir em frente? Quanta força de vontade será necessária? Olhando toscamente para essas perguntas podemos afirmar que fazem parte de um livro qualquer de superação ou de uma história hollywoodiana sem graça.
No entanto, é em cima dessa base suspeita e perigosa que David Small (um premiado ilustrador infantil norte americano) criou “Cicatrizes”, história em quadrinhos lançada na gringa em 2009 e que chegou por aqui no final do ano passado pelas mãos das Editoras LeYa e Barba Negra. Com 336 páginas e tradução de Cassius Medauar, a graphic novel ganhou um acabamento editorial cuidadoso, que ajuda muito para que a obra seja melhor apreciada.
Fazer biografias usando os quadrinhos além de se tornar bem comum, começa a ser uma tremenda válvula de escape para estender o poder da criação nessa esfera. Por mais que algumas vezes o resultado seja insatisfatório ou mediano, isso não interfere na geração de obras realmente boas como o álbum em questão. David Small anda na mesma praia do estupendo Art Spiegelman e de nomes mais novos como Craig Thompson e o brasileiro Caeto.
“Cicatrizes” demorou um bocado de tempo para ser escrita. Nascido em 1945 na cidade de Detroit, o autor só conseguiu exorcizar seus fantasmas através de desenhos e palavras depois dos 60 anos. A infância que parecia até certo ponto normal, foi atropelada por um tumor na adolescência que levou o jovem a perder uma corda vocal e parte da fala. E ainda teve que viver dentro de uma família sufocante e sem o menor tato amoroso para a criação dos filhos.
Mesmo sem um desenho espetacular, os traços focam diretamente nas feições e nas paisagens, o que serve plenamente para desenvolver toda a dramaticidade e humor involuntário que se anseia. Após a leitura de “Cicatrizes” o sentimento é de uma angústia sem explicação, já que apesar de tudo a história tem um final feliz. David Small consegue fugir do piegas e da obviedade para mostrar uma história triste e agonizante de modo bonito e poético.
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