Uma pequena introdução antecede o groove funk e o naipe de metais explodindo com ritmo e vigor. Assim começa “Tudo Bem” a primeira faixa de “Escaldante Banda”, aguardado disco de estréia dos paulistas do Garotas Suecas. Para quem já conhecia a banda de shows ou de canções contidas nos Ep’s anteriores como “Ninguém Te Ama Como Eu” e “Codinome Dinamite” não se sentirá decepcionado, pois a energia e a colagem sonora aparecem ainda melhor.
Formado por Guilherme Saldanha (vocal), Tomaz Paoliello (guitarra e vocal), Sergio Sayeg (guitarra), Perdido (baixo e vocal), Irina Bertolucci (teclados e vocal) e Nico Paoliello (bateria), o Garotas Suecas é inusitado não somente pelo nome, como também pela sonoridade desenvolvida. Nela circulam Tim Maia, Roberto Carlos, Mutantes, soul, funk, samba e rock dos anos 60 em geral. O resultado? Canções para não deixar ninguém sem balançar o corpo ao léu.
Logo depois de “Tudo Bem”, “Banho de Bucha” assume o papel de continuar chacoalhando a atmosfera. “Ela” que vem em seguida é singela com seus versos: “Ela me pediu para escrever uma canção/palavras simples sobre os acordes do meu violão/ela me pediu para dizer o quanto gosto dela”. “Não Se Perca Por Aí” tem apenas 2 minutos e 39 segundos. Popzaço encharcado de jovem guarda. “Você Não É Tudo Isso Meu Bem” brilha com sua ironia e acidez.
Em “Mercado Roque Santeiro” o Garotas Suecas pira de vez. Brincando de modo divertido com a letra une tropicália, psicodelia e soul na mesma embalagem. Já “Ninguém Mandou” é um projeto de samba rock que se delicia flertando de maneira leve e malemolente com o soul. “Alma” lembra um pouco a mistura que os gaúchos do Vídeo Hits gostavam de fazer e “Olhos do Cara” é suingue puro. Para finalizar, o sessentismo com samba de “Sunday Night Blues”.
O Garotas Suecas vinha causando burburinhos há certo tempo e “Escaldante Banda” chega confirmando para o bem estas conversas. É um álbum completamente indicado para qualquer hora do dia, qualquer festinha de amigos, qualquer rua ou qualquer esquina. Para espantar o mau humor e fazer dançar e cantar. O grupo que já foi elogiado pelos seus shows no exterior e também está lançando o registro na gringa, pode almejar o céu como limite. Quem pode saber?
“Escaldante Banda” está disponível gratuitamente para download no site oficial da banda: http://www.bandagarotassuecas.com.br
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Séries - "Treme"
Em 2005 o furacão Katrina passou devastando tudo que via pela frente na costa da cidade americana de Nova Orleans, no estado da Louisiana. A cidade conhecida mundialmente pela sua música e cultura, com destaque para o Mardi Gras (carnaval eternizado em filmes como “Easy Rider”) ficou na beira do abismo. Berço de grandes nomes do jazz como Louis Prima, Louis Armstrong e Wynton Marsalis, Nova Orleans até hoje busca recuperação.
“Treme” a nova série que a HBO vem transmitindo mostra a vida dos habitantes depois de alguns meses do desastre. O nome vem de um distrito da cidade, que apesar de ser de baixa renda tem uma música incandescente. Criada pela dupla Eric Overmyer e David Simon, dona de trabalhos de reconhecida qualidade como “The Wire”, a série trilha caminhos brilhantes na primeira temporada. Mescla crítica social, cultura e sentimentalismo em doses precisas.
Claro que o grande foco dos episódios está nos habitantes, que mesmo depois de terem suas casas e bens materiais arrasados e contando com o pouco caso do governo federal, por mais que George Bush (o presidente na época) tenha feito varias promessas, ainda reúnem força para seguir em frente. Essa superação que não é tão bem sucedida na sua maioria, tem como pano de fundo a magistral música da cidade, com trilha sonora de extrema classe.
Logo nos primeiros episódios, Elvis Costello aparece em um bar para ver um grupo tocando e fica impressionado. Na sequência aparece junto com o maestro Allen Toussaint dentro de um estúdio, o que resultaria na vida real no bonito “The River In Reverse”, disco lançado em 2006. Dr. John é outro músico conhecido que também aparece. Além desses nomes uma gama de competentes músicos locais despejam na tela o chamado “Som de Nova Orleans”.
O elenco tem atuações fortes e bem conduzidas, como é o caso do casal Creighton (John Goodman) e Toni Bernette (Melissa Leo), o primeiro um escritor e professor que ganha reconhecimento pelas suas duras críticas políticas e a segunda uma advogada que tenta ajudar pessoas prejudicadas pelo desastre. Do lado mais musical o grande destaque é Steve Zahn como o hilariante Davis McAlary e Wendell Pierce como o trombonista Antoine Batiste.
Quase todos os personagens são bens desenvolvidos e conseguem ter brilho próprio como a chef Janette Desautel (Kim Dickens) que tenta salvar o restaurante da falência ou LaDonna Batiste (Khandi Alexander) que busca o irmão desaparecido no dia do furacão. O lado tradicionalista e carnavalesco aparece na figura de Albert Lambreux (Clarke Peters), que volta para a cidade tentando reerguer o antigo time para o Mardi Gras, não medindo esforços para tanto.
“Treme” é uma série que quase toca o céu. É capaz de levar o telespectador da emoção aos risos e da compaixão ao pensamento político em questão de minutos. Seus encantos estão dispersos nas atuações bem construídas, como também na música que ressoa por todo espaço que se mova. Porém no final de tudo, o que vemos é o retrato cada vez mais presente de descaso pela população daqueles que deveriam ser seus principais responsáveis. Infelizmente.
Site oficial: http://www.hbo.com/treme/index.html
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
"Pops - A Vida de Louis Armstrong" - Terry Teachout
“I see tress of green, red roses too/ I see them bloom for me and you/ And I think to myself, what a wonderful world”. Difícil não reconhecer esses versos quando a melodia começa e a voz potente de Louis Armstrong toma conta da canção. “What a Wonderful World” hoje é a canção mais conhecida do artista e acaba por esconder uma obra pungente e criativa daquele que foi considerado por muitos “o maior músico de jazz do século XX”.
“Pops - A Vida de Louis Armstrong” lançada esse ano aqui no Brasil pela Editora Larousse com 512 páginas e tradução de Andrea Gottlieb de Castro Neves, visa mostrar muito mais do seu biografado. O escritor Terry Teachout que também é músico e publica artigos no Wall Street Journal, explora toda a carreira de Pops (como Armstrong gostava mais de ser chamado), inserindo suas ações e opções dentro do seu contexto histórico.
De infância pobre e dura, Louis Armstrong trilhou uma carreira rumo ao sucesso, investida de muito trabalho. Dono de uma execução notável a frente do seu trompete, influenciou a grande maioria dos que vieram depois e mesmo nomes como Miles Davis que o criticava pela sua postura pessoal, admirava seu trabalho. Gravações suas como “St. Louis Blues” em 1925 e “West And Blues” em 1928 até hoje são citadas como referência.
Mas o que há de diferente em uma nova biografia de Armstrong? Outras já foram feitas e duas pelo próprio músico que sempre gostou de escrever cartas e mais cartas a amigos e fãs. A diferença básica é que Terry Teachout teve acesso a mais de 600 horas de gravações feitas por Armstrong no decorrer da vida, mostrando nas suas próprias palavras a forma que enxergava o mundo e a maneira com que optava em se posicionar nele.
O escritor consegue também tocar a obra com uma energia apaixonante e mesmo para quem não conhece ou não gosta de jazz, faz a leitura ser prazerosa. Muito criticado na sua época pela sua timidez e descrição, confundida por vários como subserviência aos brancos, Terry Teachout mostra que é preciso compreender a época em que o músico viveu, onde a segregação ainda tomava conta dos USA e negros não tinham direito a nada.
Realmente Armstrong só se mostrou politicamente em pouquíssimas vezes. Seu público no segundo terço da carreira onde abandonou o jazz mais de clube para abraçar uma big band, alcançou maior repercussão nos brancos, o que sempre o deixou meio tristonho. Na última parte da sua trajetória, onde criou o All Stars, um grupo variável de craques que o acompanhavam, conseguiu recuperar parte do respeito perdido.
Sempre questionado por seu sorriso constantemente largo e shows em que muitos momentos eram de entretenimento puro, Armstrong conviveu com isso se escorando em quatro casamentos, muita maconha (permitida legalmente anos atrás) e principalmente na sua própria música. Viciado em tocar seu trompete para quem fosse, o músico ganhou de muitos a alcunha de gênio, e ao ler “Pops”, entendemos perfeitamente o porquê.
terça-feira, 21 de setembro de 2010
"O Golpista do Ano" - 2010
Quando os créditos finais de “O Golpista do Ano” começam a passar, você fica imaginando algum ponto positivo para destacar. Isso é claro, se você conseguiu ficar até o final. A começar do esdrúxulo título nacional que nada remete ao original “I Love You Phillip Morris”, para terminar em uma atuação fraquíssima de Jim Carrey que não lembra em nada divertidos filmes recentes como “Sim Senhor”.
O longa é baseado na história real de Steven Russell (Jim Carrey), um policial do Texas que tem uma vida pacata com a mulher e a filha. Seguindo a cartilha tradicionalista dos conservadores, Russell é adepto de uma vida sem vícios (comemora vitórias com copos de leite) e participa ativamente da igreja. No entanto, depois que sofre um acidente de carro, as coisas mudam da água para o vinho.
Enquanto entra na ambulância Russell vai gritando ao léu que assumirá sua homossexualidade. E assim o faz. De repente larga a família, arruma um namorado (interpretado pelo Rodrigo Santoro) e começa a viver em um luxo demasiado que para conseguir dar suporte, distribui as mais diversas e variadas trapaças e falcatruas. Evidente que um dia a casa cai e ele vai parar na cadeia.
Na prisão Russell conhece Phillip Morris (Ewan McGregor) e inicia uma história de amor que levará a instâncias distantes. O caso de amor que dá nome inclusive ao filme, deveria ser o ponto principal, mas dá lugar para as já conhecidas caretas de Jim Carrey, que usa o roteiro mais como uma comédia sem pé nem cabeça (e na maioria das vezes sem graça), do que como o drama que o sustenta.
O rumo do filme indica que ele almeja ser um novo “Prenda-me Se For Capaz”, divertida comédia de Steven Spilberg com Leonardo DiCaprio e Tom Hanks, mas caminha a léguas desse objetivo. Na sua maioria “O Golpista do Ano” é insosso e não consegue nem ao menos chocar com as cenas “gays” que traz. Mesmo que não tenha nada para fazer e só tiver esse filme no cinema, passe longe. É melhor.
domingo, 19 de setembro de 2010
"National Indie Hits" - Wry - 2010
O Wry, banda paulista da cidade de Sorocaba anunciou seu fim este ano. Tudo começou em junho de 1994 com um show em Santos para se propagar por 14 anos entrecortados entre Brasil e Inglaterra. Um dos mais conceituados nomes do cenário independente com discos como “Flames in the Head" de 2006 no currículo, a banda cantava em inglês na grande maioria das vezes e explorava a linha de grupos como The Jesus & Mary Chain e My Blood Valentine.
O fim do Wry (ou recesso por tempo indeterminado como eles disseram) passa basicamente por questões financeiras, o que via de regra sempre acontece no cenário alternativo. Parte da banda é sócia de um bar em Sorocaba/SP (Asteroid) e como o negócio anda bem resolveram concentrar os esforços nesse empreendimento. Outra parte ainda está na capital inglesa. Para trás ficou toda a discografia liberada para download, além de um presente especial.
“National Indie Hits” é esse presente de despedida, um álbum somente de covers de bandas que o Wry admira e trabalharam simultaneamente na mesma época deles. São 13 faixas distribuídas em 44 minutos que resultam em um retrato extremamente bonito do rock independente brazuca. Iniciando com a ótima “Evisceration” do Killing Chainsawn, se espalha depois por diversas outras regiões do país trazendo bandas não tão conhecidas como o Space Rave.
É petardo atrás de petardo. O Wry dá novas cores a belíssima “Canção do Adolescente” do Astromato, assim como a “Loveless” do Pelv’s e a cínica “Novos Adultos” do Walverdes. Na versão de “Guts” do Pin Ups, uma sensação de paralisia estanca no ar. As guitarras enchem o ar em uma canção das mais clássicas da banda paulista. E ainda tem “Precious Love” do Low Dream, “Christmas Falls on a Sunday” do Brincando de Deus e “I Feel You” do Snooze.
Em “Burn Baby Burn” do MQN e “Not the Same” do Biggs a sujeira de garagem aparece com tudo que tem direito deixando o noise invadir em “Inside My Mind (Again)” do Vellocet e “Angel's Wheels” do Sonic Disruptor. Entre outros que passaram pela banda, a formação clássica residiu em Mário Bross, Lu Marcelo, Renato Bizar e Chokito que deixam para trás uma carreira honesta e bonita, finalizando com um suave toque de midas no seu testemunho final.
“National Indie Hits” e toda a discografia para download, aqui.
Blog: http://wrynow.blogspot.com
My Space: http://www.myspace.com/wrymusic
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
"A Morte de Bunny Munro" - Nick Cave
Bunny Munro é um vendedor de produtos de beleza que mora na região de Brighton na Inglaterra. Com um topetão digno dos anos 50 e vestimentas que beiram o kitsch, vende seus cosméticos para mulheres que geralmente estão necessitadas de carinho e aproveita para levá-las para a cama. Maníaco sexual compulsivo, qualquer coisa lhe causa ereção. Completamente amoral tem cd’s em casa da Britney Spears (porque ela é gostosa) e obsessão por Kylie Minogue e Avril Lavigne.
É um canalha de marca maior, que não dá a mínima para quem está ao seu lado e vive entornando álcool em quantidades bem generosas. Ao seu lado transitam pessoas com nomes tão estapafúrdios como o seu (Poodle e River, por exemplo) e vidas tão ordinárias quanto. Quando chega em casa em mais uma das suas constantes sacanagens, encontra a esposa morta no quarto, um suicídio diretamente causado pelas suas ações. O que seria um ponto para recomeçar, quase nada representa.
Esse personagem carregado de canalhice é o ponto principal de “A Morte de Bunny Munro”, o segundo livro do cantor e músico australiano Nick Cave, que chega ao Brasil com 354 páginas pela Editora Record com tradução de Fabiano Morais. O vendedor de cosméticos meio louco, dita as próprias regras em mundo tão louco quanto ele e depois do suicídio da esposa resolve pegar o pequeno filho Bunny Munro Jr. e levá-lo para uma viagem dentro do seu Fiat Punto Amarelo.
Bunny Munro Jr. é o elo de sanidade e bom humor do livro. Mesmo sabendo que o pai entra em uma espiral que o levará fatidicamente ao fim, o moleque gruda os olhos na enciclopédia que ganhou da mãe e apesar de todas as sacanagens do pai continua o amando incondicionalmente, pois é o seu pai. A literatura de Nick Cave esbarra no marginal em vários momentos, e agrada quem gosta de Hunter S. Thompson, Charles Bukowski, Efraim Medina Reyes e Chuck Palahniuk.
“A Morte de Bunny Munro” tem tudo para resultar em algum momento em passagens mais brandas, mas Nick Cave controla com rédeas firmes todas as obscenidades e pilantragens do seu personagem de modo a mostrar que não há perdão. Em paralelo a trama principal, por exemplo, cria um serial killer que anda com chifres na cabeça e tridente na mão e que se aproxima cada vez mais de Bunny Munro, fazendo assim uma ótima analogia com o caminho dele rumo ao inferno.
Esse tom bíblico do serial killer não é novidade para o autor e já foi explorado no seu livro anterior “E o Burro Viu o Anjo”, assim como de modo mais vasto nas letras das suas canções. Os defeitos de Bunny Munro não são resultado da sociedade e suas mazelas e sim da própria criação exercida pelo pai, agora a beira da morte por causa de um câncer. Esse senso travestido de moralidade e convívio social é o fio condutor de uma história em que nada foi longe demais que não possa avançar mais.
Site oficial: http://www.thedeathofbunnymunro.com
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
"Like a Rolling Stone - Bob Dylan na Encruzilhada" - Greil Marcus
“Like a Rolling Stone” já recebeu diversas versões de artistas dos mais variados estilos e países desde que foi lançada em 20 de julho de 1965 por Bob Dylan. Dentro do vasto repertório desse monstro sagrado da música mundial, talvez seja a canção que melhor represente sua obra devido ao impacto que causou e a sua extensão e letra, que até hoje causa discussões sobre o real significado. Talvez também seja justo dizer que depois dela a música pop não foi mais a mesma.
“Like a Rolling Stone - Bob Dylan na Encruzilhada” lançado aqui esse ano pela Companhia das Letras com 256 páginas, traz o jornalista e crítico musical Greil Marcus, dissecando a canção e traçando correlações sobre suas influências e legados. O autor nasceu em São Francisco nos USA em 1945 e entre outras coisas foi um dos primeiros editores da revista Rolling Stone. Ele é um especialista sobre a obra de Dylan, sendo capaz de esmiuçar detalhes de maneira intrigante.
O livro transita entre dois pólos para construir sua narrativa: o histórico e o crítico. No primeiro lado expõe dados, citações, fotos e informações das gravações, inseridas dentro do contexto mundial da época. Por algumas passagens, mesmo sendo interessante, acaba ficando um pouco chato pela abundância de informações, que poderiam ser suprimidas. No segundo lado, a narrativa se desenvolve melhor e Greil Marcus apesar de se mostrar demasiadamente fã, agrada mais.
Uma das partes mais saborosas do livro acontece no Epílogo, onde são transcritas boa parte das fitas iniciadas em 15 de junho de 1965 nos estúdios da Columbia Records em Nova York para a gravação da canção. Além de inserir o leitor no meio dessa sessão em particular, o deixando construir também um pouco desse clássico, Greil Marcus mostra a banda que contava com Michael Bloomfield e Al Kooper, arregimentados pela batuta do famoso produtor Tom Wilson.
Durante 1965 e depois dele muito aconteceu com Bob Dylan. Do ídolo folk ao traidor que usava guitarras elétricas, da troca de aplausos por vaias, da imersão no ostracismo até o ressurgimento impecável com os discos dos anos 90 em diante. Bob Dylan é uma figura única na música mundial dividindo com Beatles e Elvis Presley o alicerce mais básico do rock e “Like a Rolling Stone” com seus versos iniciais: “Unce a upon a time...” é a melhor das suas centenas de histórias.
domingo, 12 de setembro de 2010
"Band Of Joy" - Robert Plant - 2010
"Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho", Clarice Lispector disse certa vez. Quando “Band Of Joy”, o novo disco do Robert Plant acaba de tocar é mais ou menos a sensação da frase de Clarice Lispector que toma conta. Por mais que o disco exiba produção caprichada e arranjos bem elaborados, no fundo está a simplicidade de folk, do bluegrass, do country americano, além é claro de toda a experiência desse ícone do rock aos 62 anos.
Depois de aparecer com um belíssimo disco em 2007 em parceria com a cantora Alison Krauss (“Raising Sand” a saber), Robert Plant ressuscita o nome da velha banda que tinha com o baterista John Bonham nos anos 60 antes de alçar vôos com o Led Zeppelin, para continuar a vida. Olha para o passado com extremo carinho e monta um disco somente de covers obscuros de bandas como Los Lobos e Low e compositores como Richard Thompson e o grande Townes Van Zandt.
O time contratado para a nova encarnação da Band Of Joy reside em Buddy Miller (guitarrista e co-produtor do álbum), com o qual já havia trabalhado na turnê de “Raising Sand”, Patty Griffin (vocal), Darrell Scott (guitarra acústica, banjo e bandolim), Byron House (baixista) e Marco Giovino (bateria e percussão). A formação esbanja competência para criar a paisagem sonora perfeita para que Robert Plant possa cantar, sussurrar ou até mesmo declamar as canções do trabalho.
“Angel Dance”, canção dos californianos Los Lobos abre o registro em versão poderosa e surpreendentemente diferente, para que os bons momentos não parem de se suceder. “House Of Cards” traz ótimas guitarras, “Silver River” é densa com seus mais de seis minutos, “You Can't Buy My Love” é um rock encharcado de country, ‘I'm Falling In Love Again” volta o olhar para os anos 50, “The Only Sound That Matters” é um belo folk e “Harms Swift Way” é feita para encantar.
Utilizando boa parte da temática explorada em “Raising Sand”, mas indo além dela, Robert Plant está distante do estereótipo do roqueiro velho que vira uma caricatura de si mesmo e recebe alcunhas nada lisonjeiras. Seus recentes trabalhos indicam não mais uma vontade de conquistar o mundo (apesar de continuar vendendo muito bem) e sim de cantar canções que gosta. Para Plant, a frase de Mário Quintana: “Nada jamais continua. Tudo vai recomeçar!”, parece viva e presente.
Sobre o tão comentado disco anterior, passe aqui.
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
"Cachalote" - Daniel Galera e Rafael Coutinho
Cachalote é a maior das baleias com dentes e pode medir até 18 metros. E essa baleia gigante é que dá nome ao projeto que Daniel Galera e Rafael Coutinho levaram mais de dois anos para concluir. “Cachalote” chega em formato grande com 320 páginas pelo selo “Quadrinhos na Cia” da Companhia das Letras e depois que a última folha é lida, a impressão que fica é que tanto esmero na formatação do roteiro e da arte da obra valeu muito a pena.
Daniel Galera, um dos melhores nomes da nova geração literária nacional preenche o roteiro com cinco casos distintos, além de um pequeno tema com um toque mais fantástico que abre e encerra o trabalho. Rafael Coutinho (filho do Laerte) é quem transforma esses roteiros em movimentos, explorando quadros grandes e caprichando nos detalhes, seja um azulejo no chão, uma cadeira no fundo da sala ou um pôster de filme pregado na parede de um quarto.
A arte de Rafael Coutinho em preto em branco retrata de maneira vigorosa os anseios, dúvidas e questionamentos dos personagens concebidos e ainda exibe uma crítica comportamental bem humorada nas roupas e ambientes criados. Daniel Galera dá mais uma amostra da sua capacidade de criar histórias cotidianas enxertadas de algum elemento fora da normalidade, sem revelar os caminhos e mostrando como de costume a busca por redenção ou paz interior.
As tramas são das mais variadas, destacando-se a que ilumina um escultor recluso e antipático, valorizador somente da sua obra e nada mais. Outras são mais líricas como o casal separado que mantêm a relação tênue por conta da filha que ainda os une e outras mais pesadas como a de um astro decadente do cinema que perdeu o sentido das coisas e sobrevive em mundo no qual só vê lixo a sua volta e a do vendedor de ferragens que curte sexo mais pesado.
Mesmo sem correlacionar diretamente nenhuma das histórias, “Cachalote” mostra na sua base personagens que em algum momento perderam o rumo das vidas e agora estão arremessados em situações que não conseguem sair. Buscam por outra vida enquanto tocam o dia a dia em que se meteram. Daniel Galera e Rafael Coutinho criaram uma graphic novel dramática e tensa, realçando com toques de humor vidas tão sem graça quanto tantas outras.
Resenhas sobre os livros de Daniel Galera no blog: aqui, aqui e aqui.
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
"Conjunto de Rock" - Stereoscope - 2010
“O que você faz? Qual é a sua ocupação, a sua profissão? O que você faz? Ofício e ganha pão?” Assim abre o terceiro disco dos paraenses do Stereoscope. Lançado novamente pelo Senhor F e produzido por Philippe Seabra da Plebe Rude, “Conjunto de Rock” apresenta a habitual maestria melódica do grupo em uma roupagem mais crua e paradoxalmente melhor produzida. O álbum mesmo sem ostentar ser temático versa sobre um conjunto de rock e suas pretensões.
Os versos acima extraídos do começo de “Clark Kent” mostram o cotidiano da maioria dos integrantes das bandas do rock nacional, que precisam ter outro emprego para sobreviver enquanto tocam a música como sonho. “A Doce Vida” que chega na seqüência mantém o mesmo tom e ainda critica o mundo das celebridades: “Todo mundo quer ser um alguém especial, igual se vê na tv e que não se crê. Hoje ninguém quer ser uma pessoa normal feito eu e você.”
E em 12 canções mais um pequeno interlúdio (“Prólogo: Fim da Linha”), Jack Nilson (guitarra e vocal), Marcelo Nazareth (guitarra e vocal), Ricardo Maradei (baixo e vocal) e o estreante nos discos da banda Daniel Pinheiro (bateria), chegam novamente para conquistar o ouvinte com suas melodias deliciosas e ritmo elegante. O alicerce em que as canções são fundamentadas continua sendo o rock dos anos 60, no entanto, como no disco anterior ganha outras companhias.
E “Conjunto de Rock” vai se constituindo faixa a faixa de novas pequenas pérolas como “Pobre Menino Rico”, uma tradicional história de amor juvenil e “O Rei Sozinho”, um pop de encher a alma e sair cantando junto. Uma das melhores faixas do ano até agora. O álbum segue pela desesperança de “Canção Que Não Toca no Rádio”, pelos ensinamentos bem humorados da faixa título, para desaguar no cotidiano fantástico de “O Louco” e na lírica “36 Anos”.
“Serenata Pequeno-Burguesa” é uma balada que abre caminho para as guitarras à La Guided By Voices de “De Volta à Central do Brasil” e para as duas faixas que fecham o registro: “Gran Festival II” e “Epílogo: Outro dia”. O recente trabalho está um pequeno nível abaixo dos seus antecessores, mas a qualidade é tão alta que isso nem faz diferença. “Conjunto de Rock” é um retrato singelo e bem idealizado do rock independente nacional, mesmo sem pretender isso.
Todos os discos da banda estão disponiveis na Trama Virtual, inclusive "Conjunto de Rock". Passe aqui.
My Space: http://www.myspace.com/stereoscopebelem
domingo, 5 de setembro de 2010
"Meu Malvado Favorito" - 2010
A Pixar e a Dreamworks já criaram pequenos clássicos no campo das animações. Seus filmes além de prazerosos e bem feitos, renderam vários milhões aos seus realizadores. Chris Meledandri, ex-presidente da 20th Century Fox Animation, na qual esteve a frente durante o lançamento de algumas grandes animações, resolveu montar seu próprio estúdio-empresa, a Illumination Entertainment, para abocanhar uma parte desse mercado. Experiência ele possui.
“Meu Malvado Favorito” é a primeira aposta da Illumination e por mais que seja engraçado em alguns momentos e divirta a garotada, o resultado fica bem razoável. Em 3-D e apenas em versão dublada no país, o que tira o provável charme da interpretação de Steve Carell (“The Office”) feita para o personagem principal, a animação dirigida a seis mãos por Pierre Coffin, Chris Renaud e Sergio Pablos, não chega a encantar e desliza na repetição de algumas variáveis.
A história apresenta Gru, um super vilão que não mede esforços para ser mau, nem mesmo quando compra café na esquina. Com uma infância desastrosa que vai sendo apresentada no decorrer do longa, Gru obteve considerável sucesso no mundo do crime. Tudo vai bem, até que no seu caminho surge Vetor, um vilão mais novo e principalmente mais rico e com equipamentos melhores, o que leva Gru a se desesperar para conseguir seu maior feito: Roubar a Lua.
Ao seu lado estão além de um cientista louco (como é praxe), umas criaturazinhas amarelas (Minions) que emitem sons sem muito sentido e que na verdade representam o que de melhor “Meu Malvado Favorito” apresenta. Como Vetor vai levando vantagem atrás de vantagem, Gru resolve adotar três pequenas órfãs para chegar mais perto do seu objetivo. É lógico que as três simpáticas e meigas garotinhas vão mudando o vilão e inserindo mais amor na sua vida.
“Meu Malvado Favorito” é um filme que oscila muito. Rende bons momentos, principalmente quando explora o politicamente incorreto, mas é meio óbvio demais. A transformação de Gru em quase um bom moço é previsível e feita para emocionar, mas não consegue esse objetivo. Se a Illumination Entertainment quiser mesmo fazer frente para as suas concorrentes terá que construir um trabalho bem melhor na próxima empreitada. Façam as suas apostas.
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
"Heaven Is Whenever" - The Hold Steady - 2010
Quando “The Sweet Part Of The City”, a primeira música de “Heaven Is Whenever”, novo disco do The Hold Steady começa a tocar, um pouco de surpresa não deixa de aparecer. Afinal, o ritmo desacelerado da canção com direito a guitarra com slide no final não é muito a desses americanos. Enquanto os versos sobre viajar, tocar e se meter em bares e restaurantes no meio da estrada vão se sucedendo, a impressão não chega a ser das melhores.
Depois de dois excelentes discos em 2006 e 2008 (“Boys & Girls In America” e “Stay Positive”, respectivamente), o grupo de Craig Finn lançou um razoável ao vivo ano passado, antes de desembarcar no novo registro, o primeiro depois da saída do tecladista Franz Nicolay. Tad Kubler assumiu o posto em conjunto com a guitarra que já empunhava e ao seu lado e de Craig Finn continuam Galen Polivka no comando do baixo e Bobby Drake na bateria.
Em “Heaven Is Whenever” o que escutamos é uma banda buscando outra sonoridade, indo além do (ótimo) hard rock setentista sujo e de garagem com o auxílio de teclados dos últimos discos. Essa espécie de procura e até mesmo podemos colocar de transição, rende resultados irregulares. Não chega a ser um disco ruim, pois somente as ótimas histórias de Craig Finn nas letras afastariam isso, mas leva provavelmente o título de pior disco da carreira.
O problema no álbum não é a mudança em si, isso sempre deve ser vangloriado, a busca por novos horizontes em detrimento da mesmice, e sim as idéias que aparecem desconexas em pelo menos metade das faixas, como nos 7 minutos de “A Slight Discomfort”. Quando mantêm a pegada costumeira, o Hold Steady acerta mais como em “Soft In The Center”, onde um garoto é aconselhado e “Rock Problems” com as guitarras na frente e um solo exuberante.
Os melhores momentos ficam estacionados em “The Weekenders”, com a sentença: “No final, eu aposto que ninguém aprende uma lição”, “The Smidge”, que vem com a seguinte sacada cínica: “Agora, quando mentimos uns aos outros, nós fazemos isso por meio de computadores” e “Hurricane J”, com letra extensa, quase um conto em pouco menos de 3 minutos, remetendo ao estilo Bob Mould (“Husker Dü” e “Sugar”) de compor e que tanta gente inspirou.
Outras faixas como a espécie de balada “We Can Get Together” com versos pouco inspirados como “O céu é sempre que podemos ficar juntos”, além de “Barely Breathing” e “Our Whole Lives” se mostram completamente sem função. “Heaven Is Whenever” é o álbum que toda banda passa e que pode resultar em caminhos interessantes no futuro. Apesar do resultado apenas mais ou menos, o Hold Steady merece bastante fé a ser depositada na sua conta.
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